Filosofia como terapia

O diálogo filosófico é uma atividade que pode ser utilizada para lidar com as dificuldades e aflições que atravessamos. A utilização da filosofia como terapia pode auxiliar na identificação de conflitos e questões que vivenciamos de cunho existencial, colaborando para encontrar novos caminhos e ampliar perspectivas.

Essa atividade propõe a utilização da filosofia de maneira prática, com fins terapêuticos, no sentido de um cuidado para com a existência, possibilitando uma prática ética consigo mesmo. A filosofia, neste sentido é entendida não apenas como um conjunto de teorias e apontamentos, mas como uma atividade prática e terapêutica, que possibilita uma reflexão mais apurada sobre nossas experiências e emoções.

A saúde emocional é um tema que perpassa a filosofia desde muitos tempos. A própria filosofia já foi entendida como uma espécie de "medicina da alma", sobretudo com o estoicismo e algumas tendências de filosofias helenísticas. Enquanto a medicina se ocupava do corpo, a filosofia se ocuparia do cuidado com a alma, as emoções e a subjetividade.

Em diversos momentos de nossa vida atravessamos angústia emocional diante de circunstâncias, escolhas e conflitos, e isso não significa necessariamente que estejamos com alguma doença ou transtorno. O sofrimento e a angústia fazem parte da experiência humana, e nem sempre há respostas prontas para as nossas angústias, é preciso encontrar a nossa própria compreensão.

"Uma filosofia terapêutica favoreceria portanto um conhecimento intuitivo, ou uma abertura para nossos afetos, muitas vezes inconscientes, o que nos permite entendermos melhor como nossos sentimentos funcionam."
(André Martins, em 'Filosofia e saúde: métodos genealógico e filosófico-conceitual')

O intuito de utilizar a filosofia de maneira prática têm sido cada vez mais usual, proposta por diversos filósofos, como o francês Marc Stautet, que retoma o caráter informal da filosofia a partir dos cafés filosóficos; o canadense Lou Marinoff que propôs o aconselhamento filosófico, utilizando a filosofia para lidar com problemas cotidianos; e o brasileiro Lúcio Packter, que elaborou a filosofia clínica, retomando o caráter terapêutico da filosofia para lidar com dilemas existenciais.

A sessão com um filósofo terapeuta costuma acontecer por meio de uma conversa, que aos poucos vai se aprofundando sobre as aflições e dificuldades emocionais vivenciadas pela pessoa em atendimento, com o intuito de ampliar suas perspectivas sobre si mesma, relacionando com temas e questões que já foram abordados por filósofos diversos.

Há diversas maneiras de conduzir a terapêutica, conforme as fundamentações e referências de cada filósofo, mas o primeiro momento geralmente consiste em identificar as dificuldades, as aflições e as emoções envolvidas. Em seguida, é o momento de refletir sobre meios possíveis para lidar com a situação, ampliando as perspectivas sobre nossa condição, possibilitando fazer novas escolhas.

Esta modalidade terapêutica se configura como uma terapia alternativa, que exercita o pensar por si mesmo e o cuidado de si. O uso da filosofia enquanto terapia não substitui as práticas psicológicas ou psiquiátricas, mas se oferece como outra opção, que aposta no diálogo filosófico em favor da saúde emocional.

Algumas pessoas que realmente precisam de cuidados psicológicos ou psiquiátricos, que necessitam serem medicadas e até mesmo internadas, dependendo de suas condições. Mas há também muitas pessoas não estão doentes, que apenas atravessam momentos difíceis e crises que podem ser analisadas a partir do exercício da filosofia.

A filosofia terapêutica, portanto, oferece meios para favorecer o crescimento e a realização interna, que pode ser pautada por distintos filósofos e correntes filosóficas, entre eles Sócrates, Epicuro, Sêneca, Epicteto, Espinosa, Nietzsche, Wittgenstein, entre outros.

"Para Espinosa, a terapêutica consiste basicamente em (I) estarmos aptos a perceber como se dá nosso funcionamento afetivo; (II) selecionarmos nossos encontros (com pessoas, coisas, eventos, alimentos etc.) favorecendo aqueles que nos trazem afetos ativos; (III) no caso dos maus encontros, pois em algum grau são sempre inevitáveis, posto que não podemos nem faz sentido desejar controlar o mundo em torno, trata-se de transformar os afetos passivos sentidos em afetos ativos."
(André Martins, em 'Filosofia e saúde: métodos genealógico e filosófico-conceitual')

Enfim, podemos nos beneficiar muito no campo da saúde emocional por meio da atividade reflexiva e questionadora da filosofia, utilizada de maneira prática, a partir da realidade presente e vivida, ao invés de se focar em questões abstratas e metafísicas.


Por Bruno Carrasco, terapeuta, professor e pesquisador, graduado em Psicologia, licenciado em Filosofia e Pedagogia, pós-graduado em Ensino de Filosofia, Psicoterapia Fenomenológico Existencial e Aconselhamento Filosófico. Nos últimos anos se dedica a pesquisar sobre filosofia da diferença e psicologia crítica.

Referências:
GUTIERREZ, Suzana Gomes. Sobre a Filosofia como uma Atividade Terapêutica. Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Série 3, v. 14, n. 2, p. 203-226, jul.-dez. 2004.
MARTINS, André. Filosofia e saúde: métodos genealógico e filosófico-conceitual. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 20(4):950-958, jul-ago, 2004.

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