Esquizoanálise - a análise do múltiplo


A esquizoanálise propõe uma clínica nômade, mutante e rizomática, que possibilite a criação de novos modos de ser e se colocar no mundo. O termo "Esquizo" significa "muitos", no sentido da multiplicidade de nossas experiências, vivências, os múltiplos seres que nos habitam e que habitamos, que podem ser captados por meio de uma cartografia, do exame na relação com o todo.

Por meio da leitura cartográfica se faz uma leitura dos processos em seu campo de possibilidades, compreende uma geografia das conexões da pessoa com os objetos, espaços, outras pessoas e consigo mesma. Apresenta o quanto nos afetamos ou somos afetados nas relações que estabelecemos, ou como nossas relações criam sentidos e nos constituem como um uno-múltiplo, inclusive por onde nosso desejo transita.

Na perspectiva esquizoanalítica, o desejo não é uma falta, mas produção. A doença está no mundo: no capitalismo, na história, nos povos, etc. Um processo pode ser bloqueado por conta de seu contexto ou por resultados de sua relação. Somos seres inacabados e em permanente transformação, passamos por situações que afetam nossos movimentos e nos geram sensação de incômodo, e para cada uma dessas situações existem muitas saídas.
"Cada um de nós somos vários; nós juntos já é muita gente; há o que nos aproxima de mais próximo e de mais distante; não somos mais somente nós mesmos, fomos alterados, aspirados, multiplicados; a lei do Uno que se torna dois, depois dois que se tornam quatro – pode-se passar diretamente de Uno a três, quatro ou cinco."
(Deleuze e Guatarri, em 'Mil Platôs - Vol. 1')
A análise pode se realizar a partir da escuta de um sujeito: das coisas que faz e gosta de fazer, de suas queixas, de suas potências, de seus sintomas, dos espaços que transita, das pessoas que para si são significativas. Esse procedimento não é estático, pois todo sujeito está sempre produzindo novas ações e novos problemas, por conta de novas experimentações, estabelecendo novas conexões e encontrando novas possibilidades.

Essa análise dos múltiplos elementos de um sujeito (família, escola, amigos, vizinhos, sintomas, potencias), não tem como intenção interpretar, mas experimentar, pretendendo auxiliar o sujeito a criar e potencializar novas formas de vida e possibilidades, acompanhando este e não induzindo. Esse processo pode ser facilitado por meio de dispositivos como: livros, poesias, músicas, colagens, entre outros, que auxiliem na ampliação de potencialidades.
"O devir não é se direcionar para uma forma, é algo inacabado, sempre em curso, o devir sempre está ‘entre’."
(Gilles Deleuze, em 'A Literatura e a Vida')
O capitalismo promove uma impossibilidade em cada indivíduo de buscar o que constitui suas experiências, somos constantemente atravessados por muitas coisas sem tomar muito contato com o modo como nos afetam. Por meio de uma clínica do movimento e da experimentação, que se faz no encontro do sujeito para criar, inventar e potencializar, se pensa e se cria novas possibilidades para cada indivíduo, percebendo o que faz seu corpo expandir e não contrair.

A clínica rizomática procura buscar o sinal de vida que se encontra na dor, procurando perceber como cada pessoa se deixa afetar com seu corpo, com sua mente e sua psique, a partir das relações e abertura pelas quais se conecta com o mundo, como ela se afeta pelo outro. Não existe uma divisão entre o pensamento e o corpo, acredita-se que podemos criar possibilidades e enxergar novos mundos através das experiências e inclusive por meio da arte.

Encontrar a potência em meio a confusão, olhando para a vida existente na pessoa e não para a doença, valorizando o processo, onde as coisas vão se fazer, fazendo. A ideia de enfermidade está ligada ao aprisionamento, a parada de processos, a interrupção do devir. A doença é concebida como algo que nos impede de criar novos modos de ser e de fazer. Para isso devemos intervir na criação de uma nova sintaxe e novos meios de subjetivação.
"Se cria uma terceira pessoa para perceber a nós mesmos sem que esteja em primeira pessoa, quando se alcança esta visão, se potencializa o devir; consiste em se criar o que se falta; cada um cria sua própria língua, sua própria bandeira, seu hino, sua lei e sua sentença."
(Gilles Deleuze, em 'A Literatura e a Vida')
A esquizoanálise não tem como intuito instituir algo, mas se utiliza de inúmeros dispositivos que estimulam a experimentação para transformar modos de ser e relações, no sentido de se movimentar e se reinventar, explorando novas conexões e as possibilidades que surgem, fomentando práticas inovadoras e alternativas, com respeito às singularidades.

Esta perspectiva envolve um processo de análise dos modos de constituir as subjetividades de sujeitos e grupos nas suas relações com instituições e com o mundo, ampliando as explorações sociais e afetivas, problematizando as ações, desconstruindo os modelos de representação e ativando a potência revolucionária do desejo. A experimentação se faz no encontro do sujeito para criar, inventar e potencializar novos caminhos, no sentido do que faz seu corpo expandir, não contrair.

Para esta vertente, o sujeito está além de diagnósticos ou classificações, pois estes podem o impedir de usufruir suas potências, por cristalizarem identidades pouco maleáveis. Portanto, possibilita olhares e ações mais para a experimentação do que para a interpretação. A esquizoanálise fornece ferramentas que podem ser utilizadas por profissionais da saúde, pedagogos e psicólogos, estimulando relações para a construção de novos processos e devires.



Referências:
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia, vol. 1. Trad.: Aurélio Guerra Neto e Celia Pinto Costa. São Paulo: Ed. 34, 1995.
DELEUZE, Gilles. "A literatura e a vida". Em: Crítica e clínica. Tradução de Peter Pál Pelbart. São Paulo: Ed. 34, 1997.
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