História da Psicologia Fenomenológico Existencial

Para uma história da Psicologia e das psicoterapias Fenomenológico Existenciais

O livro Para uma História das Psicologias e Psicoterapias Fenomenológico Existenciais: Ditas 'Humanistas', do psicólogo Afonso Fonseca, traça um breve histórico das Psicologias Fenomenológico Existenciais, comentando as vertentes europeias, norte-americanas e latino-americanas, bem como seus encontros.

Um livro bem escrito e muito agradável de ler, com conteúdo bem disposto e organizado, que possibilita compreender melhor o caminho que foi traçado pelas abordagens fenomenológico existenciais na história da psicologia.

O autor comenta sobre o desenvolvimento histórico da psicologia fenomenológico existencial citando grandes pensadores como: Sören Kierkegaard (1813-1855), Friedrich Nietzsche (1844-1900), Martin Heidegger (1889-1976), Merdad Boss (1903-1966), Ludwig Binswanger (1881-1966), Carl Rogers (1902-1987), entre outros.

Segundo ele, grande parte desses pensadores podem ser entendidos como Humanistas, no sentido de que se diferenciaram das concepções de idealismo e universalismo hegelianos, recuperando a experiência e tomando a vivência humana como referência.

Afonso Henrique Lisboa da Fonseca foi professor em Programas de Formação em Psicologia e Psicoterapia Fenomenológico-Existencial, em especial Abordagem Centrada na Pessoa e Gestalterapia. Autor de inúmeros artigos e livros de Psicologia e Psicoterapia Fenomenológico-Existencial, publicados em revistas brasileiras e de outros países, entre os quais se destaca a sua participação, juntamente com Carl R. Rogers, John K. Wood e Maureen M. O’Hara, na obra: "Em Busca de Vida. Da Terapia Centrada no Cliente à Abordagem Centrada na Pessoa", de 1983.


Alguns fragmentos do livro:

A vertente europeia se constitui do conhecimento e posturas de certas antigas correntes filosóficas, e de cultura, que se desenvolveram na Grécia, e nas filosofias e artes do Renascimento. Estas perspectivas são recuperadas por filósofos do século XVIII, na constituição das poderosas perspectivas filosóficas de F. Nietzsche, da Fenomenologia e do Existencialismo.

Os trabalhos de Heidegger serão a raiz fundamental da Fenomenologia Existencial da análise existencial de MedardBoss (1903– 1990), e de Ludwig Binswanger (1881– 1966). Psicoterapeutas europeus pioneiros na abordagem fenomenológico- existencial.

Kierkegaard (1813-1855) antecipou-se a Nietzsche (1846-1900), em cerca de quarenta anos, na crítica ao universalismo, e ao idealismo, hegelianos. No sentido da perspectiva existencial de privilegiamento da singularidade, da subjetividade, e da existência.

Criticando, igualmente, o universalismo e o idealismo hegelianos, Nietzsche auferiu suas fontes de inspiração nas perspectivas de privilegiamento do corpo, da vivência e dos sentidos dos pensadores pré-socráticos.

Nietzsche recupera o sentido de afirmação do corpo, de afirmação da vivência, e de afirmação dos sentidos. Mesmo, e em particular, como afirmação do sofrimento e da finitude. Como modo natural de potencialização da vida, e de promoção de uma superabundância de suas forças, pela afirmação da potência do retorno da vida.

Foi Nietzsche, na segunda metade do século XIX, que, opondo-se às tendências predominantes nas religiões, na filosofia, na ciência, e na moral, afirmou o valor incondicional do corpo, dos sentidos e da vivência. Tal como eles se manifestam em sua espontaneidade.

Afirmar e resgatar o valor incondicional da vida do aquém, da vivência do corpo e dos sentidos, foi um mérito da filosofia Nietzscheana.

Nietzsche fez uma crítica da ciência como modo de produção da verdade.

Os pré-socráticos valorizavam, fundamentalmente, o corpo, os sentidos e a vivência. Enquanto Sócrates expressa os fundamentos de um tipo de cultura e de um tipo de vida, que os despreza e que opta por valorizar o abstrato e o teórico.

Essa perspectiva ética de afirmação do corpo e dos sentidos, de afirmação da vida, é que vai constituir, posteriormente, um fundamento básico das psicologias e das psicoterapias fenomenológico-existenciais.

O hegelianismo comete o erro de querer explicar todas as coisas. As coisas não devem ser explicadas, mas vividas.

Em vez de querer apreender uma verdade objetiva, universal, necessária e total, Kierkegaard dirá que a verdade é subjectiva, particular e parcial.

Medrard Boss (1903-1990) e E. Minkovski (1885-1972) foram dois outros expoentes deste momento pioneiro do desenvolvimento das psicologias e psicoterapias Fenomenológico-Existenciais. Com o desenvolvimento da chamada Análise Existencial.

Karl Jaspers (1883-1969) tentou fugir do objetivismo do modelo médico, e abordar as pessoas que sofriam de transtornos através de uma metodologia fenomenológica.

A Fenomenologia é um empirismo da ação, ao modo de sermos do ator. Ontológica e epistemologicamente anterior ao modo de sermos no qual se constituem sujeitos e objetos, e a sua dicotomização.

A verdade não era absoluta, como queriam as correntes filosóficas a que ambas as tendências se opunham. A verdade era produto de construção e estava intimamente associada à existência e à vivência. A verdade, sobretudo, não era teórica.

Abrahan Maslow (1908-1970), Rollo May (1909-1994), e Andras Angyal (1902-1960), constituíram destacadamente um segmento e um núcleo pioneiro de psicoterapeutas fenomenológico- existenciais norte-americanos.

May foi um importante dinamizador da Psicologia e da psicoterapia existenciais norte- americanas. Foi, junto com Maslow, um dos organizadores do pioneiro livro Existence. Que, pela primeira vez, trazia aos EUA as concepções de psicoterapeutas existenciais europeus. Como Binswanger, Boss, Minkovski, Strauss, e outros.

A Fenomenologia não é, prioritariamente, uma questão de eruditos e de acadêmicos; uma questão de grandes filósofos, como Brentano, Husserl, Heidegger, Sartre, MerleauPonty… Não. Prioritariamente, a fenomenologia é uma questão da vivência de qualquer ser humano. Ser ontologicamente fenomenológico, e existencial, por excelência.

As influências de Heidegger, e certamente de Nietzsche, tiveram um papel central no desenvolvimento pioneiro das Psicologias e Psicoterapias Fenomenológico Existenciais, na Europa. Desenvolvidas originalmente por psicoterapeutas como L. Binswanger e M. Boss. Psicoterapeutas de origem psicanalítica, que, ao romperem com a Psicanálise, e desenvolver abordagens especificamente fenomenológico existenciais de psicoterapia, tiveram uma importante influência sobre o desenvolvimento da Psicologia Humanista, da Abordagem Rogeriana, da Gestalt Terapia, e da Dasein Análise.

Em uma linguagem codificada por Nietzsche, podemos dizer que estes valores e atitudes - derivados da Fenomenologia, e do Existencialismo -, quando aplicados ao âmbito da Psicologia e da psicoterapia, ao âmbito da relação psicoterapeuta-cliente(s), propiciam e potencializam a afirmação, a expressividade, e o desdobramento da vivência do cliente. Desta forma, potencializam as forças ativas, e a criatividade em sua existência.

Propiciam e potencializam, assim, a superação do niilismo, e a superação de uma atitude niilista. A superação do predomínio de forças reativas em suas vidas; a superação do ressentimento, e da culpa; a superação de uma atitude de negação do vivencial e da vida. Atitude esta movida pelo ideal ascético. A superação de uma atitude de negação do corpo, de negação dos sentidos, de negação de sua experiência organísmica.

A prática desta experiência, efetivamente experimental, no sentido fenomenológico existencial, pode potencializar neles o resgate e a afirmação da potência de sua criatividade, no enfrentamento de suas dificuldades, e no enfrentamento de suas questões existenciais.

De tal forma que possam resgatar-se e constituir-se como criadores, como artistas, como artífices de suas vidas. Tornando-se o que são. Como força, como possível, como possibilidade, como ação. E não, simplesmente, tentando ser algum outro ideal, ou simplesmente como vítimas de suas circunstâncias, e da inércia das condições nela dadas.

Mudamos terapeuticamente, e existencialmente, na medida em que assumimos, e afirmamos, o nosso estado efetivamente vivido organismicamente. É a afirmação da vivência de concrescência de nossas condições que propicia a mudança e o crescimento, a potencialização de um devir criativo. Ciente da finitude, e do sofrimento. Mas exercício da alegria da vivência do desdobramento da ação; da vivência do desdobramento de uma potência criativa.

O que aprenderam os psicoterapeutas fenomenológico-existenciais é que a simples reflexão do cliente sobre a sua experiência, sobre a sua vivência, sobre o seu mundo, relações etc.– não produziam a desejável mudança. Da mesma forma, a simples aprendizagem e elaboração de conhecimentos teóricos e conceituais, moralistas, não revelavam valor terapêutico de mudança e criação. Muito menos a manipulação do meramente comportamental e técnico. Em contrapartida, a entrega, e a facilitação e potencialização da entrega do cliente às dinâmicas de seu devir pré-reflexivo, pré-conceitual, fenomenológico e existencial; a entrega dele à sua experiência, à sua vivência, aos sentidos e vivências imediatas de seu corpo, possibilitava um enorme potencial de autorregulação, de autoequilibração, autoatualização, e de efetiva mudança terapêutica, e existencial. Este sempre foi, simplesmente, e é, o segredo das Psicologias e das psicoterapias Fenomenológico-Existenciais. De modo que é fundamental para elas a perspectiva particular da Fenomenologia. O retorno à própria vivência do possível, a ação. O retorno às coisas, aos objetos e situações do mundo, ao mundo e a si próprio, enquanto vivenciados, pré-reflexivamente, pré-conceitualmente, fenomenalmente. Na intuição originária da vivência de consciência.

Em específico, retornar de onde? Retornar especificamente de um mundo teórico, de conceitos, e de privilégio do teórico, e do conceitual, do moral. Retornar ao mundo e ao si mesmo, enquanto efetivamente vivenciados pré- reflexivamente, na intuição originária da vivência de consciência. Retornar do meramente teórico e moralista, idealista; do comportamental e do técnico. À momentaneidade da vivência, da ação fenomenológica, da fenomenológica da ação.

Talvez este seja o maior mérito da Fenomenologia, e que fundamenta as Psicologias e as psicoterapias Fenomenológico-Existenciais: a descoberta e afirmação do valor do outro, no devir possível de sua particularidade e diferença próprias, a afirmação do valor e da importância da dialogicidade como a possibilidade humana propriamente ontológica.


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