A fenomenologia é uma filosofia que propõe um entendimento específico sobre o modo como ocorre o processo de conhecimento, a percepção e o sentido que atribuímos às coisas do mundo, diferenciando-se das duas tendências surgidas na Idade Moderna, o racionalismo e o empirismo.
O método fenomenológico contraria a concepção empirista, pois não entende que a sensação seja simplesmente uma resposta fisiológica a um estímulo, equivalente a este. Também contraria o racionalismo, que entende a percepção como uma atividade meramente racional do pensamento sobre as sensações.
Para a fenomenologia, não há uma separação ou diferença entre a sensação, a percepção e o conhecimento de mundo. Tanto a sensação quanto a percepção acontecem de imediato, de modo que sentimos e percebemos o que experimentamos e a estes sentimentos e percepções atribuímos sentidos e significações.
Um exemplo disso ocorre quando observamos formas "incompletas". Não as percebemos como elementos separados e sem sentido, mas como uma totalidade completa. Isso demonstra que nossa percepção depende de um objeto, mas que ela também estabelece um significado específico sobre este objeto.
Todo o processo de entender o mundo acontece por meio da percepção e da sensação, portanto entender o mundo é também sentir o mundo e atribuir significados ao mundo. Nossa percepção se altera conforme o objeto percebido, a situação e a circunstância, mas também se altera por conta de nosso direcionamento.
A percepção é a forma de conhecimento que se dá por meio dos sentidos e que parte de uma pessoa, de um corpo, que possui vivências e experiências específicas, onde essas vivências, experiências e condições específicas deste corpo influenciam no modo como o mundo é percebido.
Neste sentido, a percepção é uma experiência que agrega sentido ao que é percebido e este sentido se insere em nossa história de vida, transformando nosso modo de entender o mundo e o modo como entendemos nossas experiências. A forma e o sentido atribuído ao mundo são inseparáveis da pessoa que o percebe, pois dependem das condições e experiências desta pessoa.
A percepção acontece por meio da relação entre o sujeito e o mundo exterior, que possibilita a captação de um sentido ao que é percebido, onde este sentido depende do percebedor, de modo que uma coisa não existe separada da outra. Por isso o objeto é sempre objeto para uma consciência, e a consciência é sempre consciência de um objeto.
Tudo o que percebemos é sentido em seus aspectos qualitativos e significativos, de modo que captamos as coisas enquanto sujeito ativo, que atribui novos sentidos, significados e valores às coisas percebidas. As coisas percebidas dependem de nosso interior e do exterior, pois são resultantes da aproximação e da relação entre ambos.
Trata-se de uma relação complexa que envolve significações visuais, táteis, olfativas, gustativas, sonoras, motrizes, espaciais, temporais, linguísticas, inclusive toda a nossa história pessoal, nossas experiências, nossos desejos, e nosso modo de estar no mundo. Percebemos as coisas de maneira afetiva e valorativa.
Além disso, a percepção também envolve os valores das coisas estabelecidas de acordo com uma cultura da qual estamos inseridos e participamos, de modo que situações e objetos que para nossa sociedade são valorizados ou admirados, para outras sociedades podem ser totalmente desprezados.
Por fim, diferente do que se acreditava as tendências epistemológicas da Filosofia Moderna, a percepção não nos dispõe de uma ideia confusa ou equivocada sobre o mundo, mas a percepção oferece a significação que estabelecemos sobre o mundo, do modo como o captamos, percebemos e sentimos.
"A percepção se realiza num campo perceptivo e o percebido não está "deformado" por nada, pois ver não é fazer geometria nem física. Não há ilusões na percepção; perceber é diferente de pensar e não uma forma inferior e deformada do pensamento. A percepção não é causada pelos objetos sobre nós, nem é causada pelo nosso corpo sobre as coisas: é a relação entre elas e nós e nós e elas; uma relação possível porque elas são corpos e nós também somos corporais."
(Marilena Chauí, em 'Convite a Filosofia')
Por Bruno Carrasco, terapeuta, professor e pesquisador, graduado em Psicologia, licenciado em Filosofia e Pedagogia, pós-graduado em Ensino de Filosofia, Psicoterapia Fenomenológico Existencial e Aconselhamento Filosófico. Nos últimos anos se dedica a pesquisar sobre filosofia da diferença e psicologia crítica.
Referência:
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2002.