Quando falamos sobre a existência humana não temos apenas uma perspectiva, mas várias, em especial quando tentamos descrever o início da existência. Seria esta na entrada do zigoto ao útero, ou do momento do nascimento com vida? Para responder essas questões dependemos do conceito que adotamos sobre a existência humana. Há distintos conceitos, entre eles o cosmológico, o metafísico, o teológico, o tradicional e o existencial.
Na Grécia Antiga, Sócrates e Platão diferenciavam as pessoas dos animais por sua característica racional e pela experiência do pensamento abstrato. Aristóteles descreveu o ser humano como um "animal político", que se difere dos outros animais por sua racionalidade e pela convivência em sociedade.
Os primeiros teólogos cristãos elaboraram um conceito de pessoa com base na filosofia platônica e neoplatônica. Eles utilizaram dois termos: prosopon, que transmite a ideia de algo como uma "máscara" no rosto de um ator, e hipostasis, que significa algo que está no fundo, como um alicerce, que foi traduzida pela palavra "essência", sendo as características que fazem parte de cada pessoa.
Durante a Idade Média, por volta do século XI, os pensadores cristãos passaram a entender que a racionalidade era algo espiritual e só poderia ser vinculada à alma. A alma, sendo espírito, não poderia proceder da física, portanto não era entendida como algo gerado pelas condições biológicas da família, sendo então criada por Deus.
Na definição teológica, portanto, a pessoa existe como uma natureza racional que foi criada por Deus, por conta disso, defende-se a sacralidade da vida. Essa tendência de entendimento da pessoa huamna avalia como inaceitável o aborto, pesquisas com células tronco ou a eutanásia, pois são práticas que interferem no poder divino, se Deus dá a vida, cabe apenas a ele tirá-la.
O filósofo francês René Descartes (1596-1650) apresenta um novo conceito de pessoa, enquanto sujeito do conhecimento, que existe porque pensa, de acordo com sua máxima, "penso, logo existo". O filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804), propôs uma definição de pessoa em termos éticos, com base na autonomia, onde cada pessoa é ao mesmo tempo legislador e súdito de si. Seu valor surge do controle que a razão estabelece sobre suas emoções. Segundo ele, todas as coisas da natureza são utilidades, só o homem tem dignidade, acima do mundo sensível.
No século XX, o conceito de pessoa foi repensado por alguns autores, valorizando a singularidade a concretude e a complexidade do ser humano. A fenomenologia e as filosofias da existência elaboraram uma definição da pessoa como uma existência em processo, um "vir-a-ser", rejeitando a concepção metafísica de "essência" dada antes da existência, entendendo que o ser humano se constrói na relação concreta com o mundo, onde a existência está sempre em processo e transformação, que se desdobra sempre em novas possibilidades.
Quando pensamos sobre o início da vida humana, trata-se de uma questão científica, porém quando falamos sobre o início da existência humana, trata-se de uma questão filosófica, pois a pessoa é um conceito, não apenas uma estrutura biológica. Deste modo, há distintas perspectivas para descrever o ínico da existência humana.
A vida humana começa no momento da fecundação, ou seja, com a fusão dos gametas feminino e masculino, dando origem ao zigoto, que contém um código genético distinto do óvulo e do espermatozóide. Depois da primeira semana até o segundo mês ele é conhecido por embrião. A partir do segundo mês, passa a ser feto. Portanto, existe vida humana desde o momento da fecundação do óvulo pelo espermatozóide, dentro ou fora do útero.
Segundo a vertente genética, ser humano é aquele que tem um código genético, presente desde a fecundação, portanto o ser em desenvolvimento já é um ser humano desde a concepção. O óvulo fecundado dá origem à um código genético próprio. Mas, um óvulo fecundado pode dividir-se em dois, três ou quatro seres vivos, que levarão o mesmo código genético, tornando-se gêmeos distintos, o que demonstra que a pessoa não é igual a um código genético.
De acordo com a escola da maturidade racional, a dignidade da pessoa só surge quando há autonomia suficiente para tomar decisões e esboçar um projeto de vida. Neste caso, indivíduos humanos, antes do capacidade de decisão autônoma, não são considerados pessoas, tal como as crianças nos primeiros anos de vida. Porém, considera-se que estes devem ser protegidos pela comunidade.
A tendência fenomenológica não entende a pessoa como uma essência dada a partir da concepção, o ser humano é etendido como uma existência concreta, temporal e singular, em constante devir. O ser humano não é entendido como algo dado pela natureza no momento da concepção, mas se tornará pessoa por meio de suas relações com as outras pessoas e com os espaços.
Distinta dessas últimas, a moral tradicional priorizax o valor da vida humana desde o momento da fecundação, como um bem da comunidade, onde atentar contra a própria vida ou contra a vida do semelhante supõe uma ofensa à justiça. Entende a vida humana como um dom recebido de Deus que a Deus pertence.
Segundo o Código Civil Brasileiro, no artigo 2o, "a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro". São punidos o homicídio, o infanticídio, o aborto e o induzimento, instigação ou auxílio a suicídio. A vida é resguardada, salvo nas hipóteses de legítima defesa, estado de necessidade e exercício regular de um direito.
Referência:
BETIOLI, Antonio B. Bioética, a ética da vida. 2. ed. São Paulo: LTr, 2015.