A Náusea - Jean-Paul Sartre

O livro 'A Náusea' foi escrito em 1938 pelo filósofo francês Jean-Paul Sartre, onde apresenta alguns dos principais temas do existencialismo em forma de romance. É considerado por muitos especialista como o melhor livro de Sartre.

Em sua obra, o autor apresenta as angústias do homem moderno diante de um mundo desprovido de sentido e a sensação do vazio coditdiano, quando confrontado com suas experiências, memórias, e acontecimentos ao seu redor.

Sartre inicia a obra apresentando os cadernos e papéis encontrados com anotações de Antoine Roquentin, o personagem principal, contextualizando e dando um ar de conteúdo original, ao invés de uma ficção, sobre a vida do personagem.

Depois de viajar pela Europa central, África do Norte e Extremo Oriente, Roquentin se manteve por três anos em Bouville, na França, para concluir suas pesquisas sobre o marquês de Rollebon. Suas pesquisas sobre a vida do marquês o fazem questionar sobre sua própria vida, a cidade, e as outras pessoas.

Em suas anotações, Roquentin é confrontado com a ausência de sentido da vida, tendo de lidar com todos os desdobramentos que essa experiência o suscita. Suas reflexões apresentadas em forma de diário tratam sobre a existência, as possibilidades de escolha, a gratuidade da vida, a contingência e a náusea de existir - seu estado de perturbação diante de todas essas constatações.

Alguns trechos do livro:

O melhor seria anotar os acontecimentos dia a dia. Manter um diário para que possam ser percebidos com clareza. Não deixar escapar as nuanças, os pequenos fatos, ainda quando pareçam insignificantes, e sobretudo classificá-los. É preciso que diga como vejo esta mesa, a rua, as pessoas, meu pacote de fumo, já que foi isso que mudou. É preciso determinar exatamente a extensão e a natureza desta mudança.

Em minhas mãos, por exemplo, há algo de novo, uma determinada maneira de segurar meu cachimbo ou meu garfo. Ou então é o garfo que tem agora uma determinada maneira de ser segurado, não sei.

Mas enfim tenho que reconhecer que sou sujeito a essas transformações súbitas. O que acontece é que penso muito raramente; então, uma infinidade de pequenas metamorfoses se acumulam em mim, sem que eu me dê conta, e aí, um belo dia, ocorre uma verdadeira revolução. Foi isso que deu à minha vida esse aspecto vacilante, incoerente.

Talvez seja impossível compreender o próprio rosto. Ou talvez seja porque sou um homem sozinho? As pessoas que vivem em sociedade aprenderam a se ver nos espelhos tal como aparecem a seus amigos. Não tenho amigos: será por isso que minha carne é tão nua? Dir-se-ia - sim, dir-se-ia a natureza sem os homens.

Eu fui acometido pela Náusea, me deixei cair no banco, já nem sabia onde estava; via as cores girando lentamente em torno de mim, sentia vontade de vomitar. E é isso: a partir daí a Náusea não me deixou, se apossou de mim.

A Náusea não está em mim: sinto-a ali na parede, nos suspensórios, por todo lado ao redor de mim. Ela forma um todo com o café: sou eu que estou nela.

Vejo o futuro. Está ali, pousado na rua, um nadinha mais pálido do que o presente. Que necessidade tem de se realizar? Que vantagem trará isso?

Mas já não vejo nada mais: por mais que vasculhe meu passado, só extraio dele fragmentos de imagens e não sei muito bem o que representam, nem se são recordações ou ficções.

Aliás, muitas vezes, esses próprios fragmentos desaparecem: só restam palavras; poderia ainda contar as histórias, contá-las muito bem (em matéria de anedota, ninguém me ganha, a não ser os oficiais da marinha e os profissionais), mas já não passam de carcaças. Referem-se a um sujeito que faz isso ou aquilo, mas não sou eu, eu não tenho nada em comum com ele.

Construo minhas lembranças com meu presente, sou repelido para o presente, abandonado nele. Tento em vão ir ter com o passado: não posso fugir de mim mesmo.

Se alguma vez fizesse uma viagem, acho que, antes de partir, gostaria de anotar os menores traços de meu caráter para poder comparar, ao regressar, o que era antes com aquilo em que me transformei. Li que há viajantes que mudaram tanto física e moralmente, que ao retornarem seus parentes mais próximos não os reconheciam.

Alguma coisa começa para terminar: a aventura não se deixa prolongar; só tem sentido através de sua morte. Para essa morte, que será talvez também a minha, sou arrastado inexoravelmente. Cada instante só surge para trazer os que se lhe seguem. Apego-me a cada instante com todo o meu coração: sei que é único; insubstituível - e no entanto não faria um gesto para impedi-lo de se aniquilar.

Mas é preciso escolher: viver ou narrar.

Nada mudou e no entanto tudo existe de uma outra maneira. Não consigo descrever; é como a Náusea e no entanto é exatamente o contrário: finalmente me acontece uma aventura e, quando me interrogo, vejo que me acontece que sou eu que estou aqui; sou eu que fendo a noite, estou feliz como um herói de romance.

Diante da galeria Gillet já não sei o que fazer. Estarão à minha espera no fundo da galeria? Mas há também, na praça Ducoton, no fim da rua Tournebride, certa coisa que necessita de mim para nascer. Estou cheio de angústia: o menor gesto me compromete. Não posso adivinhar o que querem de mim. No entanto é preciso escolher: sacrifico a galeria Gillet, ignorarei para sempre o que ela me reservava.

Referência:
SARTRE, Jean-Paul. A Náusea. Tradução: Rita Braga. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2016.

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