A fenomenologia é um método e uma atitude que surgiu entre o final do século XIX e o início do século XX, com o filósofo e matemático alemão Edmund Husserl (1859-1938), que criticou a tendência positivista nas ciências humanas de sua época, contrariando o historicismo e o psicologismo.
A fenomenologia propõe resolver a contradição presente nas epistemologias do século XVII, o racionalismo e o empirismo, que propunham a separação entre mente e corpo, entre sujeito e objeto. Segundo Husserl a fenomenologia era um meio de se aproximar do fluxo da consciência que visa constantemente um objeto fora de si.
O conceito de fenômeno, tal como é utilizado na fenomenologia, vem do grego "phainestai", que significa "aquilo que aparece", ou "o que se mostra". Portanto, a fenomenologia, enquanto ciência dos fenômenos, busca compreender os objetos do conhecimento ou as experiências tal como aparecem, do modo como se apresentam à consciência.
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Criticando a tendência metafísica da filosofia tradicional, a fenomenologia não busca a explicação ou a abstração, mas visa à descrição da realidade, partindo de sua reflexão o próprio ser humano. Seu esforço está em buscar compreender o que acontece na experiência, descrevendo a experiência partindo da percepção e da sensação daquele que vivencia uma situação concreta.
O princípio da fenomenologia está no conceito de intencionalidade, que significa justamente "visar alguma coisa" ou "direcionar-se a algo". Este conceito não se refere a uma finalidade, mas a direção. A consciência não é uma substância, mas um vazio, que está sempre se direcionando a algo. Deste modo, toda consciência é intencional, pois sempre tende a algo que está fora de si, é sempre consciência de algo.
"Toda consciência é consciência de alguma coisa; a consciência se caracteriza exatamente pela intencionalidade, pela visada intencional que a dirige sempre a um objeto determinado."
(Danilo Marcondes, em 'Iniciação à História da Filosofia')
Por ser consciência de alguma coisa, está sempre direcionada ao mundo, em relação ao que está fora. Este entendimento sobre a consciência contraria a tendência cartesiana dos racionalistas, que acreditavam numa "consciência pura", separada do mundo, e contra os empiristas que defendiam a existência do objeto em si.
Na fenomenologia, não se separa sujeito de objeto, pois toda consciência se direciona para algo, assim como todo objeto é objeto para uma consciência. Deste modo, a experiência se dá justamente na relação entre sujeito-objeto, entre ser-mundo, enquanto elementos inseparáveis. O objeto é sempre objeto para um sujeito que lhe dá significado.
"Por meio do conceito de intencionalidade, a fenomenologia contrapõe-se à filosofia positivista do século XIX, presa demais à visão objetiva do mundo e que se baseia na crença de um conhecimento científico cada vez mais neutro e despojado de subjetividade. Por isso propõe a "humanização'' da ciência, a partir de uma nova relação entre sujeito e objeto, ser humano e mundo, considerados polos inseparáveis."
(Aranha & Martins, em 'Filosofando', 2009)
Portanto, não há um objeto ou uma realidade em si, independente de um sujeito que a signifique, do mesmo modo que não há um "ser puro" escondido por detrás das aparências. Como todo objeto é objeto para uma consciência, há inúmeras possibilidades de visar um objeto, de modo que a consciência vai desvelando progressivamente por meio de perspectivas variadas.
A consciência é doadora de sentido e fonte de significado, e conhecer é um processo que não acaba nunca, que sempre pode visar o mundo de diferentes perspectivas, pois nunca apreendemos um objeto em sua totalidade. Além disso, nossas perspectivas não se reduzem a nível intelectual, mas também se envolvem afetivamente.
Sempre visamos algo numa experiência percebida e sentida, que não é meramente racional, pois nossas experiências são também emotivas, de modo que amamos ou tememos, nos interessamos ou nos desinteressamos. O método fenomenológico propõe a reaproximação dessa experiência, do modo como ela acontece, por isso mesmo a fenomenologia pode ser entendida como uma filosofia da vivência.
"A consciência é sempre intencional, está constantemente voltada para um objeto, enquanto este é sempre objeto para uma consciência; há entre ambos uma correlação essencial, que só se dá na intuição originária da vivência. A intencionalidade é, essencialmente, o ato de atribuir um sentido; ela é que unifica a consciência e o objeto, o sujeito e o mundo. Com a intencionalidade há o reconhecimento de que o mundo não é pura exterioridade e o sujeito não é pura interioridade, mas a saída de si para um mundo que tem uma significação para ele."
(Yolanda Forghieri, em 'Psicologia Fenomenológica')
Husserl, fundador da fenomenolgia, exerceu influências sobre importantes filósofos posteriores, entre eles Martin Heidegger, Jean-Paul Sartre e Maurice Merleau-Ponty. Alguns de seus trabalhos mais destacados foram 'A filosofia como ciência rigorosa' (1911), 'Ideias para uma fenomenologia pura e uma filosofia fenomenológica' (1913) e 'Meditações cartesianas' (1931).
Por Bruno Carrasco, terapeuta, professor e pesquisador, graduado em Psicologia, licenciado em Filosofia e Pedagogia, pós-graduado em Ensino de Filosofia, Psicoterapia Fenomenológico Existencial e Aconselhamento Filosófico. Nos últimos anos se dedica a pesquisar sobre filosofia da diferença e psicologia crítica.
Referências:
ARANHA, Maria Lúcia; MARTINS, Maria Helena. Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 2009.
FORGHIERI, Yolanda. Psicologia Fenomenológica: fundamentos, método e pesquisas. São Paulo: Cengage Learning, 2019.
MARCONDES, Danilo. Iniciação à História da Filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. 12 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
MARCONDES, Danilo. Iniciação à História da Filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. 12 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.