Valores como criações humanas

(Operários, pintura de Tarsila do Amaral, 1933)

Somos naturalmente bons ou maus?
Existe uma coisa que seja essencialmente boa e outra má?

Para o filósofo inglês Thomas Hobbes (1588-1679), o ser humano é naturalmente mau, já o filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) acreditava que o ser humano era essencialmente bom e a sociedade o corrompia.

De acordo com o existencialismo, não há uma essência que defina cada pessoa antes de sua existência, mas cada um se constrói por meio de sua existência concreta, portanto uma pessoa não é naturalmente boa nem má, mas se tornará o que fizer de si. Nesta concepção os valores não nascem com as pessoas, mas são criados na relação com os outros e com o mundo.

Uma coisa é boa e outra é ruim? Assim avaliamos o valor de nossas experiências, nas relações que estabelecemos com as pessoas e com as coisas. Mas o que nos faz interpretar uma coisa como boa e outra como má? Existe uma concepção única do que seja bom ou ruim? Se sim, o que faz com que outras pessoas atribuam valores diferentes dos nossos às mesmas coisas e situações, tomando algo que para nós é bom como ruim?

Essas são perguntas relacionadas aos nossos valores, sobre o modo como são constituídos, como se desenvolvem e se modificam. Não há um conceito de bom ou de ruim previamente estabelecido, antes de nosso nascimento, pois os valores se diferem em cada povo, época e local. Para um índio pode ser comum andar seminu e fazer suas atividades cotidianas, já para um europeu é necessário que se vista uma roupa que possui características específicas, por exemplo.

Não há como definir um hábito como "correto" e outro como "errado" de modo absoluto, sem levar em consideração o lugar e o tempo onde ele acontece, sua avaliação depende da cultura onde está inserido e do modo como as pessoas valorizam (ou não) tal hábito. Vivemos num mundo onde coexistem diversas culturas e diferentes valores sobre o que é bom ou ruim, justo ou injusto, certo e errado. Os valores possuem um significado específico para cada povo e em cada tempo, e orientam o modo como vivemos a nossa vida.

Muitas de nossas escolhas são feitas com base em nossos valores culturais. Os valores não estão nas coisas, mas na pessoa que avalia as coisas, por isso eles variam de pessoa para pessoa. O que é tido como certo para uma pessoa pode ser errado para outra. O valor implica sempre na relação entre um sujeito e um objeto ou uma situação.

Segundo o filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900), não há valores eternos ou universais, os valores são criações humanas e históricas, que possuem validade num certo tempo e espaço. Para ele, algumas pessoas criam os valores e os transferem às outras mostrando eles como fossem "naturais" e "imutáveis", pois desejam sua permanência, mas os valores são sempre humanos, demasiado humanos.

"Falta de sentido histórico é o defeito hereditário de todos os filósofos. Não querem aprender que o homem veio a ser, que até mesmo a faculdade do conhecimento veio a ser. Tudo veio a ser; não há fatos eternos: assim como não há verdades absolutas. - Portanto, o filosofar histórico é necessário de agora em diante e, com ele, a virtude da modéstia."
(Nietzsche, em 'Humano, Demasiado Humano')

A concepção do que é o "bem" e do que é o "mal" não corresponde a valores existentes em si mesmos, independente de nossa presença ou relação com as coisas. A valoração das coisas ou de situações dependem totalmente dos indivíduos que definem o que é o "bem" e o que é o "mal". Essas avaliações estão sempre mudando, pois nós estamos sempre nos transformando.

Os valores são, portanto, criados por algumas pessoas num certo período histórico e espaço geográfico, eles são transmitidos às outras que acatam ou discordam deles, e quando acatados eles passam a ser valorizados por um grupo social, tornando uma espécie de regra vigente. Há uma relação de poder implícita nesta transmissão de valores, entre alguns que atribuem o que é "bom" ou "ruim" e outros que aceitam esta valoração e passam a viver de acordo com tais valores.

Para o filósofo francês Jean-Paul Sartre (1905-1980), toda pessoa é livre para agir e não existem valores absolutos que sirvam de base para o modo como conduzimos a nossa vida, depende de cada pessoa um criar ou encontrar os valores que lhe façam sentido. Há sempre a possibilidade de transformar os valores e criar novos valores, pois toda pessoa é livre para propor novos valores e difundir às outras pessoas, que podem acatar ou não a sua proposta.

"Se o homem, na concepção do existencialismo, não é definível, é porque ele não é, inicialmente, nada. Ele apenas será alguma coisa posteriormente, e será aquilo que ele se tornar."
(Sartre, em 'O Existencialismo é um Humanismo')


Referências:
NIETZSCHE, Friedrich. Humano, Demasiado Humano. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
SARTRE, Jean-Paul. O Existencialismo é um Humanismo. Tradução: João Kreuch. 4ª ed. Petrópolis: Vozes, 2014.
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