Filosofia Medieval

Considera-se Filosofia Medieval o conjunto da produção filosófica na Europa de meados do século V até por o século XV, caracterizada pelo impacto da doutrina católica sobre a razão. Por uma série de conflitos e problemas internos e o ataque de povos ditos "bárbaros", o Império Romano se dissolveu, no século V d.C., possibilitando uma nova estruturação econômica e social na Europa.

A Igreja Católica se consolidou enquanto forte instituição social, difundindo a doutrina católica e incorporando elementos da cultura greco-romana. A influência religiosa foi se tornando cada vez mais presente, de modo que a Igreja passou a exercer importante papel político na sociedade medieval. A fé cristã marcou toda a produção filosófica deste período.

De início, a doutrina cristã integrou elementos de distintas correntes do pensamento grego, elaborada pelos padres da Igreja e expoentes eclesiásticos, com o intuito de explicar e justificar a fé. Apesar de se misturar com vertentes de filosofia, estas não poderiam contrariar as verdades reveladas por Deus nas escrituras sagradas.

O cristianismo é uma doutrina que se baseia na fé, na crença irrestrita e adesão incondicional às verdades reveladas por Deus a alguns de seus intermediários, relatadas nas Sagradas Escrituras da Bíblia, interpretadas a partir da autoridade da igreja. Deste modo, qualquer investigação filosófica ou científica não poderia contrariar as verdades estabelecidas pela fé.

Os filósofos deste período não precisavam mais se dedicar à busca da verdade, pois esta já teria sido revelada por Deus aos seres humanos. O papel da filosofia se tornou apenas o de demonstrar racionalmente as verdades da fé. A maior parte dos religiosos desprezavam a filosofia grega, entendendo como uma forma pagã de pensamento que direcionava para o pecado, a dúvida, o descaminho e a heresia.

Há quatro grandes momentos da produção filosófico-teológica na Idade Média:

  • Padres apostólicos (séculos I e II): início do cristianismo, quando os apóstolos e seus discípulos disseminaram a palavra de Cristo com relação a temas morais, destacando-se Paulo de Tarso;
  • Padres apologistas (séculos III e IV): padres e escritores eclesiásticos que faziam apologia, defesa e elogio do cristianismo contra a filosofia pagã, tais como Orígenes, Justino e Tertuliano;
  • Patrística (século IV ao século VIII): busca de uma conciliação entre a razão e a fé, com destaque para Agostinho e sua influência da filosofia platônica;
  • Escolástica (século IX ao XVI): período onde se buscou uma sistematização da filosofia cristã, a partir da interpretação da filosofia de Aristó­teles, em especial com Tomás de Aquino.

Patrística

A partir do século IV, os primeiros padres da igreja elaboraram textos sobre a revelação e a fé cristãs, inspirados na filosofia greco-romana, tentando embasar a fé por meio de argumentos racionais, buscando conciliaro cristianismo e o pensamento pagão.

Aureliano Agostinho (354-430) defendia a supremacia do espírito sobre o corpo. Para ele, a alma teria sido criada por Deus para reinar sobre o corpo, dirigindo para a prática do bem. O pecador é aquele que deixa o corpo assumir o governo da alma, caindo assim numa submissão à matéria, trocando o eterno pelo transitório e a essência pela aparência.

A liberdade, segundo Agostinho, é alcançada por meio da harmonia das ações humanas com a vontade de Deus, indo do mundo exterior (dos sentidos) para o mundo interior (do espírito, alma). Ser livre é servir a Deus, é fazer o que se deve. O pecado seria o contrário disso, seria uma forma de escravidão do corpo em sua vivência material.

Para Agostinho, a vontade não possuía razão, sendo apenas um impulso que nos inclina para as paixões pecaminosas. Aliberdade da vontade seria uma forma de pecado, pois não teria como diferenciar o que era bom do que era mau. O ser humano não pode ser autônomo e deliberar livremente sobre sua vida, pois estará sempre inclinado para o mal e o pecado, apenas a graça divina o poderia salvar.

Segundo ele, a fé nos faz crer em coisas que nem sempre entendemos pela razão, propondo que era preciso crer para compreender, pois a fé iluminaria os caminhos da razão, e a compreensão confirmaria nossas crenças. Entendia que a fé revela verdades de maneira indireta e intuitiva, e que depois dela viria a razão, para esclarecer aquilo que a fé havia antecipado, defendendo uma pre­cedência da fé sobre a razão.

Entre as influências de Agostinho estão o maniqueísmo, o ceticismo e o platonismo. Do maniqueísmo ele embasou sua concepção de uma moral dualista, na luta entre o bem e o mal, a luz e as trevas, a alma e o corpo. Para ele, o ser humano tem uma inclinação natural para o mal, para os vícios e o pecado, nascemos pecadores por conta do "pecado original", mas podemos superar essa deficiência. Se o mal era o afastamento de Deus, seria necessário uma intensa educação religiosa para se aproximar do bem.

Do ceticismo ele manteve a permanente desconfiança do conhecimento adquirido através das experiências sensoriais, que se apresentam transitórias. Do platonismo, assimilou a concepção de que a verdade, como conhecimento eterno, deveria ser buscada no "mundo das ideias". Por isso defendeu o caminho da interioridade como instrumento para a busca da verdade, onde somente o íntimo de nossa alma, iluminada por Deus, poderia alcançar a verdade.


Escolástica

No século VIII, Carlos Magno, rei dos Francos, coroado imperador do ocidente, organizou o ensino e fundou escolas ligadas às instituições católicas, adotando a educação romana como modelo inicialmente, com o trivium (gramática, retórica e dialética) e o quadrivium (geometria, aritmética, astronomia e música), todas submetidas à teologia.

A escolástica corresponde a produção teológico-filosófica desenvolvida nessas escolas, que não abandonou a filosofia platônica, especialmente o neoplatonismo. mas, a partir do século XIII, acaba a aderir ao aristotelismo, por conta da descoberta de muitas obras de Aristóteles, desconhecidas até então, e a tradução para o latim de algumas delas, diretamente do grego.

Este período se iniciou marcado pela confiança na harmonia entre fé e razão (séculos IX a XII), seguido pela elaboração de grandes sistemas filosóficos, entendendo a relação entre fé e razão poderia ser apenas parcialmente alcançada (século XIII e XIV), e o declínio da escolástica evidencando uma diferenciação entre a fé e a razão.

Boécio (480-524), é considerado o primeiro dos escolásticos, foi o primeiro a introduzir a questão dos universais, privilegiando o estudo da lingua­gem para depois passar ao exame das coisas, partindo da questão sobre a relação entre as palavras e as coisas, sobre a existência ou não das ideias gerais, enquanto termos universais, que correspondem às substâncias. Os adeptos do realismo sustentavam a tese de que os universais existem de fato, que as ideias universais possuem existência própria.

O filósofo francês Roscelin de Compiègne (1050-1120), defendia o nominalismo, sustentando a tese de que os termos universais, tais como beleza e bondade, não existem em si mesmos, pois são apenas palavras, sem existência real. Segundo ele, só existiria a individualidade, e não termos universais. Para os nominalistas, o que há são apenas os seres singulares, e o universal não passa de uma convenção.

Pedro Abelardo (1079-1142) acreditava ser necessário “entender para crer”, priorizando a razão crítica. Sua filosofia fortaleceu a ideia de uma razão autônoma em relação à teologia por volta do século XIII. Ele propõs a existência apenas de realidades singulares, sendo possível buscar semelhanças por meio da abstração, de modo a gerar os conceitos universais. Esses conceitos não seriam entidades metafísicas, mas categorias lógico-linguísticas que estabelecem a relação entre o mundo do pensamento e o mundo do ser.

Tomás de Aquino (1226-1274) é considerado um dos maiores filósofos da escolástica, sua tinha como objetivo em organizar um conjunto de argumentos para demonstrar e defender as revelações do cristianismo. Ele buscou no aristotelismo argumentos que explicassem os principais aspectos da fé cristã, enfatizando a importância da realidade sensorial, ressaltando os princípios da não contradição, da substância, da causa eficiente, da finalidade, e do ato e potência.

Ele operou uma distinção entre o ser (a existência) e a es­sência, implicando numa divisão da metafísica em duas partes: a do ser geral e a do ser pleno, que é Deus. Para um ser humano, existir é se tornar sua essência e quando ele deixa de existir, sua essência desaparece. O único ser realmente pleno, no qual o ser (ou existir) e a essência se identificam, é Deus. Deus é ato puro, sem necessidade de realizar ou atualizar, por ser completo. Deus existe como fundamento da realidade das outras essências, que participam de seu Ser. Nas outras criaturas, o ser é diferente da essência, pois não são seres necessários.

Diversos acontecimentos históricos na Europa entre os séculos XIII e XiV, como a Guerra dos Cem Anos (1337-1453), entre França e Inglaterra; a epidemia da Peste Negra (século XVI), que matou cerca de um terço da população europeia, entre outros fatores, diminuiram a influência da Igreja Católica sobre o Estado e a população.

A criação de novas universidades possibilitaram o desenvolvimento de estudos sobre as ciências naturais, separando a filosofia da teologia. Entre os filósofos mais significativos desse período estão os ingleses Roberto Grosseteste (1168-1243) e Roger Bacon (1214-1292), que iniciaram uma investigação experimental no campo das ciências naturais, abrindo caminho para a ciência moderna.

Guilherme de Ockham (1280-1349), proclamou uma distinção absoluta entre fé e a razão. Segundo ele, a filosofia não seria uma serva da teologia, e a teologia não poderia sequer ser considerada ciência, pois seria apenas um conjunto de proposições mantidas pela fé, sem coerência racional. Ockham combateu a metafísica tradicional e empenhou-se na construção do método da pesquisa científica moderna.


Por Bruno Carrasco.

Referências Bibliográficas:
ARANHA, Maria Lúcia; MARTINS, Maria Helena. Filosofando: Introdução à Filosofia. São Paulo: Moderna, 2009.
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2000.
COTRIM, Gilberto; FERNANDES, Mirna. Fundamentos da Filosofia. São Paulo: Saraiva, 2013.
JAPIASSÚ, MARCONDES. Dicionário Básico de Filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

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