O livro 'O que é adolescência', escrito por Daniel Becker, comenta sobre a diversidade do entendimento sobre os adolescentes: rebeldes ou conservadores, apaixonados ou deprimidos, indecisos ou determinados, alternativos ou integrados.
Porém, o autor não reduz a adolescência apenas a esses dualismos. A adolescência é um universo bem amplo, rico em opções e tendências - cada uma em sua própria viagem. O livro levanta questões e desvenda mitos para uma comprrensão maior desse universo.
Do ponto de vista do mundo adulto, isto é, o sistema ideológico dominante, o adolescente é um ser em desenvolvimento e em conflito. Atravessa uma crise que se origina basicamente em mudanças corporais, outros fatores pessoais e conflitos familiares. E, finalmente, é considerado “maduro” ou “adulto” quando bem adaptado à estrutura da sociedade, ou seja, quando ele se torna mais uma “engrenagem na máquina”.
É assim que encaram a adolescência muitas das teorias que pretendem estudá-la. (...) Essas teorias e manuais são instrumentos bastante úteis. Defendem a preservação do sistema do qual eles próprios se originam. Afinal de contas, o novo, o questionamento e o conflito que muitas vezes explodem nos adolescentes são muito perigosos… então, nada melhor que enclausurar todas essas ameaças em um período da vida do indivíduo, aplicar-lhes um rótulo de "crise normal" e definir a adaptação às regras vigentes como "cura" ou "resolução" da crise.
Talvez possamos, em vez disso, explicar esse fenômeno como a passagem de uma atitude de simples espectador para uma outra ativa, questionadora. Que inclusive vai gerar revisão, autocrítica, transformação. E que será, portanto, fundamental tanto para o desenvolvimento da sua própria personalidade quanto para o aperfeiçoamento da sociedade em que ele vive.
Será que o jovem sempre se acomoda, depois de uma certa idade? Será que é seu “dever social” fazer isto? E o adulto, por acaso lhe é vedado protestar, tentar transformar o que acha errado?
Não existe uma adolescência, e sim várias. O próprio conceito de que ela é um fenômeno universal é muito duvidoso. Existem sociedades nas quais a passagem da vida infantil para a adulta se faz gradativamente; a criança vai recebendo funções e direitos até que atinja plenamente a condição de adulto, o que faz desaparecer as características que chamamos de "crise da adolescência". Em outras sociedades, existe um ritual de passagem (geralmente quando começam as transformações físicas da puberdade) após o qual se confere ao indivíduo todos os direitos e responsabilidades do adulto. Esses rituais envolvem muitas vezes intenso sofrimento psíquico e físico. Mas eles podem facilitar o processo de integração à sociedade adulta e favorecer o desenvolvimento da auto estima e segurança no jovem.
Há os que querem reproduzir a vida e os valores da família e da sociedade, há os que contestam, rejeitam e querem mudar; os que fogem, os que lutam, os que assistem, os que atuam… enfim, existem inúmeras escolhas.
No adolescente, corpo, ideias, emoções e comportamento sofrem as consequências do processo de transformação.
Um ser que pensa e sente como criança pensará e sentirá de modo bem diverso como adulto. Ele tem outro corpo, outro astral. Interage com o mundo de outra maneira, passa a receber as exigências diferentes do ambiente que o cerca.
Quanto às mudanças no nível físico, corporal do adolescente, até onde sabemos, elas são universais (com algumas e importantes variações). Mas o mesmo não acontece no nível psicológico e das relações do indivíduo com o ambiente. Sabemos que os padrões de comportamento são muito variáveis: de cultura para cultura, de grupo para grupo numa mesma cultura, e de indivíduos para indivíduos num mesmo grupo.
Aliás, seria bom, antes de mais nada, entender o que é puberdade: ela é apenas um fenômeno que ocorre durante a adolescência e tem limites bem mais precisos e estreitos. É o período da vida em que o indivíduo se torna apto para a procriação, isto é, adquire a capacidade física de exercer a função sexual madura.
Um dos primeiros eventos a se manifestarem é o crescimento em altura: o chamado “estirão da adolescência”. Ele aparece primeiro nas meninas - o seu crescimento máximo ocorre geralmente em torno dos onze-doze anos, e em torno dos doze-quatroze anos para os meninos (deixando claro: nem sempre, a idade pode variar muito). A criança antes pequena, às vezes flácida e gordinha, cresce assustadoramente. Num processo paralelo, a musculatura se desenvolve com rapidez, enquanto o mesmo não acontece com o tecido gorduroso. Com o isso o corpo torna-se menos flácido e mais musculoso. Nos homens o crescimento muscular é mais intenso que nas mulheres, enquanto que nestas se conservam alguns depósitos de gordura.
Os ossos crescem, se espessam, tornam-se mais robustos. Os ombros se alargam nos meninos, enquanto que nas meninas é o quadril que se amplia mais, preparando-se para receber um futuro bebê.
Porém o mais curioso, e talvez o mais dramático, é que esse crescimento não se dá por igual. Quem não teve (ou tem) uma certa sensação de desajeitamento, talvez lá pelos treze, quatorze anos? Além de ser difícil lidar com o próprio corpo em mutação, o alongamento dos braços, das pernas, do pescoço, aparece primeiro que o do tronco. Isso traz uma sensação estranha e desagradável, piorada pelo fato de que muitas vezes um lado do corpo cresce antes que o outro.
Na menina, começa o desenvolvimento dos seios. No menino crescem os testículos, que tinham praticamente o mesmo tamanho dos do bebê. Ele pode também experimentar um certo aumento dos mamilos, o que é perfeitamente normal e tende a regredir.
Logo em seguida começam a aparecer os pêlos das regiões genital (pubianos) e axilar em ambos, e mais tarde em outras regiões do corpo. E enquanto na menina acontece a menarca (primeira menstruação), no menino aumenta o tamanho do pênis e começa a produção de espermatozóides.
Os primeiros ciclos menstruais podem acontecer a intervalos irregulares, que depois se estabilizam em torno de vinte e oito a trinta dias. Esses primeiros ciclos são muitas vezes acompanhados por sintomas desagradáveis. Cólicas, nervosismo, inchação, dor de cabeça, problemas de pele e até depressão são alguns desses fenômenos, que podem inclusive durar muito tempo. Eles dependem não só de fatores físicos, mas também de como a adolescente se relaciona com a própria menstruação.
Muitas adolescentes chegam à idade da menarca sem sequer saber que ela existe, por que, para que e o que significa. Afinal, na nossa tradição, corpo é igual a sexo, e sexo é sujo. É claro que diante de tudo isso, a adolescente pode se envergonhar, temer e até rejeitar um fenômeno biológico totalmente saudável e normal (e muitas vezes “somatizar” esses sentimentos sob a forma de sintomas). Mas se ela for bem informada e esclarecida a respeito da sua menstruação, aceitando-a como parte de um processo positivo de crescimento, ela pode aprender a transá-la melhor e se relacionar melhor consigo mesma.
Na mulher, a vagina, o clitóris e a vulva se desenvolvem e se transformam. No homem, surge a barba, ou o projeto dela; a voz engrossa, no início insegura e cheia de falsetes. Logo estão ambos por horas frente ao espelho, espremendo terríveis cravos e espinhas, observando atentamente sua nova imagem, meio sem saber o que fazer com ela,
Os meninos e meninas experimentam um grande desenvolvimento da altura e do tamanho dos órgãos genitais, o que em muitas culturas pode gerar dificuldades com relação a autoconfiança. Em algumas situações podem sofrer comparações com outros colegas já mais desenvolvidos e se sentirem inferiorizados.
Além disso, alguns podem ser marginalizados em atividades esportivas, por não terem desenvolvido o mesmo grau de força muscular e altura que seus colegas. Podem também ser excluídos de atividades que envolvem o relacionamento com o sexo oposto, por não terem ainda o mesmo grau de maturidade sexual. Essas dificuldades podem ser reforçadas por adolescentes mais precocemente desenvolvidos, e até por adultos mal orientados.
Para alguns adolescentes isso pode gerar vários problemas, inclusive se afastar do convívio social, para evitar a desaprovação e sentimento de inferioridade. O fato de ver seu corpo diferente dos outros pode gerar também angústia e preocupações excessivas.
Em nossa cultura, os adolescentes costumam ser muito sensíveis para com sua imagem corporal. Situações como obesidade, uso de óculos, acne, excesso de pêlos, aumento passageiro dos mamilos (nos homens), seios muito grandes ou muito pequenos (nas mulheres), entre outras, podem fazer com que se sintam desvalorizados, levando-os à inibição, ou até mesmo à depressão.
O adolescente experimenta uma mudança qualitativa em sua atividade cognitiva, de pensamento, raciocínio, entendimento e inteligência. De modo bem diferente da criança, segundo Piaget, na adolescência surge a capacidade de raciocinar sobre o raciocínio, isso estimula o raciocínio abstrato.
Essa capacidade possibilita ao adolescente especular, abstrair, analisar e criticar, mesmo que ainda sem muita referência. Essa transformação no raciocínio afeta todos os outros aspectos de sua vida, pois ele utiliza as novas capacidades para pensar a respeito de si mesmo e do mundo que o cerca.
As primeiras sensações de excitação sexual são muito estranhas ao adolescente e é difícil lidar com elas. Além de sentir prazer, ao olhar ou tocar alguém, ele pode também sentir medo, ansiedade e até culpa.
No início da adolescência, a pessoa experimenta o interesse pelo próprio corpo, começando a experimentar seus órgãos genitais, o que é chamado de ‘fase fálica’, segundo a Psicanálise Freudiana, seguida pela fase latente e, posteriormente, pela fase genital, onde passa-se a desejar o contato mais vivo com o genitor do sexo oposto.
Segundo a psicanálise, durante o período de latência se organiza o superego, que representa os princípios da moral e a censura, agindo sobre o ego. Trata-se de uma entidade psíquica que regula e controla os instintos representados pelo id, articulando estes às exigências do superego e da realidade externa, funcionando como mediadora. O superego cria uma barreira ao incesto, que reprime esses sentimentos “perigosos”.
Para Freud, à medida que o adolescente superasse as fantasias incestuosas e transferisse o desejo sexual para fora do núcleo familiar, ele estaria ao mesmo tempo se desligando da autoridade dos pais. Essa necessidade de separação e o afastamento em si levariam à rejeição, ressentimento e hostilidade contra os pais e outras autoridades. Para diferenciar-se da família, o adolescente tenderia a escolher padrões de vida e ideais bem diferentes dos paternos. Essa seria a explicação freudiana para o “conflito de gerações”.
Com o desenvolvimento da sexualidade, o adolescente, de um modo geral, procura a pessoa mais acessível para transar seus impulsos: ele mesmo. Com toda essa dificuldade em localizar uma outra pessoa como objeto de desejo, ele recorre à masturbação. Esta, aliás, não é apenas um canal de descarga de impulsos sexuais. Muito mais que isso, é também um mecanismo importante e saudável para o contato do adolescente com seu próprio corpo, com sua nova e desconhecida sexualidade, que o ajuda a controlar e integrar seus impulsos, e a preparar-se para relações sexuais ativas. Através da masturbação o adolescente pode se explorar, amadurecer no seu próprio ritmo, conhecer a sensação do orgasmo. Segundo alguns psicanalistas, ela poderia servir também para descarregar impulsos agressivos ou compensar frustrações ao proporcionar um prazer imediato. A masturbação, portanto, é uma atividade essencial para o adolescente.
A evolução do jovem em direção ao estabelecimento de sua sexualidade madura e completa é um processo complexo, às vezes difícil, cheio de conflitos e crises, e também de momentos maravilhosos de paixão, descoberta e realização. O conceito de sexualidade “normal” ou “boa” são muito discutíveis.
Em meio a toda essa confusão, o adolescente se vê incentivado e até pressionado - pela televisão, publicidade, filmes, revistas pornográficas ou não, enfim, pela sociedade em geral - a uma atividade sexual deturpada, impregnada de preconceitos morais, de bloqueios afetivos, de um caráter comercial, competitivo ou exibicionista.
Não é difícil encontrar adolescentes em plena atividade sexual sem saber o que e por que estão fazendo, sem saber o que é um ciclo menstrual, sem se importarem sequer sobre o significado de um relacionamento sexual, ignorando completamente as possíveis consequências dele e os modos de evitá-las.
Um importante psicanalista, Erik Erikson, considerava que a principal “tarefa” do adolescente seria a aquisição da identidade do ego. A “crise de identidade” seria uma série de processos, onde o mais importante seriam as identificações, por meio do repúdio de umas e da absorção de outras, gradualmente se cristalizaria a identidade adulta.
A chamada “crise de identidade”, que acarreta angústia, passividade e dificuldades de relacionamento, surge e parte de conflitos de valores e identificações dos adolescentes.
Associada à noção de identidade estaria a de ideologia, que expressa as ideias do grupo social. Ela funcionaria positivamente, confirmando a identidade do indivíduo, reconhecendo-o como parte integrante da sociedade. Assim, a aquisição de uma ideologia permitiria ao jovem resolver os seus principais conflitos, fugir da “confusão de valores”, e lhe daria acesso à vida social.
Erikson afirmava que os sistemas totalitários exercem atração sobre os jovens, pois fornecem identidades convincentes e rígidas, e portanto, facilmente assimiláveis. A identidade democrática seria menos atraente, pois envolve a liberdade de escolha, em vez de fornecer uma identidade imediata.
É no momento da adolescência que surge uma enorme necessidade de se sentir pertencente a um grupo. O grupo ajuda o indivíduo a criar sua própria identidade num contexto social. No grupo existe uma certa uniformidade de comportamento, de pensamento e de hábitos.
O adolescente procura conforto em sua roda de amizades, padronizando suas ideias e atitudes. Um serve de modelo para o outro, e de manutenção dos modos de ser, agir e sentir. Curtem as mesmas experiências e descobertas, e as vivenciam juntos. Sofrem de angústias semelhantes, e o grupo funciona como protetor perante elas.
A adolescência é uma fase de novas sensações e experiências, fase onde pode ocorrer o primeiro contato com a bebida, as aventuras, as viagens e as drogas.
As drogas psicoativas podem levar a dois tipos de dependência: física e psicológica. A dependência psicológica está mais relacionada aos modos de ser de cada indivíduo; uma pessoa pode sentir dependência de qualquer coisa, desde um refrigerante até um seriado de televisão. Já a dependência física é grave e relaciona-se com o uso da droga e seus efeitos no organismo. Se a pessoa deixa de consumi-la, pode ocorrer a “síndrome de abstinência”: uma série de distúrbios que vão desde um leve mal-estar até a loucura e a morte.
O alcoolismo é uma das mais graves e frequentes doenças da nossa sociedade. O mesmo se pode dizer do cigarro, causador de inúmeras doenças fatais ou incapacitantes. Gastam-se fortunas para tratar pessoas doentes pelo uso de cigarro ou de álcool, e fortunas equivalentes na propaganda de ambos.
Um mito frequente em relação ao uso de drogas pelo adolescente é o de que quem usa maconha é um viciado, ou drogado. Não há dúvida de que o vício em qualquer droga é uma ameaça à integridade do indivíduo. Mas ora, nem todo mundo que bebe vodka ou cerveja é alcoólatra. A maioria das pessoas faz isso “de vez em quando”. O mesmo acontece em relação à maconha: a grande maioria dos adolescentes que a usam são os “usuários recreacionais”, isto é, não são viciados, não a consomem de forma compulsiva e sistemática. É engraçado que haja tanta preocupação com o uso da maconha, mas não tanto com o do álcool. O alcoolismo é um problema sério também entre adolescentes.
Vários fatores influenciam na escolha da futura profissão: saúde, tendências e habilidades inatas, educação, estrutura e tradição familiar, ocupação e abertura dos pais, grupo cultural e especialmente a classe sócio-econômica à qual pertence o indivíduo. As opções que se oferecem a um jovem de bom nível de renda são muito diferentes das possibilidades de um menino de doze anos, analfabeto, que precisa sustentar a família de sete irmãos num barraco de um cômodo.
Nesse momento de sua vida, talvez aí pelos quinze ou dezesseis anos, o adolescente geralmente ainda desconhece a si mesmo e suas aptidões, desconhece o significado e a realidade de cada profissão, desconhece o mercado de trabalho. E é exatamente neste momento que ele se vê pressionado pela família, pela escola e pela sociedade a decidir a profissão que teoricamente deverá exercer pelo resto de sua vida. Ora, a decisão muitas vezes será tomada sem qualquer reflexão (até porque não há bases para refletir), em meio à angústia e à tensão, facilitando também a interferência externa (da família, especialmente).
É muito importante ressaltar que as opções não se fixam no vestibular. O adolescente, na verdade, não precisa fazer o vestibular, ou pelo menos, não precisa fazê-lo num determinado momento. Não é obrigado a ter uma profissão só pelo resto da vida, nem é indispensável que ele seja médico, analista de sistemas, engenheiro ou coisa do gênero. O adolescente não é obrigado a “entrar no esquema” segundo o que a sociedade costuma exigir dele.
Para tentar compreender o adolescente, tanto no seu desenvolvimento pessoal quanto na sua relação com o mundo, é preciso olhar para ele desde uma perspectiva mais ampla possível, que inclua não só as transformações biológicas e psicológicas, de importância fundamental, mas também o contexto sócio-econômico, cultural e histórico no qual ele está inserido.
O fenômeno da puberdade provavelmente nos acompanha desde os primórdios do ser humano. Já não se pode dizer o mesmo do fenômeno da adolescência.
O conceito de adolescência, como ele é hoje considerado, é bastante recente. Até o século XVIII, a adolescência foi confundida com a infância. Nas escolas jesuítas, garotos de 13 a 15 anos eram chamados indistintamente de crianças ou adolescentes. A noção do limite da infância estava mais ligado à dependência do indivíduo do que à puberdade.
A importância enorme que se dá à adolescência hoje em dia surgiu em um passado bem recente. Até há poucos anos, ser jovem era uma coisa a ser vivida apressadamente em direção ao ser adulto, como podem testemunhar nossos pais e avós. A adolescência era uma pedra no caminho da entrada no sistema social.
Adolescentes de classes sociais diversas, numa mesma cidade, apresentam padrões de comportamento bastante diferentes.
As cientistas Margaret Mead e Ruth Benedict, da antropologia cultural, constataram em seus trabalhos que o ser humano evolui de um estágio de total dependência (o recém nascido) para um de relativa independência: como adulto ele deve prover e proteger os filhos.
O modo como essa independência é adquirida varia muito de uma cultura para outra. Na nossa, por exemplo, a diferença entre criança e adulto é profundamente acentuada por instituições sociais e legais. Existe uma descontinuidade entre os dois papéis, e isso cria conflitos para o adolescente, que está a meio caminho.
Já na sociedade de Samoa, no Pacífico Sul, estudada por Margaret Mead, não acontece assim. A transição entre os papéis se dá de modo gradual, e o processo de crescimento é lento e contínuo. Quando a criança se torna adulta, as exigências que recaem sobre ela não são abruptamente aumentadas: elas são uma continuação do que lhe era exigido anteriormente.
Tecnicamente, na nossa cultura, as crianças não dão qualquer contribuição social no sentido do trabalho, e são até proibidas por lei de fazê-lo.
Em Samoa, meninas de até seis anos são responsáveis pelo cuidado e disciplina de irmãos mais novos. Meninos desde cedo aprendem a pescar nos recifes e remar canoas, enquanto as meninas, depois de dispensadas da função de babá, trabalham nas plantações. Nenhuma mudança básica ocorre na adolescência: o grau de responsabilidade aumenta à medida que a criança se torna mais forte e madura.
Friedenberg, acredita que a adolescência é um período de autodefinição, o jovem precisa diferenciar-se não só dos pais, mas também da cultura na qual cresceu, e só pode fazê-lo isolando-se dela e quebrando os elos da dependência.
Se não houver oportunidade de conflito, não há adolescência, e o sentido individualista não pode se desenvolver.
Qual é o critério para determinar o fim da adolescência? Geralmente, um indivíduo é dito adulto quando alcançou o seu perfeito ajustamento à sociedade, o encontro de sua posição e seu papel.
A vida do adulto é construída de forma a lhe tirar o máximo possível a capacidade e a motivação para mudar. Ele aprende que deve deixar de viver a própria vida, para dedicar-se a seus “compromissos” e à sua família. Assim ele perde toda a sua liberdade. Não pode mudar de profissão, de estilo de vida, não pode fazer opções, reformular conceitos e atitudes - isso seria muito ameaçador. Está acorrentado às suas responsabilidades - foi enjaulado pelo Sistema.
Muitas vezes encontramos um indivíduo adulto em franca crise, conflituado, questionando e contestando, procurando mudanças. Esse momento é muito importante para ele, mas muito perigoso para o Sistema. Resultado: a crise é rotulada de “coisa de adolescente”. Realmente, cara, você com essa idade, pai de família, ainda não sabe quem você é, eo que quer? Dessa forma, ele é “colocado no seu devido lugar”, reprimido com eficiência. O momento tão precioso se transforma numa infantilidade, da qual ele se envergonha, em vez de aproveitá-la para o seu crescimento.
O jovem tem uma certa tendência a se identificar com um grupo, a se estereotipar, muitas vezes, mas o universo da adolescência é bem mais amplo. Universo que permite todo tipo de opções, tendências e comportamentos.
Os anos 60 foram extremamente importantes para os adolescentes. Precedida do existencialismo no pós-guerra, a geração beat dos anos 50, a contracultura explodia ao som do rock’n’roll, trazendo uma verdadeira revolução social. No mundo todo, jovens combatiam ardentemente uma civilização decadente, propondo um novo estilo de vida, criando novos valores. É a época das revoltas estudantis na Europa e nos Estados Unidos, das comunidades hippies, do amor livre, do misticismo, do rock, do culto à liberdade, das drogas psicodélicas, do não absoluto ao Sistema.
A atual geração adolescente dos anos 80 viveu a sua infância sob o signo dos anos 70. Muitos tiveram parentes desaparecidos ou exilados. Foram educados em um regime de censura e mentiras. Não tiveram acesso à realidade concreta do seu país. Conviveram com uma política suja e corrupta, com o empobrecimento do país, o arrocho das mesadas e, muitas vezes, com a necessidade de trabalhar para ajudar em casa. E, muito importante, testemunharam o aumento maciço da influência dos meios de comunicação, especialmente a TV, no comportamento da sociedade.
Das contradições que vivemos dia-a-dia está surgindo um novo mundo. Estamos diante de um momento em que as bases de uma nova concepção de vida estão sendo colocadas. Pode-se dizer que a nossa cultura está ela própria passando por uma “crise adolescente”.
O jovem tem um papel fundamental nesse processo. Na busca de sua individualidade e no confronto com a cultura, ele muitas vezes se diferencia, critica, questiona, contesta e traz ideias e propostas novas. Dessa forma ele provoca a revisão, a auto-avaliação, a transformação da sociedade.
O conflito e a dúvida custumam trazer muito sofrimento. Mas o valor positivo deles pode ser muito maior. São importantes tanto para o indivíduo alcançar sua identidade plena e integrada, quanto para a sociedade, que tem aí a sua maior oportunidade de transformar-se, criar, procurar novas sínteses, buscar o crescimento.
Será ótimo aprendermos a aproveitar nossos conflitos. Tanto como indivíduos, quanto como grupo social, vamos ter muito a ganhar.
É na adolescência que começamos a aprender a escolher livremente. É um aprendizado que nunca termina, talvez porque escolher é uma das tarefas mais difíceis da vida. Sempre que optamos por alguma coisa, estamos perdendo muitas outras. O adolescente, frente às suas primeiras e inúmeras escolhas, muitas vezes sente-se confuso, angustiado.
O adolescente não é o futuro da pátria, nem a esperança do amanhã. Seu lugar é aqui, seu tempo é o presente, e sua vida lhe pertence para vivê-la da maneira que escolher.
Fonte:
BECKER, Daniel. O que é adolescência. São Paulo: Brasiliense, 1999.