Partindo de um questionamento sobre a ciência positivista e a filosofia idealista, criticando o uso do método das ciências naturais na psicologia e nas ciências humanas, a fenomenologia aparece como um contraponto e uma nova perspectiva de fazer ciência entre o final do século XIX e início do século XX.
A fenomenologia propõe olhar para o fenômeno do modo como este se apresenta por si mesmo, libertado de seus encobrimentos, teorizações e interpretações sobre ele. Seu método visa descrever os fenômenos do modo como são percebidos e experienciados.
Trata-se de uma busca para compreender as experiências do modo como são captadas, sem a pretensão de elaborar explicações teóricas, metafísicas ou descrever de maneira objetiva, mas se aproximando do modo como sentimos e apreendemos o mundo, as relações e a nós mesmos. Para Cerbone (2012), a fenomenologia "está precisamente ocupada com os modos pelos quais as coisas aparecem ou se manifestam para nós, com a forma e estrutura da manifestação".
"A fenomenologia tem por objeto as coisas que se manifestam ou se mostram, tais como se manifestam os fenômenos; neste sentido, as coisas constituem aquilo que é rigorosamente dado, aquilo que eu encontro e que é, para mim, originalmente presente. (...) É a filosofia do inacabamento, do devir, do movimento constante, onde o vivido aparece e é sempre ponto de partida para se chegar a algo."
(Lima, em 'Ensaios sobre fenomenologia')
O método fenomenológico é um esforço para ir de encontro com as experiências, sem estar permeado pelas especulações teóricas ou pressuposições sobre elas. Por conta disso, não parte da generalização teórica nem da abstração, mas busca reconhecer e valorizar o modo como elas acontecem, partindo de sua manifestação singular.
Esta atitude é utilizada em distintas abordagens de psicologia que possuem como foco a subjetividade e as emoções, como a Psicoterapia Existencial, a Abordagem Centrada na Pessoa, a Gestalt-Terapia, entre outras. Ao contrário das abordagens objetivas e interpretativas, busca-se aproximar da pessoa atendida, do modo como as coisas são experimentadas para ela.
"Trata-se, na verdade, de um 'retorno', um caminho de volta, em que o 'fim' nada mais é do que o começo: 'de volta às coisas mesmas', para citar a tão famosa expressão husserliana. A fenomenologia é, portanto, o caminho de volta às coisas mesmas, ao mundo da experiência vivida ou Lebenswelt (mundo-da-vida)."
(Struchiner, em 'Fenomenologia: de volta ao mundo-da-vida')
A fenomenologia constata que quando olhamos para um objeto qualquer, como uma pintura, o que vemos não são as moléculas e ondas de luz que atingem a nossa retina, mas estabelecemos uma consciência intencional com este objeto, de modo que nos abrimos para a percepção deste e o capturamos enquanto belo ou feio, interessante ou desinteressante, alegre ou triste, entre tantas outras experiências emergem dessa relação.
Esta percepção é intencional, pois resulta da relação entre a nossa consciência, do modo como se direciona para um objeto, e o objeto, do modo como se apresenta a consciência. Porém, nunca captamos um objeto em sua totalidade, o observamos partindo de um ângulo, de modo que há sempre muitos ângulos e variações que podem alterar a nossa percepção das coisas e do mundo.
A experiência que tenho com algo é apenas uma aparição deste algo. O interesse da fenomenologia não é sobre a consciência ou sobre o objeto, mas sobre a correlação entre ambos, que surge da relação entre consciência e objeto.
"(...) os filósofos tradicionais costumavam começar por teorias ou axiomas abstratos, mas os fenomenólogos alemães iam direto à vida como a viviam a cada momento."
(Sarah Bakewell, em 'No café existencialista')
Para proceder o método fenomenológico, é preciso operar a redução, ou a 'epoché', termo grego que significa abstenção ou suspensão do juízo, onde colocamos nossas suposições, hipóteses ou imaginações entre parênteses para nos abrir às experiências do modo como elas acontecem. Isso não significa eliminar as pressuposições, mas deixá-las de lado, para se dispor ao que se apresenta.
A redução fenomenológica consiste em focar a atenção não nas coisas, mas na experiência que estabelecemos com as coisas, se aproximando dos fenômenos tal como se apresentam à consciência, despindo eles de abstrações, ideias feitas, teorias e hábitos. Neste sentido, o fenômeno é tudo aquilo que se apresenta à consciência, seja um objeto, uma situação, uma imagem ou uma lembrança, seja real ou imaginada.
"O que é, então, uma xícara de café? (...) essa xícara de café é um aroma rico, ao mesmo tempo agreste e perfumado; é o movimento indolente de uma voluta de vapor erguendo-se de sua superfície. Quando o levo à boca, é um líquido que se move placidamente e um peso dentro da xícara de bordas grossas em minha mão. É um calor que se aproxima, então um intenso sabor carregado em minha língua, começando com um impacto levemente austero e então se distendendo num calor reconfortante, que se espalha da xícara para meu corpo, trazendo a promessa de um estado duradouro de alerta e revigoramento. A promessa, as sensações antecipadas, o cheiro, a cor e o sabor fazem, todos eles, parte do café como fenômeno. Todos emergem ao serem experimentados."
(Sarah Bakewell, em 'No café existencialista')
A fenomenologia nos possibilita tratar de qualquer objeto enquanto experiência subjetiva, do modo como é sentido e captado por uma consciência, voltando-se, portanto, para as vivências de uma pessoa. De acordo com Dartigues (2008), os fenômenos ocorrem para nós enquanto experiências que se dão por meio dos sentidos, as vivências sempre estão dotadas de sentido, e o sentido do fenômeno pode ser percebido por meio da análise intencional.
Por meio da análise intencional, podemos retornar às "coisas mesmas", ao estágio pré-reflexivo, às nossas percepções e afetos experimentados antes das elaborações e teorizações sobre eles. É este estágio anterior e originário que interessa à fenomenologia, possibilitando restabelecer os sentidos da pessoa, retomando a si mesma em meio a confusão de suposições ideais e racionais sobre si.
Essa análise parte das coisas tal como são percebidas enquanto vivências para a pessoa que as experimenta. Os objetos percebidos nunca são "objetos em si", com valores em si próprios, independente dos indivíduos que os percebem, mas são sempre "objetos para uma consciência", enquanto objeto-percebido, objeto-pensado, objeto-rememorado, objeto-imaginado, entre tantas outras possibilidades.
A consciência e objeto não são duas instâncias separadas, mas estão em constante relação, e essa relação estabelece o que entendemos por "real", sendo uma possibilidade captada por meio da correlação entre a consciência e o objeto. A análise fenomenológica busca a compreensão dessa correlação, que constitui o "real", e que se apresenta de diferentes maneiras em cada sujeito e circunstância.
"A tarefa efetiva da fenomenologia será, pois, analisar as vivências intencionais da consciência para perceber como aí se produz o sentido dos fenômenos, o sentido desse fenômeno global que se chama mundo."
(André Dartigues, em 'O que é fenomenologia')
Por Bruno Carrasco, terapeuta, professor e pesquisador, graduado em Psicologia, licenciado em Filosofia e Pedagogia, pós-graduado em Ensino de Filosofia, Psicoterapia Fenomenológico Existencial e Aconselhamento Filosófico. Nos últimos anos se dedica a pesquisar sobre filosofia da diferença e psicologia crítica.