O livro 'Existencialismo', de Jack Reynolds oferece uma introdução bem acessível ao existencialismo, vertente filosófica e literária que se desenvolveu intensamente na Europa, em especial na França, durante o século XX.
Inicia com uma análise dos antecedentes, como Sören Kierkegaard, Friedrich Nietzsche, Edmund Husserl, Karl Jaspers e Gabriel Marcel, para depois comentar alguns dos textos fundamentais sobre o existencialismo: "Ser e tempo" de Martin Heidegger, "O ser e o nada" de Jean-Paul Sartre, "Fenomenologia da percepção" de Maurice Merleau-Ponty e "O segundo sexo" de Simone de Beauvoir.
Segue abaixo alguns fragmentos do livro "Existencialismo", por Jack Reynolds, Coleção Pensamento Moderno, Editora Vozes, 2013.
Inicia com uma análise dos antecedentes, como Sören Kierkegaard, Friedrich Nietzsche, Edmund Husserl, Karl Jaspers e Gabriel Marcel, para depois comentar alguns dos textos fundamentais sobre o existencialismo: "Ser e tempo" de Martin Heidegger, "O ser e o nada" de Jean-Paul Sartre, "Fenomenologia da percepção" de Maurice Merleau-Ponty e "O segundo sexo" de Simone de Beauvoir.
Alguns
dos temas existenciais fundamentais a serem tratados incluem: liberdade; morte, finitude e mortalidade; experiências
fenomenológicas e "disposições" como angústia (ou ansiedade), náusea e
tédio; uma ênfase sobre autenticidade e responsabilidade assim como a
tácita condenação de seus opostos (inautenticidade e má-fé).
Em vez de
nossa identidade ser determinada por nosso status biológico ou social, o
existencialismo insiste que ela deve ser continuamente criada, e que
existe uma ênfase resultante sobre nossa liberdade ou, no vocabulário
preferido dos existencialistas, nossa transcendência.
Kierkegaard contesta a ênfase iluminista na racionalidade, assim como a sistematização excessiva da dialética hegeliana.
Para o pensamento existencial, para o
qual não existem fatos externos ou valores que ditem nossa ação, embora
sejamos confrontados, porém, com a necessidade de agir e escolher. Sem a
orientação de regras universais de moralidade, da natureza humana ou de
um Deus cognoscível, devemos dotar o mundo de
significado e somente nós podemos fazer isso. Devemos realizar este ato
de fé: criar o significado em que buscamos viver. Cada ato, então, que
não esteja comprometido por uma forma do que Sartre chama “má-fé”, pode
ser visto como um tipo de fé: como um compromisso de agir diante do
“nada”e de não fingir que as coisas são impostas ou exigidas.
Para
Kierkegaard, uma escolha individual, ou ato de autodeterminação, é
inevitavelmente acompanhada por uma experiência de temor, em que nos
damos conta de que o cálculo racional nunca será suficiente para
fornecer as respostas ao paradoxo religioso, ou para outros temas de
maior relevância existencial em nossas vidas
Para
qualquer modo de agir, deveríamos agir como se essa ação particular
fosse se repetir indefinidamente, e o imperativo de Nietzsche seria algo
como: age de tal modo que você nunca pudesse dizer “isso simplesmente
aconteceu”, mas antes “eu o quis assim”. É uma exaltação para
experienciar genuinamente o momento.
A concepção de que não
há justificação para valores, assim como sua rejeição perspectivista
de qualquer padrão moral absoluto, que é claramente muito influente
tanto em Camus como em Sartre.
O filósofo alemão Karl Jaspers (1883-1969) buscou
combinar os melhores insights de Nietzsche e Kierkegaard enquanto também
estendia seu pensamento ao problema em torno da relação entre filosofia
e ciência.
Não
existe eu predeterminado ou essencial; o eu é, em troca, somente suas
possibilidades e o que ele pode tornar-se. Essa noção do eu não
predeterminado, mas mais como uma orientação futura, foi diretamente
influente no trabalho de seu compatriota, Heidegger, e indiretamente no
de Sartre, de Beauvoir e Merleau-Ponty.
Para Jaspers, sofrimento,
culpa e incerteza ocorrem quando existe um conflito entre a situação
contingente e a necessidade absoluta de escolher: em outras palavras,
entre a situação, que por si só não possui significado inerente, e as
aspirações humanas, que buscam impor um tal significado.
Como
Kierkegaard e Nietzsche, Jaspers protesta contra qualquer provisão de
substitutos externos e objetivos para decisões pessoais como partido,
riqueza, estado ou a mediocridade do rebanho.
Podemos
sugerir que todos os existencialistas têm algum tipo de crítica ao
“cientificismo”, ou mesmo à ciência. Seguindo os passos da condenação
que Husserl faz ao naturalismo, os pensadores existencialistas
geralmente consideram que, embora os esforços científicos sejam
inestimáveis, eles não são o principal modo de nos relacionarmos com as
coisas, muito menos com o mundo. O cientificismo de nossa cultura
cometeu o erro de pensar que o modo científico de compreender as coisas e
o mundo é o nosso único acesso à verdade, mas, como veremos em detalhe
no trabalho de Heidegger e de Merleau-Ponty, bons argumentos podem ser
mobilizados para sugerir que o modo científico de conhecer é, de fato,
secundário aos aspectos mais práticos de nossa relação instrumental para
com o mundo. Pensadores existenciais insistem que interpretar mal essa
ordem de prioridade tem consequências tanto éticas como epistemológicas.
Marcel,
sua importância para o existencialismo consiste principalmente em sua
reintrodução da questão do corpo. Nos anos de 1920 ele declarou “Eu sou
meu corpo”.
Historicamente, grande parte da tradição filosófica
ocidental subestimou a importância de nossos corpos. Nossos corpos,
argumentou-se, são capazes de nos enganar, e certamente não são tão
confiáveis quanto o pensamento abstrato; pense em Platão e Descartes a
esse respeito, que são meramente as figuras mais óbvias nessa tradição.
Embora o tema do corpo no trabalho de Heidegger seja complicado, é
seguro dizer que todos os pensadores existenciais do século XX
enfatizaram a importância de nossa experiência vivida e corporificada,
bem como de nossa relação perceptual com o mundo.
Em vez de focar
na questão concernente à liberdade, ou à nossa falta dela, em O Mito de
Sísifo a ênfase de Camus é sobre a natureza absurda da existência, e em
como lidar com ela e continuar vivendo. O personagem referido no
título, Sísifo, é um homem da mitologia grega que foi condenado a rolar
uma rocha incessantemente colina acima, apesar de ser consciente de que
ela inevitavelmente rolaria novamente para baixo. Para Camus esse tipo
de comportamento é típico da condição humana e ele emprega o conceito do
absurdo para descrever essa situação.
Em outras palavras, Camus se refere ao absurdo como a
brecha entre o que os entes humanos esperam da vida e o que de fato
encontram. Os indivíduos buscam por ordem, harmonia e mesmo perfeição,
ainda que não possam encontrar evidência alguma de que essas coisas
existam. Em O Mito de Sísifo Camus busca retificar isso, basicamente
encorajando os indivíduos a desistirem de seu desejo por uma ordem
razoável e coerente para o mundo. É o anseio humano por razão em um
mundo desarrazoado que é responsável pela absurdidade da condição
humana, e ele sugere que a busca incessante por razão, destacada no
Iluminismo, alienou a humanidade de si mesma. Camus põe mais importância
nas funções práticas e estéticas da razão, em vez de na “razão pura” da
metafísica, que busca conhecer a realidade última, o que realmente
existe e o que torna essa existência possível.
Heidegger
argumenta que todos nós temos também alguma compreensão vivida do
significado de ser, embora vaga, e é por essa razão que nossa própria
existência está em jogo ao perseguirmos essa questão aparentemente
opaca.
Desde os gregos essa
diferença tem sido encoberta e ignorada, e sugere que isso se deve ao
fato de os filósofos terem estado embaraçados pelo tempo, invariavelmente interpretando o ser como
atemporal, eterno e imutável.
A investigação filosófica necessita focar no tempo, e no que ele chama
“Dasein”, para esclarecer, tanto quanto possível, o significado da
questão do ser.
É sua interpretação do Dasein em termos de temporalidade, o que ele chama sua "analítica existencial".
Heidegger
sugere que o Dasein é o ente particular, ou entidade, que deve ser
investigado a fim de compreendermos o ser. Isso, porque o Dasein é o
único ente que pode levantar a questão acerca de seu próprio ser, que
está envolvido com seu próprio ser, e, de um modo um pouco sinônimo,
para quem sua própria existência está em questão.
O Dasein é um
sítio privilegiado de investigação porque ele possui uma compreensão do
significado do ser em geral (Heidegger chama essa compreensão de "pré-ontológica"), mesmo que seja, com frequência, reprimida e oculta.
Nas palavras de Heidegger, "a essência do Dasein
reside em sua existência". Isto foi claramente uma inspiração
para a famosa máxima existencialista de Sartre, segundo a qual para os
entes humanos a “existência precede a essência”.
Para
qualquer caso particular de responsabilidade e para qualquer decisão
particular e assim por diante, podemos dizer que é minha
responsabilidade e minha decisão. O Dasein nomeia essa individualidade
enquanto é vivida como oposta à objetivamente descrita, e essa ênfase na
experiência "vivida" e concreta é conservada em todos os pensadores
existenciais.
Estamos
essencialmente no mundo e somos inseparáveis dele. Fundamentalmente,
não somos abstraídos do mundo, como algumas práticas científicas tendem a
assumir – na verdade, o próprio conceito de “metodologia” é possivelmente
baseado na pressuposição de uma separação entre o observador e o que é
observado –, mas, ao contrário, estamos sempre imersos no dia a dia do
mundo da vida.
A intenção metafísica de
conhecer e conter o mundo ignorou as praticidades de nossa existência
cotidiana onde, de acordo com Heidegger, estamos melhor situados para
apreender o ser, porém, de um modo necessariamente limitado.
Contra
a concepção cartesiana, o mundo não é, principalmente, o mundo
científico, mas o mundo prático da vida diária. Para Heidegger, os
objetos que nos cercam são, acima de tudo, utensílios para nosso uso, e a
estrutura da existência humana é, por essa razão, melhor desvelada na
atividade prática. Heidegger diz que o Dasein está em casa no mundo como
um trabalhador em seu local de trabalho, e, ao falar de um martelo
nesse contexto, explica que, “quanto menos nós apenas olhamos para a
coisa martelo, e quanto mais o seguramos e o usamos, mais primordial se
torna nossa relação com ele". Em outras palavras, ser-no-mundo
tem a ver com manusear as coisas e se envolver na prática, em vez de
abstrair das coisas na cognição teórica.
Para Heidegger, não existe objeto fora do contexto humano e toda
teorização simplesmente-dada deve reconhecer que uma condição de sua
possibilidade é esse comportamento mais primordial e pragmático dirigido
às coisas que ele designa como o à-mão.
O mundo existe desse modo prático para nossa percepção, não
em algum domínio reificado de apreensão sensória pura de cores, formas
etc., que mais tarde vem a ser mediado pelo pensamento e pela
interpretação.
Heidegger insiste que não pode existir sujeito
isolado algum que subsequentemente encontre outros. Mais precisamente,
para ele, o Dasein está sempre no mundo, um ser-com. Na verdade, ele argumenta que o ser-com é uma condição necessária do Dasein. Sob essa perspectiva, não podemos ser um eu, ou sujeito, sem outros.
Heidegger argumenta que, nas
disposições, vislumbramos o que ele chama nosso “estar-lançado”, que no
seu entender se refere a estarmos entregues a uma situação, ao que ele
chama um “aí”, assim como ao reconhecimento posterior de que esse mesmo
“aí” é contingente e que as coisas poderiam ter sido diferentes;
poderíamos ter nascido em algum outro lugar, de outros pais e várias
circunstâncias amplamente diferentes. O estar-lançado é destinado a
comunicar o fato de estarmos entregues à contingência sem razão alguma, e
enfatiza a inalterabilidade do passado, do qual não somos os criadores,
mas do qual devemos nos apropriar, tornando-o nosso.
Na
concepção de Heidegger, disposições ontologicamente importantes como
ansiedade e tédio não vêm de fora nem de dentro. Elas surgem de nosso
ser-no-mundo, e ele insiste que não podemos fazer disposições
particulares acontecerem; nem podemos, igualmente, prescindir delas
completamente .
Dasein é lançado em direção ao futuro, e é isso o que torna a liberdade possível. Seu
foco nas possibilidades contidas na “compreensão” reforça sua definição
fundamental do Dasein como primordialmente aquele que “ainda não” é. A potencialidade, ou a possibilidade de ser, torna-se intimamente associada ao Dasein, muito mais que a realidade ou o que é.
Referência:
REYNOLDS, Jack. Existencialismo. 2 ed. Vozes: Petrópolis, RJ, 2014.