('A criança doente II', Edvard Munch, 1896) |
Psicopatologia é área que se dedica ao estudo do sofrimento emocional, servindo de base para a psiquiatria, a psicologia e para a atuação prática de psiquiatras e psicólogos clínicos. O termo "psicopatologia" resulta da soma de "psique", "pathos" e "logos", que poderia ser traduzido por "o conhecimento sobre o sofrimento, as paixões e os excessos da alma".
Na concepção tradicional, a psicopatologia procede uma análise descritiva e classificativa dos comportamentos e modos de ser de uma pessoa, que desviam de uma norma ou média estabelecida como padrão. Por meio desta atividade foram elaborados os manuais de classificações das doenças e transtornos mentais, que nomeiam e descrevem os "desvios" de conduta em termos específicos.
A classificação das doenças mentais costuma ser utilizada para diagnosticar uma situação clínica e operar por meio de procedimentos terapêuticos específicos, que são decididos a partir do diagnóstico classificatório inicial. Porém, este não é o único modelo de psicopatologia, há outras perspectivas que se diferenciam deste caráter classificativo, entre elas a fenomenologia.
"A hegemonia do modelo biomédico de ciência, a supremacia da psicopatologia não teórica explícita nos DSMs - Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais - somadas à sua adoção sistemática, fazem parecer existir, até mesmo para os psicólogos e psiquiatras mais comprometidos com o rigor técnico, uma só noção de psicopatologia, o que não se faz verdade."
(Karwowski, em 'Por um entendimento do que se chama psicopatologia fenomenológica')
A psicopatologia fenomenológica não parte de descrições e classificações prévias sobre os transtornos mentais ou emocionais, evitando a categorização e a delimitação prévia de sua intervenção terapêutica. A prática fenomenológica é descritiva, onde não se parte de uma classificação sobre uma pessoa, mas se busca aproximar da experiência da pessoa diante do sofrimento emocional que estiver atravessando.
Deste modo, a proposta fenomenológica se direciona para a experiência da pessoa em sofrimento, sem se utilizar de saberes ou classificações prévias, visando se aproximar do modo como acontece tal experiência de maneira particular - como a pessoa vivencia sua situação, revelando a singularidade de suas vivências ao invés da generalidade, buscando tomar contato com a experiência da pessoa.
A fenomenologia se dedica a compreender o fenômeno do sofrimento emocional que se manifesta por si mesmo, buscando captar suas singularidades e particularidades. Seu método propõe colocar entre parênteses os pressupostos teóricos e as classificações prévias, com o intuito de se aproximar do fenômeno que se mostra, que consiste na experiência da pessoa em sofrimento.
Portanto, sua prática não visa enquadrar um modo de ser específico numa categoria de sofrimento emocional, mas reconhecer a experiência da pessoa, se aproximando de seu modo de experimentar, sem rotular ou se utilizar de classificações. A "patologia", neste sentido, pode ser compreendida como um modo de ser específico da pessoa, de se inserir no mundo e nas relações com os outros e consigo mesma.
"É sentir como o cliente, é ver como o cliente, é entrar em seu mundo para perceber da mesma forma como ele percebe, mas sair sem se misturar as suas sensações e percepções. Reduzir ao fenômeno é fazer com que o cliente entre em contato com a sua experiência, do como ele está se sentindo. É um processo de conscientização. É a partir dessa descrição que se chega ao fenômeno."
(Araújo, em 'O diagnóstico na abordagem fenomenológica-existencial')
Em sua prática, busca-se tomar contato com a descrição da vivência daquele que está sofrendo, se aproximando da realidade existencial da pessoa em sofrimento, visando a compreensão da pessoa em seu modo de ser, e os sentidos que estabelece para suas experiências, entendendo esta como co-autora de sua existência, possibilitando o contato e o enfrentamento de suas dificuldades existenciais.
Assim, se direciona para o modo como a pessoa se sente numa determinada situação, reconhecendo sua experiência e afetos, tal como são experienciados e expressos pela pessoa, se aproximando inclusive dos significados que essa pessoa atribui aos seus sentimentos, buscando constatar as forças e as fraquezas de sua experiência diante de um sofrimento emocional.
Podemos pensar numa criança fazendo birra, que numa perspectiva positivista seria avaliada segundo um padrão de normalidade, e percebendo seu comportamento fora do esperado o terapeuta atuaria descondicionando os hábitos da birra e substituindo por comportamentos "adequados". Numa perspectiva fenomenológica, o terapeuta buscaria compreender a birra no contexto de sua vida, relações e emoções, tomando contato com a singularidade da criança, de modo a encontrar outras maneiras de lidar com a birra, considerando suas peculiaridades e interesses.
Nesta perspectiva, os conceitos de "normalidade" e "saúde emocional" são colocados em questão e problematizados na relação terapêutica, pois não se parte de conceitos estanques ou previamente estabelecidos. Entende-se que a saúde emocional está muito mais relacionada com a tomada de contato com suas singularidades e exercício da autonomia existencial para superar seus conflitos.
Por Bruno Carrasco.
Referências:
ARANHA, Maria Lúcia; MARTINS, Maria Helena. Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 2009.
ARAÚJO, Adriana Maria Leite. O diagnóstico na abordagem fenomenológica-existencial. Revista IGT na Rede, v. 7, n. 13, p. 315-323. 2010.
KARWOWSKI, Silverio Lucio. Por um entendimento do que se chama psicopatologia fenomenológica. Rev. abordagem gestalt., Goiânia, v. 21, n. 1, p. 62-73, jun. 2015.