(Jovens em 1910, fonte: Hypeness) |
A adolescência é muitas vezes entendida como um período que possui características próprias e bem específicas, que envolvem a rebeldia, a contestação, a interiorização e o convívio em grupos. Porém, os modos de vivenciar e expressar a adolescência nem sempre foram os mesmos no decorrer do tempo.
Para compreender a adolescência e o adolescente em seus distintos modos de ser, de se portar e de se relacionar com os outros, é necessário olhar por uma perspectiva mais ampla, considerando não apenas suas transformações biológicas, mas também seu contexto histórico, social, econômico e cultural no qual ele está inserido. Veremos brevemente algumas das transformações históricas da adolescência.
Diferente da puberdade, que corresponde a uma maturação biológica ao qual todas as pessoas estão submetidas, a adolescência é um fenômeno que se altera conforme o momento histórico e o espaço onde se vivencia a adolescência, relacionando com a cultura, com os saberes, com a arte, com a arquitetura, com o direito, com a medicina, entre outros valores de um tempo e região.
O conceito de adolescência, como hoje entendemos, é muito recente. O modo como o adolescente hoje é visto e reconhecido é um fenômeno muito recente. Há poucas décadas, esse período era vivido de maneira apressada, para que o jovem logo se tornasse adulto e fizesse coisas de adulto, como trabalhar, se casar e ter filhos.
A palavra adolescência vem do latim adolescere, que significa crescer. Porém, este termo só passou a ser utilizado enquanto estágio do desenvolvimento humano em 1904, pelo psicólogo estadunidense Stanley Hall (1846-1924). Nos séculos XIX e XX, diversos acontecimentos sociais, culturais e políticos possibilitaram o estabelecimento da adolescência como período distinto do desenvolvimento humano.
Até o século XVIII, a adolescência era confundida com a infância. A puberdade não era tida como uma característica de entrada na adolescência. Nas escolas jesuítas, os garotos de 13 a 15 anos eram chamados de crianças ou adolescentes. A diferença entre a infância e a adolescência tinha mais relação com a dependência ou independência do indivíduo, do que com a puberdade.
Na Grécia Antiga, os jovens eram submetidos a um adestramento, cujo intuito era promover as virtudes cívicas e militares. Com 16 anos, eles podiam falar nas assembleias, e passavam a ser inscritos nos registros públicos da cidade aos 18 anos, marcando a maioridade civil.
Neste período, a puberdade era uma fase de preparação para os afazeres da vida adulta, tanto as crianças quanto os jovens praticavam ginástica para o desenvolvimento físico e moral. As moças faziam exercícios esportivos para se tornarem boas mães de família, casando-se entre os 15 ou 16 anos. Os moços eram preparados para atividades como a guerra ou a política, alguns deles se dedicavam à filosofia, em especial aqueles de famílias mais abastadas.
No início do Império Romano, a educação dos mais jovens ficavam a cargo dos pais, sendo esta de caráter bastante prático, com o intuito de formar um agricultor, cidadão ou guerreiro. Depois do século II a.C., as famílias mais abastadas passaram a hospedar em suas casas um mestre grego para educar seus filhos, já aqueles que não tinham a mesma possibilidade enviavam seus filhos para as escolas.
Aos 12 anos, os meninos romanos da elite deixavam o ensino elementar para estudar autores clássicos e a mitologia, visando adornar o espírito. Aos 14 anos, abandonavam as roupas infantis, alguns deles viajavam à Grécia para complementar seus estudos. Por volta dos 16 ou 17 anos, os jovens podiam escolher pela carreira pública ou entrar para o exército.
Na Idade Média, o indivíduo vivia em comunidades feudais, as quais se constituíam como um ambiente bastante familiar, onde todos se conheciam. Os papéis de gênero e de profissão eram transmitidos pela comunidade. As crianças e adolescentes eram considerados adultos em miniatura, necessitando apenas de crescer nos aspectos físicos e mentais.
Conforme a criança crescia, passava a aprender as tarefas e crenças dos adultos. Os jovens adquiriam um trabalho por meio das Corporações de Ofício, onde começavam como aprendizes e não recebiam salário, geralmente morando com o mestre. Quando terminavam o período de aprendizagem, passavam a receber um valor por seus trabalhos.
Conforme a criança crescia, passava a aprender as tarefas e crenças dos adultos. Os jovens adquiriam um trabalho por meio das Corporações de Ofício, onde começavam como aprendizes e não recebiam salário, geralmente morando com o mestre. Quando terminavam o período de aprendizagem, passavam a receber um valor por seus trabalhos.
Entre os nobres, os mais jovens passavam por um treinamento intenso, durante vários anos, para se tornarem cavaleiros. O casamento costumava acontecer entre 12 a 15 anos, sendo a noiva mais nova que o noivo. A partir do século XII, a Igreja Católica passou a exigir o consentimento mútuo dos noivos para a união, embora, na prática, os pais convenciam a filha para seu consentimento. Aos poucos os jovens começaram a ter uma maior decisão em relação à sua própria vida, porém ainda de modo muito precário.
Na Idade Moderna, foi estabelecido um novo papel para o Estado, o qual passou a interferir, com maior frequência, nas questões sociais, nas formas de agir da família, comunidade, grupos religiosos e educacionais. O colégio se transformou numa instituição para instrução e educação, de modo que as crianças e os adolescentes passaram a ser educados em lugares separados e fechados, sob a autoridade de adultos "especialistas", que atendiam pessoas dos 10 aos 25 anos, não havendo separação em classes determinadas por faixas etárias.
No século XIX, já haviam cidades muito populosas, onde grande parte das pessoas já não se conheciam. Trata-se de um período marcado pelo fortalecimento dos Estados Nacionais, pela redefinição dos papéis sociais de mulheres e crianças, pelo avanço acelerado da industrialização e da técnica e pela organização dos trabalhadores.
Foi neste momento que a imagem do adolescente, como hoje entendemos, começa a ser desenhada. Alguns marcos indicam o início e o fim dessa etapa. Iniciando para o menino entre a primeira comunhão e o bacharelado, e para a menina, entre primeira comunhão ao casamento. A adolescência passa a ser reconhecida como um "momento crítico" da existência humana, temida como uma fase de riscos em potencial para o próprio indivíduo e para a sociedade como um todo.
O século XX foi um período em que as guerras marcaram mudanças no papel da adolescência. Nos períodos que precederam a I e a II Guerra Mundial, a literatura enfatizava a indolência, indisciplina e preguiça dos adolescentes. As modificações ocorridas no interior das famílias trouxeram novas posições para seus membros, inclusive o adolescente. Alguns historiadores passam a questionar a universalidade da adolescência, passando a entendê-la como uma construção social.
Depois da Segunda Guerra Mundial, a juventude foi passando ser vista com maior importância. Hoje em dia, a juventude é visto como algo que deve ser preservado e prolongando o máximo possível. A juventude se transformou num mercado de consumo de inúmeros produtos e serviços, que são criados especialmente e exclusivamente para os adolescentes. Muitas vezes os meios de comunicação são usados para manipular os adolescentes.
Nos Estados Unidos, durante a década de 1950, surge um fenômeno denominado "juventude transviada" ou "rebelde sem causa", representando uma visão desordenada e rebelde do adolescente. Os anos 1960 inauguram um novo estilo de mobilização e contestação social, contribuindo para o entendimento da adolescência como uma nova forma de cultura.
Os jovens começaram a negar alguns padrões culturais vigentes da sociedade, transformando a juventude num grupo, com foco na contestação. A contracultura se apresenta como um fenômeno caracterizado esteticamente pelos cabelos compridos, roupas coloridas, misticismo, um tipo de música e drogas, significando uma nova maneira de pensar, viver, agir e se relacionar com o mundo e com as pessoas.
Os jovens começaram a negar alguns padrões culturais vigentes da sociedade, transformando a juventude num grupo, com foco na contestação. A contracultura se apresenta como um fenômeno caracterizado esteticamente pelos cabelos compridos, roupas coloridas, misticismo, um tipo de música e drogas, significando uma nova maneira de pensar, viver, agir e se relacionar com o mundo e com as pessoas.
Na virada para o século XXI surge a expressão “onda jovem” para denominar o grande número de indivíduos que estão nessa faixa etária, devido à explosão da taxa de natalidade que ocorreu no início da década de 1980. Esses jovens se depararam com um cenário econômico adverso, dificuldades para arrumar e se manter no emprego, incremento dos problemas sociais, especialmente os urbanos, modificações nos valores sociais, falta de perspectivas, diminuição da influência e controle tradicionalmente exercida pela família, igreja e comunidade.
A criança e o adolescente passam a ser considerados sujeitos de direito e em fase especial de desenvolvimento, afirmando a ideia de proteção integral do Estado. Com esse histórico da posição dos adolescentes e da adolescência na sociedade através dos séculos, pode-se considerar esse estágio uma invenção cultural que se desenvolve em apenas específicos grupos sociais. A concepção da adolescência, como hoje entendemos, parece estar relacionada à democratização da educação e ao surgimento de leis trabalhistas.
Por Bruno Carrasco, terapeuta, professor e pesquisador, graduado em Psicologia, licenciado em Filosofia e Pedagogia, pós-graduado em Ensino de Filosofia, Psicoterapia Fenomenológico Existencial e Aconselhamento Filosófico. Nos últimos anos se dedica a pesquisar sobre filosofia da diferença e psicologia crítica.
Referências:
BECKER, Daniel. O que é adolescência. São Paulo: Brasiliense, 1999.
BOCK, Ana Mercês Bahia. Psicologias: uma introdução ao estudo da psicologia. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
SCHOEN-FERREIRA, Teresa Helena; AZNAR-FARIAS, Maria and SILVARES, Edwiges Ferreira de Mattos. Adolescência através dos séculos. Psic.: Teor. e Pesq. 2010, vol.26, n.2, pp.227-234.