Liberdade e angústia existencial

A existência é um privilégio do ser humano, não é tida como algo pronto ou previamente determinado, tal como acreditavam os filósofos essencialistas, mas enquanto um constante tornar-se, em permanente transformação. Por conta disso, a existência humana implica na liberdade, pois para existir precisamos, necessariamente, fazer escolhas. É por meio da relação que estabelecemos com os lugares, com os objetos e com as pessoas, juntamente com as escolhas que fazemos, que constituímos nossos modos de existir.

"(...) eu sou bonito ou feio, filho de proletário ou de ilustre ascendência, chove ou faz calor… diante destes fatos sou impotente. Mas sou senhor de minha atitude à respeito destas maneiras de ser, independentes de mim: posso orgulhar-me ou envergonhar-me delas, aceitá-las ou insurgir-me contra elas. Eu não as escolho, mas escolho a forma como as considero, ou, no dizer dos existencialistas, eu as assumo."
(Paul Foulquié, em 'Existencialismo')

A liberdade de fazer escolhas, segundo o entendimento existencialista, não consiste em vivenciar momentos do modo como desejamos ou esperamos, mas escolher o que fazer diante das distintas situações, circunstâncias e adversidades que atravessamos.

Segundo o existencialismo, todos somos livres para fazer escolhas e direcionar a nossa existência, de acordo com nossas condições e possibilidades. Porém, não temos nenhuma garantia sobre o que pode acontecer por conta de um caminho que escolhemos seguir, de modo que toda escolha é um risco, e isso nos gera uma sensação de angústia.

Por não termos uma essência que nos defina e que nos constitua, somos nós os únicos responsáveis pelas escolhas que fazemos, e isso nos torna responsáveis por nossa existência, pela pessoa que vamos nos tornar, a cada escolha que fazemos, a cada momento que escolhemos, estamos também escolhendo a nós mesmos, a pessoa que seremos.

"Mas se realmente a existência precede a essência o homem é responsável pelo que é. Assim, a primeira decorrência do existencialismo é colocar todo homem em posse daquilo que ele é, e fazer repousar sobre ele a responsabilidade total por sua existência."
(Jean-Paul Sartre, em 'O existencialismo é um humanismo')

Toda pessoa pode, em certo sentido, e de acordo com suas possibilidades e condições externas, escolher o que fazer de si mesma, a todo momento de sua existência. O que não é possível, segundo Sartre (2014), é não escolher. É neste sentido que ele declara que “o homem está condenado a ser livre” (Sartre, 2014), ou seja, a liberdade não é uma opção, mas uma condição da existência humana. Enquanto condição implica em estarmos sempre escolhendo o que vamos fazer de nossa existência.

Como não há uma essência prévia que determine nossa existência e nossos modos de viver, não há também um sentido previamente estabelecido sobre como viver a vida. Essa constatação pode parecer por demais angustiante, mas é também libertadora. Segundo o existencialismo, o sentido da vida pode ser acolhido, abraçado ou criado. 

"Sem a orientação de regras universais de moralidade, da natureza humana ou de um Deus cognoscível, que emitiu certos mandamentos indiscutíveis (e várias teologias podem acordar com isso), devemos dotar o mundo de significado e somente nós podemos fazer isso. Devemos realizar este ato de fé: criar o significado em que buscamos viver."
(Jack Reynolds, em 'Existencialismo')

A escolha que cada um faz sobre sua existência é acompanhada, segundo Kierkegaard, pelo temor e por uma falta de tranquilidade, pois apesar de todas as nossas avaliações e deduções racionais sobre o que iremos escolher, nunca teremos certeza de que uma de nossas escolhas será tal como desejamos ou esperamos, ou mesmo que será melhor do que a outra que não escolhemos. Neste sentido, toda escolha que fizermos será sempre um risco, e cada escolha implica na negação de outras possibilidades de escolha.


Por Bruno Carrasco, terapeuta, professor e pesquisador, graduado em Psicologia, licenciado em Filosofia e Pedagogia, pós-graduado em Ensino de Filosofia, Psicoterapia Fenomenológico Existencial e Aconselhamento Filosófico. Nos últimos anos se dedica a pesquisar sobre filosofia da diferença e psicologia crítica.

Referências:
FOULQUIÉ, Paul. O Existencialismo. Tradução: J. Guinsburg. 3ª ed. São Paulo: DIFEL, 1975.
REYNOLDS, Jack. Existencialismo. Tradução: Caesar Souza. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 2014.
SARTRE, Jean-Paul. O Existencialismo é um Humanismo. Tradução: João Kreuch. 4ª ed. Petrópolis: Vozes, 2014.
Postagem Anterior Próxima Postagem