Vista interna da penitenciária de Stateville, Illinois, EUA. |
Em seu livro 'Vigiar e punir', de 1975, Michel Foucault fez um estudo sobre as técnicas de poder disciplinar e as relações entre saber e poder, analisando os métodos de vigilância e punição utilizados não apenas nas prisões, mas também nos hospitais, nas escolas e fábricas.
Por meio de seus estudos, ele constatou que a prisão, enquanto modalidade punitiva, não surgiu por uma "evolução" das teorias jurídicas ou por uma preocupação de caráter meramente humanitário, mas foi um modelo de punição resultante de uma série de "técnicas disciplinares" que começaram a aparecer por volta do século XVIII, quando os métodos de punição do poder monárquico estava muito custoso e pouco eficaz.
A disciplina e o poder disciplinar compõem um conjunto de técnicas e procedimentos de exercício de poder, cujo objetivo é produzir corpos politicamente dóceis e economicamente rentáveis, promovendo uma maior eficácia produtiva de seus movimentos e de sua distribuição espacial, por meio de uma normalização, tendo em vista aumentar sua utilidade e docilidade.
Para analisar os efeitos do poder, Foucault utilizou o método genealógico, analisando os efeitos do poder institucional e os discursos científicos na sociedade disciplinar moderna. Ele constatou que as relações de poder constituem formas de saber, do mesmo modo que os saberes também implicam em formas de poder. Assim, não há poder sem saber ou saber sem poder.
"(...) poder e saber se implicam mutuamente; que não há relação de poder sem constituição relativa de um campo de saber, nem saber que não pressuponha e não constitua simultaneamente relações de poder."
(Foucault, em 'Vigiar e punir’)
O método genealógico, utilizado por Nietzsche, em sua 'Genealogia da Moral', opera por meio de uma análise histórica das forças e rupturas, avaliando o modo como os discursos e as práticas acontecem nas instituições, apontando suas práticas extra discursivas que possibilitam determinadas formas de exercício de poder.
Trata-se uma análise que busca as condições históricas, econômicas, políticas, culturais e sociais que possibilitaram um certo discurso, legitimando uma forma de poder, relacionando o saber com as formas de poder, apontando suas formações discursivas, suas condições de suas origens, de manutenção ou extinção.
Na perspectiva de Foucault, o poder não emerge apenas do Estado, mas por diversas manifestações periféricas, em suas formas locais e na microfísica do poder. Por isso, as técnicas de poder se investem no controle de corpos, dos gestos, das atitudes, dos comportamentos e dos hábitos dos indivíduos.
O poder não é uma "substância", que se tem ou deixa de ter, mas um exercício, que acontece nas relações e nas práticas sociais. Além disso, o poder é tramado com o saber, muitas vezes não aparecendo claramente. Ele não apenas reprime, mas produz indivíduos.
"Temos que deixar de descrever sempre os efeitos de poder em termos negativos: ele ‘exclui’, ‘reprime’, ‘recalca’, ‘censura’, ‘abstrai’, ‘mascara’, ‘esconde’. Na verdade o poder produz; ele produz realidade; produz campos de objetos e rituais da verdade. O indivíduo e o conhecimento que dele se pode ter se originam nessa produção."
(Foucault, em 'Vigiar e punir’)
O poder disciplinar é uma técnica de gestão de pessoas utilizada para controlar uma multiplicidade de indivíduos a fim de aumentar sua utilidade e sua docilidade. De acordo com Castro (2014), ele opera uma maior regularidade e operacionalidade no controle, com menor custo político e econômico, evitando a reincidência e prevenindo novas formas de ilegalidade, por meio de um cálculo da função punitiva.
Essa técnica de poder opera a partir de uma arte de distribuição espacial, onde cada pessoa ocupa um espaço, sendo facilmente observável, para ser possível o controle dos gestos e atividades de cada indivíduo, por meio de uma vigilância de diversos olhares e a partir do registro contínuo de suas atividades, tendo como alvo os indivíduos em sua singularidade, avaliados por meio de um exame e vigilância permanentes.
Planta do Panóptico idealizado por Bentham em 1785. Desenho do arquiteto inglês Willey Reveley, de 1791. |
O modelo arquitetônico panóptico, idealizado pelo filósofo utilitarista Jeremy Bentham (1748-1832), apresenta uma construção em forma circular com uma torre central, de modo a distribuir o olhar no espaço. Seu exito propõe a invisibilidade do poder de vigiar, onde a periferia do círculo comporta as celas com espaços para cada corpo, eles são vistos, mas não podem ver aqueles que ocupam a torre central.
A efetividade desse poder ocorre por conta da invisibilidade, onde o vigiado nunca pode saber se é está ou não sendo vigiado, estando constantemente consciente da possibilidade, o que faz a vigilância se tornar contínua em seus efeitos. Com isso, o olhar vigilante vai sendo introjetado naqueles que são vigiados, onde cada um se converte em normalizador de si mesmo.
No século XVII, a execução pública era o modelo da prática punitiva, onde o corpo do supliciado se oferecia a um espetáculo para a manutenção do poder soberano. No final do século XVIII, diante das transformações econômicas, políticas e sociais, o castigo corporal e o suplício público dão lugar a uma economia calculada de punição, com penas moderadas e proporcionais aos delitos.
"Trata-se dos procedimentos disciplinares que são praticados em instituições como hospitais, escolas, fábricas e prisões, garantindo uma vigilância e normatização da sociedade autorizada e legitimada pelo saber. Não são estabelecidos por meio de leis, mas pela concordância dos sujeitos para com os discursos de ‘verdade’."
(Foucault, em 'Microfísica do poder’)
Esses métodos de vigilância possibilitam uma nova gestão das ilegalidades, aumentando seus efeitos e diminuindo seus custos. Passando a ser aplicados não apenas nas prisões, mas também nos hospitais, nas escolas, nas empresas e em quaisquer outras instituições onde há necessidade de se gerenciar uma multiplicidade de pessoas.
Por Bruno Carrasco, terapeuta, professor e pesquisador, graduado em Psicologia, licenciado em Filosofia e Pedagogia, pós-graduado em Ensino de Filosofia, Psicoterapia Fenomenológico Existencial e Aconselhamento Filosófico. Nos últimos anos se dedica a pesquisar sobre filosofia da diferença e psicologia crítica.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.