Michel Foucault foi um filósofo francês que rompeu com o modo tradicional de se fazer filosofia, tendo como referências autores como Marx, Nietzsche, Heidegger, Freud, Sartre e Merleau-Ponty. Sua filosofia não parte de uma busca da verdade, mas pretende fazer aparecer os elementos que estão implícitos nos saberes e analisar suas implicações nas relações de poder.
Nascido em Poitiers, em 1926, estudou na Escola Normal Superior de Paris, onde teve como professores Jean Hyppolite e Louis Althusser, entre outros. Se formou em filosofia e em psicologia, foi professor no famoso College de France por 14 anos, além de lecionar na Universidade da Califórnia, de Buffalo, de Uppsala, de Varsóvia e de Tunis. Ele faleceu no ano de 1984, em Paris.
Foucault constatou que o modo como entendemos as coisas e a nós mesmos é constituído por um conjunto de circunstâncias e condições históricas e geográficas, e essas circunstâncias se transformam com o passar do tempo, modificando também as pessoas e seus modos de ser. Partindo dessa constatação, buscou explorar e explicitar as relações entre os saberes e as formas de poder em nossa cultura e história.
Para isso, se aprofundou na história das ideias, dos conceitos e das práticas, e sobretudo com relação ao modo como estas refletem na construção da subjetividade. Seus estudos envolveram análises documentais históricas e de campo, relacionando a filosofia com a história, o direito, a medicina e a antropologia, utilizando dois métodos, prioritariamente: a arqueologia e a genealogia.
O método arqueológico trata-se de escavar as condições e os modos como os saberes foram se constituindo, buscando desvelar os elementos implícitos nos saberes e práticas. Por meio da arqueologia, Foucault constatou que os conceitos de “loucura”, “natureza humana” e “verdade” não foram sempre os mesmos, mas se transformaram segundo as condições e práticas de cada período histórico e local.
O método genealógico consiste numa análise da constituição dos conceitos, entendimentos e valores que envolvem os saberes, inclusive o modo pelo qual estes se relacionam com as formas de exercício de poder num determinado contexto. Esse método buscando entender como operam as forças de dominação em suas práticas reais e cotidianas, inclusive seus efeitos concretos entre os sujeitos, sobretudo seus corpos e afetos.
"Não se vive em um espaço neutro e branco; não se vive, não se morre, não se ama no retângulo de uma folha de papel. Vive-se, morre-se, ama-se em um espaço quadriculado, recortado, matizado, com zonas claras e sombras, diferenças de níveis, degraus de escada, vãos, relevos, regiões duras e outras quebradiças, penetráveis, porosas. Há regiões de passagem, ruas trens metrôs; há regiões abertas de parada transitória, cafés, cinemas, prais, hotéis, e há regiões fechadas de repouso e da moradia."
(Michel Foucault, em 'O corpo utópico, as heterotopias')
De acordo com Foucault, não estabelecemos relações neutras com as pessoas e os espaços, mas nossas relações são sempre implicadas de significados e valores, que se alteram com o tempo. Segundo ele, não há como transpor os entendimentos e as soluções de uma época para outra, pois suas aplicações e condições são distintas.
Além disso, os conceitos que conhecemos como "ser humano" ou "humanidade" nem sempre foram os mesmos. A ideia de "ser humano" tal como entendemos hoje é uma invenção recente, que data do final do século XVIII, não é algo natural, mas histórico. Tal como a distinção que estabelecemos entre loucura e sanidade, que não se refere a uma condição biológica, mas a uma construção social e cultural sobre o que entendemos por "loucura" ou "sanidade".
"Pois bem, sonho com uma ciência - digo mesmo ciência - que teria por objeto esses espaços diferentes, esses outros lugares, essas contestações míticas e reais do espaço em que vivemos. Essa ciência estudaria não as utopias, pois é preciso reservar esse nome para o que veradeiramente não tem lugar algum, mas as hetero-topias, espaços absolutamente outros; e, forçosamente, a ciência em questão se chamaria, se chamará, já se chama 'heterotopologia'."
(Michel Foucault, em 'Foucault por ele mesmo')
As pessoas não são resultantes de uma "natureza humana" ou de uma concepção "única" e "eterna", mas se constituem por uma série de elementos que se sobrepõem, se associam e se dissociam, estabelecendo relações de significação e valor, aproximação e distanciamento, desejo e repulsa, entre uma diversidade de afetos.
Entre suas principais obras estão História da loucura na Idade clássica (1961/1972), onde fez uma análise arqueológica do entendimento sobre a loucura; O nascimento da clínica (1963), uma arqueologia do saber médico, de sua formação e transformação; As palavras e as coisas (1966), uma arqueologia das ciências humanas, da concepção de natureza humana e de subjetividade; Arqueologia do saber (1969) que apresenta a arqueologia como método de análise do discurso; Vigiar e punir (1975), uma genealogia das formas de punição e do nascimento da prisão; e História da sexualidade (1976-2017), onde trata sobre o cuidado de si e as questões éticas envolvidas nas relações.
"Foucault é, portanto, um crítico da tradição moderna, na medida em que questiona seus pressupostos epistemológicos e problematiza a concepção de filosofia como tendo por tarefa a fundamentação do conhecimento, da ética e da política. Suas análises procuraram revelar relações até então inexploradas, por exemplo, entre saberes como a medicina, sobretudo a psiquiatria, práticas sociais como o encarceramento, e concepções de subjetividade e natureza humana que se constituem ao longo da tradição moderna."
(Danilo Marcondes, em 'Iniciação à história da filosofia')
Por Bruno Carrasco, terapeuta, professor e pesquisador, graduado em Psicologia, licenciado em Filosofia e Pedagogia, pós-graduado em Ensino de Filosofia, Psicoterapia Fenomenológico Existencial e Aconselhamento Filosófico. Nos últimos anos se dedica a pesquisar sobre filosofia da diferença e psicologia crítica.
Referências:
FOUCAULT por ele mesmo. Direção: Philippe Calderon, 2003.
MARCONDES, Danilo. Iniciação à História da Filosofia. 12 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
REZENDE, Antonio. Curso de Filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 2016.
VÁRIOS COLABORADORES. O Livro da Filosofia. São Paulo: Globo, 2011.