Este livro apresenta uma introdução bem didática sobre a filosofia de Nietzsche, trazendo seus principais conceitos e sua influência em outros autores.
Entender o pensamento de Nietzsche é crucial para se compreender muitos aspectos do pensamento e e da cultura contemporânea. Diversos pensadores foram influenciados por sua filosofia, tais como Sigmund Freud, Alfred Adler, Carl Gustav Jung, Hermann Hesse, Martin Buber, Karl Jaspers, Gaston Bachelard, Martin Heidegger, Jean-Paul Sartre, Albert Camus, Gilles Deleuze, Michel Foucault, Jacques Derrida, entre outros.
Escrito por Ashley Woodward, com a tradução de Diego Kosbiau Trevisan, a
obra faz parte da Série Pensamento Moderno, da editora Vozes, lançado
em 2016. Segue abaixo alguns trechos do livro para apreciação, para conhecer mais sugiro que adquira o livro em livrarias e afins:
Nietzsche examinou o significado das vastas mudanças produzidas na cultura desde o Iluminismo no âmbito dos valores.
Costuma-se dividir a filosofia de Nietzsche em três períodos, nos quais enquadram-se seus principais escritos da seguinte maneira: o período "inicial" (O nascimento da tragédia; Considerações extemporâneas), o período "intermediário" (Humano, demasiado humano; Aurora; A gaia ciência) e o período "tardio" (Assim falava Zaratustra; Além do bem e do mal; O crepúsculo dos ídolos; O anticristo; O Caso Wagner; Ecce homo).
O que serve de guia para a análise de Nietzsche é a concepção de que boa parte da cultura ocidental foi – e permanece – decadente. A preocupação primordial de Nietzsche é com o significado e valor da vida; ele argumenta que os gregos antigos conheciam algo importante que nós havíamos perdido.
Nietzsche argumenta que a tragédia combina dois tipos de estética que são usualmente mantidos em separado nas outras artes: o apolíneo e o dionisíaco. Apolo é o deus da beleza; Nietzsche o associava ao sonho, harmonia, forma e artes plásticas (como a escultura). Dionísio é o deus do vinho; Nietzsche o associava à intoxicação, desarmonia, ausência de forma, sublimidade e música.
Nietzsche considera a combinação de ambas as estéticas na tragédia como a forma ideal de arte, uma forma que mais bem nos permite lidar com a vida e afirmá-la.
Nietzsche propõe que essa sabedoria artística foi "corrompida" pelo advento da filosofia na Grécia Antiga, exemplificada pela figura de Sócrates. Em uma palavra, Nietzsche argumenta que a estética trágica foi usurpada pelo ideal socrático de razão.
O mais característico da tragédia é que "coisas ruins acontecem" no palco, mas são transformadas esteticamente: enquanto tal, a tragédia nos ensina como lidar com a vida e até mesmo afirmá-la enquanto reconhecemos plenamente o sofrimento que ela comporta. O racionalismo socrático, no entanto, em nome de "ideais mais altos" que encarnam o racional e o bem, nega a realidade do irracional e do sofrimento, desvalorizando, por conseguinte, a vida conforme ela é vivida aqui e agora.
Nietzsche identificava como uma espécie de "niilismo religioso", um niilismo que gira em torno da ideia de que há um mundo metafísico "verdadeiro" por trás do mundo de nossa percepção sensorial. De noções religiosas como o Reino do Céu até ideias filosóficas como o mundo platônico das formas.
Esse "outro" mundo é postulado, unanimemente, como superior, como a vontade ou realidade por trás desse mundo inferior, imperfeito e ilusório no qual vivemos. Ao postular um mundo superior, Nietzsche argumenta, nós estamos sentenciando – estamos condenando e desvalorizando – o mundo em que vivemos.
De acordo com ele, os valores supremos postulados pelo homem ocidental estão todos enraizados – e dela dependem – na interpretação “moral cristã” da vida. Nietzsche considera que nenhum dos sistemas existentes de valores seja independente desse paradigma, incluindo a filosofia, ciência, política, economia, história e arte. De acordo com Nietzsche, todos os valores supremos postulados pelas principais tradições do pensamento em todo o decorrer da história ocidental apoiaram-se em um tipo de divinação da natureza. A religião, a filosofia e até mesmo a ciência apoiaram-se em uma visão metafísica do mundo que é idêntica ou similar à postulação de um Deus que estrutura e controla o mundo.
Nietzsche sentencia não apenas a morte do Deus cristão (no sentido da morte da crença na existência de Deus), mas também a morte de todas as semelhantes explicações metafísicas sobre a vida.
A moral é notoriamente um dos alvos centrais de Nietzsche. Em muitos de seus escritos e especialmente em seu livro Genealogia da moral (1887), Nietzsche procura debilitar os valores morais correntes ao mostrar como eles têm origens que estão longe de serem nobres. Ele distingue dois tipos centrais de moral: a "moral do senhor" (também chamada "moral do nobre") e a "moral do escravo" (ou "moral de rebanho").
Moral do senhor: senhores são os tipos fortes, capazes de afirmar a si mesmos, lidar com a natureza trágica da vida e legislar sobre seus próprios valores morais. - Moral do escravo: escravos são os tipos fracos, que não conseguem lidar bem com o sofrimento e que, em compensação, desenvolvem uma crença em uma ordem moral do universo.
Em primeiro lugar, o escravo reage com "ressentimento" contra o senhor e contra a vida mesma, culpando-os pelo sofrimento por que passa. Em segundo lugar, o escravo internaliza o ressentimento em uma "má consciência", dizendo a si mesmo que ele sofre por ser uma má pessoa e merece o sofrimento. Em terceiro lugar, o escravo adota um “ideal ascético”, privando a si mesmo dos prazeres dessa vida com base na crença de que ele será recompensado no além-vida. Para Nietzsche, o cristianismo adota cada uma dessas três atitudes. Ademais, em razão do ressentimento contra os senhores, ele tenta diminuir o poder deles, taxando de "má" a moral do senhor. A crítica de Nietzsche acerca da moral e sua própria tentativa de ir para "além do bem e do mal" é realmente uma defesa da moral do senhor e uma tentativa de criar novos valores morais, mais do que uma rejeição pura e simples da moral enquanto tal.
Desde Sócrates, a verdade foi comumente associada de forma estreita com o bom: assumia-se como bom para nós aquilo que é verdadeiro. Por vezes Nietzsche coloca em dúvida essa tese de forma enfática, sugerindo que talvez a inverdade é uma condição para a vida: decerto, são as inverdades que nos permitem viver e nos conduzem à felicidade. Nietzsche escreve: Nós arranjamos para nós um mundo no qual possamos viver, admitindo a existência de corpos, de linhas, de superfícies, de causas e de efeitos, de movimento e de repouso, de forma e de fundo: não fossem esses artigos de fé, ninguém hoje suportaria a vida! Mas isso não prova nada em seu favor. A vida não é um argumento: porque o erro poderia encontrar-se entre as condições da vida (GC 121).
O complemento ao questionamento de Nietzsche sobre a noção epistemológica de verdade é seu ataque à noção metafísica de um "mundo verdadeiro".
Para Nietzsche, o mundo é um caos de vir-a-ser dinâmico; não há um ser estático, uma ordem permanente.
Ele rejeita a ideia de que o mundo e a humanidade progridem em direção a algum tipo de objetivo, como sugerem as histórias dialéticas de Hegel e Marx ou o projeto do Iluminismo acerca da emancipação da humanidade. Nietzsche não vê a história como um progresso. Ele escreve que "o século XIX não representa um progresso em relação ao século XVI [...]. A ‘humanidade’ não avança" (VP 90). Para Nietzsche, o mundo do vir-a-ser não tem um objetivo. Como ele escreve, “o vir-a-ser não visa a nada e não atinge nada” (VP 12 (A)).
A vontade de potência é o desejo por mais força, mais abundância; ela é o desejo por expansão e crescimento.
A vontade de potência manifesta-se também como uma superação de si. Criaturas viventes procuram tornar-se maiores do que são; novamente, procuram expandir-se, crescer, aumentar. Nietzsche faz Zaratustra proclamar: "E este segredo a própria vida me contou: [...] eu sou o que sempre tem de superar a si mesmo".
A vontade de potência descreve o mundo como algo constituído, em um nível fundamental, por uma diversidade de forças que competem entre si; os objetos do mundo aparentemente estáveis (incluindo nós mesmos) são produtos de alianças temporárias de forças. Trata-se aqui de uma teoria imanente do mundo como um mundo em constante vir-a-ser, as coisas vêm a ser no mundo por meio de processos de mudança, sem ser preciso apelar a um outro mundo no qual as coisas supostamente teriam sua origem em configurações fixas.
Nietzsche insiste que o homem moderno é também inadequado. Nietzsche afirma que a humanidade não deve ser conservada, mas, antes, superada. Ele postula um tipo superior do humano: o Übermensch. O Übermensch de Nietzsche é um tipo superior que virá no futuro; a humanidade presente é uma ponte entre o animal e o Übermensch. Nietzsche escreve: “O homem é uma corda, atada entre o animal e o Übermensch – uma corda sobre um abismo” (Z “Prólogo” 1). Supostamente, o homem estará para o Übermensch assim como o animal está para o homem. No entanto, o Übermensch não é uma ideia darwiniana sobre uma necessária evolução biológica. Pelo contrário, a existência do Übermensch tem de ser conscientemente desejada pelo homem; nós temos de fazer deliberadamente de nós mesmos pontes para o Übermensch.
Mas o que é então o Übermensch? O Übermensch é fundamentalmente um afirmador e um criador. Ele ou ela é alguém que sobreviveu ao niilismo, afirmou a vida (ao lado do sofrimento) no nível mais radical exigido pelo eterno retorno e expresso por sua vontade de potência por meio da ativa criação de valores. O Übermensch é aquele que legisla sobre valores e cria uma visão do mundo por meio de interpretações ativas.
Nietzsche não crê que haja algum Eu unitário e preexistente que possa ser um puro e simples objeto de conhecimento, como sugere o dito grego “conheça a si mesmo”. Pelo contrário, Nietzsche proclama “queira um Eu” (OSD 366): nós temos de tornarmo-nos quem nós somos através da autocriação ou criação de si.
Essa interpretação apoia-se na concepção de Nietzsche sobre o universo como um vir-a-ser constante, sem um ponto-final estático. Ela também faz sentido nos termos da vontade de potência: o Übermensch, como toda a vida, é uma constante superação de si mesmo, um constante empenho por crescimento e ainda mais abundância. Como um princípio para a transvaloração dos valores, portanto, o ideal nietzscheano do Übermensch ensina a autocriação, a criação de valores e a interpretação criativa do mundo, e instaura o Eu criador como um fim não a ser finalmente atingido, mas como algo a cuja direção devemos constantemente tender.
Para Nietzsche, o niilismo é um passo necessário no desenvolvimento tanto do indivíduo como da sociedade. Para Nietzsche, trata-se de uma oportunidade para erradicar a decadência que ele vê como marca da Modernidade e que fora desencadeada pela visão de mundo da moral cristã. Nietzsche fornece três princípios gerais para a superação do niilismo. A vontade de potência oferece um sim e um não: sim para tudo o que é forte, expansivo e poderoso; não para o que é fraco e reativo, para o que diminui a potência. O eterno retorno é um teste que exige uma radical afirmação da vida para que possa ser suportado; ele nos ensina a amar até mesmo o sofrimento e a agir de modo a que possamos afirmar a vida. O Übermensch é um fim para o qual devemos tender, ele nos ensina que, mesmo diante do niilismo, nós precisamos ativamente criar a nós mesmos e a nossos valores.
Em um sentido bem geral, a filosofia da vida é "uma filosofia que pergunta pelo significado, valor e propósito da vida" (GAIGNER, 1998: 487). De forma mais específica, contudo, a filosofia da vida faz da "vida" um princípio fundacional que tudo abrange, e compreende esse princípio como algo fundamentalmente irracional: a vida é, assim, oposta à racionalidade.
Nietzsche é particularmente conhecido por colocar a verdade e o conhecimento a serviço da vida, por questionar o valor daqueles a partir da perspectiva da vida e por defender o erro contra a verdade, caso isto signifique promover a vida. Além disso, Nietzsche com frequência associa aquilo que promove a vida com o irracional: o corpo, o inconsciente, as emoções, música e arte, estados de êxtase e assim por diante. Ele analisa, ademais, a forma como a racionalidade e a consciência podem se voltar contra a vida, sufocando-a em categorias morais e metafísicas muito rígidas e negando seu valor através da crença em um mundo superior de ideias racionais (como no platonismo). Nietzsche é também responsável pela introdução da antítese normativa, central para a filosofia da vida, entre o sadio e o enfermo ou decadente.