Conhece-te a ti mesmo de Sócrates

A Morte de Sócrates, Jacques-Louis David, 1787.

Sócrates é uma das figuras mais emblemáticas da filosofia ocidental. Nascido em Atenas, trouxe uma nova temática para a filosofia antiga, tal como os sofistas passou a se ocupar de temas que envolvem as relações humanas (a ética), além da problemática do conhecimento, diferente dos filósofos anteriores que se dedicavam ao entendimento da natureza.

Nascido por volta de 469 a.C., viveu um período de grandes transformações no campo político, social e cultural, no chamado "século de Péricles", quando a cidade de Atenas se tornou o centro cultural da Grécia antiga, onde se reuniam comerciantes, artesãos e pensadores, um momento de expansão comercial e ascensão da classe mercantil e da manufatura.

Sócrates entendia a filosofia como uma espécie de "missão", um modo de vida cujo intuito era libertar as pessoas das falsas opiniões. Para o filósofo, não devemos guiar nossa vida pelas crenças que os outros seguem sem questionar, mas devemos fazer um autoexame racional para rever aquilo que acreditamos, ao invés de apenas seguir cegamente o que os outros nos dizem.

"Conhece-te a ti mesmo."
(Inscrição délfica no Templo de Apolo, Grécia Antiga)

As práticas do cuidado de si, na perspectiva de Sócrates, estavam relacionadas com o conhecimento de si. Para ele, a alma era - ou a psiquê - era algo que correspondia à consciência e à razão, portanto o caminho da virtude seria o conhecimento, seu oposto seria a ignorância. Este conhecimento tratava-se do conhecimento de si, que envolve o autodomínio, a liberdade interior e a autonomia.

De acordo com Sócrates, a essência do ser humano era a sua alma, enquanto atividade racional e ética. Neste sentido, o conhecimento de si supõe também uma prática de cuidado de si, enquanto uma forma de autodomínio de si. Em sua filosofia, conhecer a si mesmo corresponde a fazer um autoexame interno sobre a própria alma. Assim, não se tratava de cuidar do corpo, mas da própria alma.

Há uma implicação moral em sua proposição, que sugere uma prática de domínio sobre si, utilizando a razão como meio de controlar o corpo, os desejos, os instintos e as dores. Deste modo, a liberdade interior corresponderia ao domínio do corpo, controlando racionalmente as paixões e os instintos, exaltando a autonomia da razão sobre os desejos, as necessidades e os impulsos.

"Uma vida não examinada não vale a pena ser vivida."
(Frase atribuída a Sócrates)

O método socrático iniciava com a ironia e caminhava para a maiêutica, que significa arte de parto, fazendo uma conotação sobre seu papel de possibilitar a outra pessoa parir novas ideias. Seus questionamentos faziam que seus interlocutores revessem suas opiniões e encontrassem novas respostas para suas questões, ao invés de serem guiados pelo que dizem os outros, as autoridades ou a maioria.

Por isso, o filósofo se colocava como um "parteiro de ideias", não como aquele que concebe as ideias, mas como um facilitador para que as ideias surjam por meio do diálogo e da reflexão. O diálogo era, portanto, seu modo de filosofar, onde questionava seu interlocutor sobre as coisas que sabia, ou sobre aquilo que pensava que sabia, colocando dúvidas sobre suas afirmações, deixando este muitas vezes embaraçado.

Seu método de parir ideias se iniciava por meio da ironia, onde colocava uma questão sobre aquilo que sabemos, ou supomos saber, para depois se direcionar para a maiêutica, que se tratava de incentivar a pessoa a buscar em si mesma o conhecimento, como uma arte de parir suas próprias ideias. Sócrates não nos deixou nada escrito, temos contato com sua filosofia por seus discípulos, o mais conhecido foi Platão.

"A minha arte obstétrica tem atribuições iguais às das parteiras, com a diferença de eu não partejar mulher, porém homens, e de acompanhar as almas, não os corpos, em seu trabalho de parto. (...) a divindade me incita a partejar os outros, porém me impede de conceber. Por isso mesmo, não sou sábio, não havendo um só pensamento que eu possa apresentar como tendo sido invenção de minha alma e por ela dado à luz. (...) O que é fora de dúvida é que nunca aprenderam nada comigo; neles mesmos é que descobrem as coisas belas que põem no mundo, servindo, nisso tudo, eu e a divindade como parteira."
(Platão, em 'Teeteto')

A perspectiva socrática entende que o papel do filósofo não seria aquele a incitar ou direcionar outra pessoa, muito menos aquele que lhe oferece "conselhos", mas aquele que possibilitaria o exercício de pensar por si mesmo, de encontrar suas próprias respostas, sem que sua prática se torne uma forma de autoridade sobre a pessoa, mas que a permita ir em direção na construção de seu conhecimento.

Neste aspecto, o autoexame (ou a autoanálise) seria uma prática constante e contínua do cuidado de si, pois a todo momento nos deparamos com circunstâncias paradoxais e conflitos, de modo que podemos sempre examinar tais situações e buscar novas respostas, ao invés de simplesmente fazer o que nos sugere a maioria. Trata-se, portanto, de um modo de utilizar a filosofia de maneira prática em nossa vida.

Por Bruno Carrasco, terapeuta, professor e pesquisador, graduado em Psicologia, licenciado em Filosofia e Pedagogia, pós-graduado em Ensino de Filosofia, Psicoterapia Fenomenológico Existencial e Aconselhamento Filosófico. Nos últimos anos se dedica a pesquisar sobre filosofia da diferença e psicologia crítica.

Referências:
MARCONDES, Danilo. Iniciação à História da Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
PLATÃO. Diálogos: Teeteto - Crátilo. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Belém: UFPA, 1973.
PLATÃO; XENOFONTE. Sócrates [Os pensadores]. São Paulo: Nova Cultural, 2004.

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