O livro "Filosofia da Ciência", de Alberto Oliva, busca identificar as características da ciência e compreender em que condições a razão fundamentou suas técnicas, seus procedimentos de pesquisa e, consequentemente, seus resultados, oferecendo um panorama dessa busca de Francis Bacon aos dias de hoje.
Segue abaixo alguns trechos do livro, que está disponível na Amazon:
O homem se vê confrontado com desafios que põem em risco sua própria sobrevivência. Aos poucos foi desenvolvendo a capacidade de dar respostas inteligentes aos problemas. E tal evolução intelectual culminou com a busca sistemática de conhecimento.
A ciência moderna procura promover a aliança da explicação com a dominação. A efetiva explicação dos fenômenos propicia ao homem, como se começou a apregoar a partir de Francis Bacon, conquistar poder sobre eles. Torna-se, por isso, arma fundamental no enfrentamento das forças cegas da natureza, que põem em risco a sobrevivência.
Na ciência, uma teoria só sobrevive, só é aceita, enquanto não surge alguma evidência empírica capaz de desmenti-la ou uma outra teoria capaz de vantajosamente substituí-la. A longevidade em ciência indica apenas que determinadas teorias têm demonstrado inequívoca capacidade de superar testes.
Francis Bacon acreditava que, com o afastamento liminar dos preconceitos, seria possível realizar a observação pura e neutra, a única capaz de propiciar a efetiva explicação dos fenômenos.
Há atitudes que manifestamente inviabilizam a conquista do conhecimento. Entre elas merecem destaque: a antecipação que prevalece sobre a observação; os interesses e as predisposições que tentam fazer passar por conceito o que não passa de preconceito; a reiteração passiva do que a tradição toma como sabido; o fascínio pela autoridade intelectual em detrimento da argumentação impessoal; o encantamento pela retórica às expensas da demonstração lógica e da comprovação empírica; a tendência a tomar como certo e estabelecido o que, na melhor das hipóteses, é apenas provável; a subordinação da razão à fé; o uso descuidado da linguagem. De um ponto de vista mais técnico, a falta de rigor no levantamento de dados, a análise e interpretação malfeitas dos fatos e o mau uso de metodologias confiáveis impedem a geração de conhecimento. Ressalte-se ainda que a tentativa de forçar o enquadramento das informações nas bitolas da interpretação que se deseja que seja a certa — é prática comum em áreas da pesquisa mais fortemente marcadas pela presença de ingredientes ideológicos ou pela expressão de interesses conflitantes.
De Platão a Bertrand Russell tem prevalecido a definição de conhecimento como crença verdadeira justificada. No extremo oposto, alguns autores chegaram a conceber conhecimento como crença social legitimada.
O questionamento permanente, posto em prática pelo cientista, evita que ele mergulhe em crises de desconfiança absoluta em relação aos procedimentos metodológicos que emprega e aos resultados que alcança.
A credibilidade especial das teorias científicas resulta de seus constituintes lógico-empíricos poderem ser implacavelmente dissecados pela comunidade de especialistas.
Não é fácil determinar a extensão do conhecimento humano. A impressão mais forte é a de que se sabe muito pouca coisa em relação ao que se desconhece. É que se está ainda longe de um critério universalmente aceito que permita, para cada caso particular, definir se algo é de jure conhecimento e não uma mera opinião.
Não há, em termos epistemológicos, consenso quanto aos critérios ou padrões que devem ser adotados para que se possa especificar o que é conhecimento: pode-se justificar uma ação invocando determinados padrões morais.
Com relação ao conhecimento, a justificação de uma teoria depende de sua consistência lógica e de sua fundamentação empírica. Diga-me o método que empregas e te direi o tipo de credibilidade epistêmica que pode ser alcançada pelos resultados que obténs.
A estrutura linguística é, nesse caso, encarada como um sistema de comportamento. Representa o contexto do discurso.
O discurso científico bem construído, sobretudo quando tem pretensões cognitivas, deve ser: 1) formalmente impecável (requisito sintático); 2) referir-se de maneira unívoca a estados da realidade (requisito semântico ). Só assim pode se habilitar a 3) convencer (requisito pragmático) a comunidade de pesquisadores do valor explicativo das teses defendidas.
No mundo antigo, o conhecimento era visto como bios theoretikos ou vita contemplativa. Os saberes visavam à contemplação da realidade, naquilo que esta tem de permanente, e ao desvelamento da verdade. Não nutriam a pretensão de transformar os “objetos” investigados.
Bertrand Russell, em A perspectiva científica, afirma que o gênio grego foi mais dedutivo que indutivo, mais matemático que experimental. Polêmicas são suas afirmações de que os gregos observaram o mundo mais como poetas que como cientistas e de que, a despeito de terem se sobressaído em quase todos os campos da atividade humana, contribuíram pouco para o avanço da ciência. A grande reviravolta na era moderna diz respeito a como a natureza passou a ser percebida. Enquanto na época medieval era considerada sagrada, na moderna passa a ser vista como objeto a ser dissecado, explicado e, quando possível e desejável, modificado com base nos interesses maiores da humanidade. Da sacralização da natureza se passa à atitude que visa a ter sobre ela controle instrumental proporcionado pelo saber com vocação praxiológica. A partir do Novum organum de Francis Bacon, conhecimento autêntico é o que, fundando-se na observação, vai propiciar poder sobre os fenômenos estudados. As ciências naturais se tornam “saberes de domínio”. Como tal, começam a ser regidas pelo critério pragmático do sucesso preditivo. O importante é desenvolver teorias que façam previsões confiáveis, que proporcionem, antecipando “comportamentos”, poder sobre o que investigam. As teorias passam a ter seu valor definido pelo poder preditivo e manipulativo. Tudo fica subordinado ao imperativo da destruição criativa, à busca permanente da superação de resultados.
A crescente transformação do conhecimento científico em poder de manipulação sobre o que é estudado aponta para o risco de as biotecnologias virem a tratar o homem não como um fim em si mesmo, mas como meio. Essa é a razão pela qual não se devem perder de vista os fundamentos éticos da pesquisa científica e da aplicação de seus resultados.
Pode-se dizer que existe uma lógica da justificação entendida como um conjunto de procedimentos que, seguido à risca, mostra-se capaz de conferir cientificidade à pesquisa. Mas não há uma lógica da criação que se possa caracterizar como um receituário com competência para prescrever atitudes e comportamentos que levem à originalidade, isto é, à descoberta de novos fatos e à invenção de novas teorias. Não existe um método lógico de conceber ideias novas ou de reconstruir logicamente esse processo; não se conhece a fórmula da criatividade: a busca do novo é uma aventura pelo desconhecido.
Novas formas de abordagem ensejam ver novas coisas ou até novas propriedades nos objetos mais familiares. Exagerando, pode-se dizer que novos pontos de vista descortinam “novos mundos”.
A verdade ou falsidade de uma sentença empírica é determinada por seu acordo ou desacordo com a experiência. Mas há casos em que se pode inferir a verdade de uma sentença com base no conhecimento já obtido sobre a verdade de outra(s) sentença(s). A tarefa da lógica é prover as regras inferenciais que promovem tal tipo de transição. Fatos não são nem verdadeiros nem falsos. Só o que se diz sobre eles — os enunciados — pode ser assim avaliado. Fatos ocorrem ou não, manifestam-se como evidências favoráveis ou desfavoráveis aos nossos pronunciamentos sobre a "realidade". Só podem compor uma teoria científica (empírica) as asserções que se mostrem suscetíveis de ser aprovadas ou reprovadas pela experiência.
Karl Pearson em A gramática da ciência sublinha corretamente que “não são os fatos que fazem a ciência , mas o método por meio do qual são tratados”. Na mesma direção, Poincaré afirma em Ciência e hipótese que “fazemos ciência com os fatos assim como uma casa é feita com tijolos; mas uma acumulação de fatos não é ciência assim como um conjunto de tijolos não é uma casa”.
O método científico estipula um conjunto geral de regras e técnicas com base nas quais deve ser feita a pesquisa. É preciso, no entanto, ter presente que os debates travados ao longo do século XX deixaram claro que não há consenso em torno do que se deve considerar a essência da cientificidade.
Fonte:
OLIVA, Alberto. Filosofia da Ciência. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.