A crítica leiga e a atitude filosófica


A crítica leiga não tem o intuito de argumentar um ponto de vista ou dialogar sobre um assunto, mas apenas contrariar uma ideia para defender um modo de pensar pessoal, geralmente pouco refletido, sem aprofundamento sobre o que se está a criticar, com embasamentos rasos, quando houver. Trata-se de uma crítica fraca de conteúdo, utilizada para se defender ou atacer uma perspectiva contrária.

Já o questionamento filosófico é elaborado após um estudo e uma análise aprofundada sobre o tema no qual se direciona as críticas, partindo de uma reflexão que é elaborada posteriormente às pesquisas e estudos sobre o tema específico, se colocando a entender, questionar e apontar possíveis inconsistências, com abertura ao diálogo e inclusive com a possibilidade de ser refutado, ao invés de apenas contrariar.

O atitude filosófica propõe um questionamento sobre os fundamentos e embasamentos de um modo de pensar específico, argumento ou ideia. Consiste em questionar as supostas "verdades prontas" contidas nos argumentos e nos discursos das pessoas que proferem ou defendem uma ideia, de modo a ampliar a compreensão e possibilitar outras interpretações. Porém, é realizada a partir de uma análise sobre o que se critica, depois de um período de estudo e aprofundamento sobre o que se está a criticar.

Deste modo, a atitude filosófica coloca uma questão sobre a "verdade" estabelecida, como por exemplo "-É possível tratar uma dor emocional apenas com medicamentos?". Trata-se de uma questão sobre uma "verdade" pronta, que é difundida em nossa cultura. O filósofo é aquele que vai questionar essa suposta verdade. Por questionar as supostas verdades comuns, o filósofo nem sempre é bem visto, ou compreendido pela sociedade em geral.

Em nossa cultura, perguntar é visto muitas vezes como uma fragilidade, pode parecer que não sabemos sobre algo ou que somos "ignorantes". Vivemos numa sociedade que valoriza as pessoas que sabem das coisas, que são "inteligentes", ou ao menos que pareçam inteligentes ou bem informadas. São poucos os que se atrevem a duvidar ou questionar, pois muitas vezes não querem ser interpretados como ignorantes ou desinformados.

Porém, não há nada mais inteligente que perguntar, é justamente a pergunta que nos possibilita revelar uma percepção para um entendimento que não nos parece claro, que nos possibilita entender o ponto de vista do outro, adentrar em novas compreensões e possibilidades. A atitude filosófica portanto é realizada muito mais por meio de perguntas do que respostas, são as perguntas que nos movem a perceber outras possibilidades que antes não estavam visíveis.

O pensamento filosófico é reflexivo, trata-se de pensar sobre o pensado, voltando para si mesmo. O termo "reflexão" se origina da palavra flexão, que significa "curvar ou dobrar", pensar de modo reflexivo significa portanto "curvar-se a si próprio", investigando as premissas, as conexões, os valores e as conclusões de um ou vários pensamentos.

Vemos cada vez mais nas redes sociais pessoas criticando outras, não com o intuito de se aprofundarem num assunto, pelo contrário, a maioria dos que "criticam" nem sabem muito bem sobre o que estão criticando. Essa crítica tem um tom intolerante, sendo usada como um meio para se "defender" do pensamento do outro e para afirmar seu próprio modo de pensar, não é uma crítica que se propõe ao diálogo e reflexão.

A filosofia não busca defender "verdades prontas", fazer isso representa um modo de ser dogmático, fanático e fechado. A intenção da filosofia é justamente de abertura, ampliar as perspectivas e interpretações possíveis, compreender diferentes pontos de vista e analisar os argumentos, sempre evitando um julgamento precipitado sobre o que se estuda, mas analisando mais profundamente um tema.

No senso comum, as pessoas costumam julgar as coisas e os fatos diretamente, sem muitos questionamentos, por meio de seus próprios referenciais, seja pelo modo como foram educadas, suas crenças ou convicções pessoais. Na filosofia não é assim que se procede, podemos ter nossas convicções e elas nos levam a compreender o mundo de uma maneira, mas entendemos que o outro pode ter as convicções dele e compreender o mundo de outra maneira.

Para compreender o argumento do outro, é preciso nos distanciar um pouco de nossas crenças e valores, para que possamos nos aproximar do modo como o outro compreende as coisas e o mundo. Sem fazer tal exercício, sempre veremos o que o outro diz passando por nossos próprios filtros, partindo de nosso ponto de vista, assim nos fechamos para a compreensão que o outro pode nos oferecer.

A atitude filosófica é, portanto, uma abertura para compreender o ponto de vista do outro, do modo como o outro compreende, ao invés de apenas julgar o outro e criticá-lo partindo de nossas crenças e convicções prontas. Trata-se de uma postura aberta consigo mesmo para questionar nossas próprias crenças e supostas convicções, de modo a perceber novas e possíveis compreensões sobre o mundo e a vida em geral.


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