O que é Filosofia Clínica?

(Estátuas de Sócrates e Platão, Atenas, Grécia)
A filosofia clínica é uma proposta terapêutica elaborada e estruturada com base em conhecimentos e metodologias da filosofia, podendo ser utilizada para questões cotidianas e para entender nossos modos de vida. Trata-se de uma clínica comprometida com as vivências e a singularidade, propondo o exercício da autonomia existencial.

Essa teoria e método clínico foi elaborada pelo brasileiro Lúcio Packter, filósofo clínico, na década de 1990. Segundo ele, a filosofia clínica é o uso da filosofia por meio de um método e fundamentação específicos para a terapia de uma pessoa. Seu trabalho é direcionado a qualquer pessoa que queira experimentar a filosofia em suas questões existenciais.
"A filosofia clínica surge como uma retomada do papel originário da filosofia: refletir sobre as questões cotidianas, usar nossas capacidades de compreensão para encontrar as melhores formas para lidar com nossos problemas."
(Monica Aiub, em 'Como ler filosofia clínica')
O procedimento clínico acontece por meio de algumas fases que envolvem análises de elementos e características específicas de uma pessoa. A primeira fase corresponde à colheita da historicidade da pessoa atendida, chamada de partilhante, pois trata-se daquele que se dispõe a partilhar sua vida e sua história ao filósofo clínico.

Com base na historicidade, o filósofo clínico procede aos exames categoriais, buscando localizar existencialmente o partilhante, compreendendo seus hábitos, seus modos de se expressar, sua relação com a história e circunstâncias sociais de seu entorno, seus valores e crenças, entre outros aspectos. O filósofo clínico faz um estudo da história da pessoa, partindo da percepção da própria pessoa sobre si.

Os exames categoriais possibilitam a localização e contextualização das informações que a pessoa fornece para compreender seus modos de ser, por meio de cinco categorias: o assunto, a circunstância (contexto), o lugar, o modo como foi experimentado temporalmente e as relações significantes da pessoa. Seu método parte do discurso da pessoa, que é entendido como verdadeiro e significativo para esta pessoa.
"Através dos exames categoriais o filósofo saberá o idioma da pessoa, seus hábitos, sua época, a política e os dados sociais da localidade onde viveu, a geografia, o contexto religioso, histórico, entre outros aspectos que podem ter importância."
(Lúcio Packter, em 'Filosofia clínica: propedêutica')
Depois da coleta da historicidade da pessoa, o filósofo clínico inicia o estudo da estrutura de pensamento da pessoa, que consiste ao modo como a pessoa está existencialmente, como se relacionam seus sentimentos, entendimentos seus valores éticos, religiosos, sua forma de conhecer e aprender, entre outros elementos, inclusive o modo como estes se relacionam entre si.

Por meio deste estudo, é possível compreender os modos como esta percebe, entende e valora sua vida, o mundo e a si mesma. O filósofo clínico inicia seu trabalho por meio do conhecimento da autobiografia da pessoa, contada por ela mesma, em seus modos de contar, podendo ser inclusive por meio da expressão artística. São esses elementos que fornecem o entendimento sobre a pessoa e sobre como lidar com suas questões.
"O filósofo clínico busca sentir a pessoa, o modo como toca, como olha, fala, como se movimenta, como se relaciona com o meio onde vive; o filósofo busca conhecer como esta pessoa está estruturada, quais os pré-juízos, emoções, paixões dominantes, papéis existenciais, entre outros dados, e como eles se relacionam entre eles mesmos e com o ambiente."
(Lúcio Packter, em 'Filosofia clínica: propedêutica')
A filosofia clínica não utiliza enquadramentos tipológicos prévios, não trabalhando com normativas do que seja "certo" ou "errado"; "normal" ou "patológico". Todo o método terapêutico é estruturado a partir do conteúdo da pessoa do partilhante, de seu relato e seus modos de viver, e não do terapeuta, que não atua com ideias de saúde ou doença preconcebidas, mas busca compreender o outro sem condicionamentos prévios.

O procedimento terapêutico é realizado com base nos modos de ser, de sentir e de expressar do partilhante. Depois de localizar a pessoa existencialmente, é elaborada sua estrutura de pensamento e seus submodos associados. Partindo dessas informações a prática clínica é estruturada. O atendimento pode acontecer em consultório, num jardim, num restaurante ou em escolas, mas só pode ser realizado por um filósofo graduado, especializado em filosofia clínica e licenciado para tal atividade.
"(...) a priori não podemos classificar a pessoa em tipologia e-ou usar teorias pre-definidas, tentando enquadra-la em uma delas. Ao contrário, devemos adequar a teoria à pessoa, ajustando procedimentos clínicos à maneira como a pessoa age normalmente."
(Lúcio Packter, em 'Filosofia clínica: propedêutica')
Entre os embasamentos da filosofia clínica estão o logicismo formal, a analítica da linguagem, a historicidade e fenomenologia, e a epistemologia. Alguns dos filósofos mais citados por Lúcio Packter em seu livro 'Filosofia clínica: propedêutica', foram: Protágoras, Platão, Aristóteles, John Locke, George Berkeley, David Hume, Immanuel Kant, Arthur Schopenhauer e Friedrich Nietzsche.



Referências:
AIUB, Monica. Como ler a Filosofia Clínica: prática da autonomia do pensamento. São Paulo: Paulus. 2010.
PACKTER, Lúcio. Filosofia Clínica: propedêutica. Florianópolis: Garapuvu, 2001.
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