A psicologia científica se iniciou na Europa, no final do século XIX, num contexto onde a ciência moderna, em especial o positivismo, estava em ascensão, pautada na busca das regularidades, entendendo que o ser humano como capaz de utilizar a natureza a seu favor. Aos poucos, essa perspectiva foi direcionada também para as pessoas, que se tornaram o objeto de estudo das ciências humanas e da psicologia.
O cientista era aquele que se dedicava conhecer e analisar os fenômenos naturais, com intuito de controlar e manipular estes por meio de experimentos controlados em laboratório. Neste período, acreditava-se que a ciência seria capaz de, por meio de procedimentos específicos, atuar de maneira totalmente neutra, deixando de lado a subjetividade, as expectativas e os sentimentos do cientista, visando um conhecimento objetivo.
"(...) características que marcam a ciência no século XIX: positivista, porque se constituiu como sistema baseado no observável; racionalista, pela ênfase na razão como possibilidade de desvendar as leis naturais; mecanicista, porque se pautou na ideia do funcionamento regular do mundo, guiado por leis que poderiam ser conhecidas; associacionista, porque se baseou na concepção de que as ideias se organizam na mente de forma a permitir associações que resultam em conhecimento; atomista, pela certeza de que o todo é sempre o resultado da organização de partes; e determinista, porque pensou o mundo como um conjunto de fenômenos que são sempre causados e que essa relação de causa-efeito pode ser descoberta pela razão humana."
(Ana Bock, em 'Psicologia sócio-histórica')
Em meados do século XIX, começa-se a despontar um interesse pelo estudo do ser humano e das diferenças individuais. Neste momento, o ser humano deixou de ser apenas um sujeito pesquisador, para se tornar objeto de estudo. A psicologia científica se iniciou nesta busca de conhecer e controlar as diferenças a partir do olhar científico, buscando leis, regras e princípios gerais, evidenciando aquilo que se repete.
O médico, filósofo e psicólogo alemão Wilhelm Wündt (1832-1920) é considerado um dos fundadores da psicologia científica, juntamente com Ernst H. Weber (1795-1878) e Gustav T. Fechner (1801-1887). Wündt foi o pioneiro a formular um projeto de psicologia enquanto uma ciência independente, fundando um laboratório de experiências científicas para pesquisa e ensino da psicologia.
"No levantamento do quadro em que se praticava a psicologia no final do século XIX, vale que se ponham em destaque, em primeiro lugar, a preocupação com a medida dos processos sensoriais, efetuada por Weber e Fechner; em segundo lugar, o entusiasmo com que foi acolhido o método experimental, na verdade decorrente do processo de conceituação da psicologia como ciência natural; em terceiro lugar, a desqualificação da consciência, apenas definida como um epifenômeno e, em decorrência, a negação de toda a subjetividade que, já no século XX, se consagra com o behaviorismo."
(Penna, em 'Introdução à Psicologia Fenomenológica')
Segundo ele, o objeto de estudo da psicologia era a experiência imediata dos sujeitos, tal como o sujeito a vivência antes de pensar sobre ela, antes de comunicá-la, antes de "conhecê-la". Ele pesquisou sobre os processos elementares da experiência mental, como são determinados pelas condições físicas do ambiente e pelas condições fisiológicas dos organismos, analisando os elementos da experiência imediata e as formas mais simples de combinação.
O psicólogo estruturalista britânico Edward Titchener (1867-1927) estudou em Leipzig, na Alemanha, foi aluno Wündt, e procurou entender o que acontece na experiência mental. Segundo ele, a mente não tinha autonomia, pois dependia do sistema nervoso, dependendo do entendimento do funcionamento do sistema nervoso para ser explicada. O fisiológico explica o mental, onde o estudo da psicologia acontecia por meio dos métodos das ciências naturais: a observação e a experimentação.
Os psicólogos funcionalistas entendiam a psicologia como uma ciência biológica interessada em estudar os processos, as operações e os atos mentais, enquanto formas de interação adaptativa aos ambientes. Esses psicólogos partiram do pressuposto da biologia evolutiva, onde os seres vivos e os animais sobreviviam por conta de suas características orgânicas e comportamentais ajustadas ao ambiente.
Segundo eles, os processos e as operações mentais aconteciam de maneira adaptativa, por meio de comportamentos adaptados. A mente era estudada a partir dos comportamentos observáveis, onde a psicologia deixa de ser uma ciência da psiquê, ou da mente, se tornando uma ciência do comportamento.
"Para Foucault, o desenvolvimento da psicologia entre 1850 e 1950 foi marcado pela exigência, herdada do Iluminismo, de adequar-se ao modelo das ciências naturais e, ao mesmo tempo, pelas contradições desse projeto. Por um lado, a necessidade de aplicar um método de conhecimento que fundamente seus resultados em dados objetivos, como o fazem a física ou a biologia, e, por outro, a impossibilidade de levá-lo a cabo. Com efeito, à diferença do que sucede com o conhecimento da natureza, a psicologia não nasce das regularidades, mas das contradições da vida humana. A psicologia da adaptação surge, por exemplo, do estudo das formas de inadaptação; a da memória, do esquecimento e do inconsciente; a da aprendizagem, do fracasso escolar."
(Castro, em 'Introdução a Foucault')
O psicólogo estadunidense John Watson (1878-1958) é considerado o fundador do comportamentalismo. Segundo ele, o objeto da "psicologia" científica não deveria ser mente, mas o comportamento e suas interações com o ambiente. Seu método de estudo se baseia nos métodos das ciências naturais, incluindo a observação e a experimentação dos comportamentos observáveis.
Seu intuito era de estudar o comportamento, os movimentos do corpo e suas relações com o ambiente. Isso fazia com que se deixasse de lado tudo o que fazia parte da experiência subjetiva individualizada, por não ser acessível para os métodos objetivos da ciência psicológica iniciante, que mostrava interessada em comportamentos meramente objetivos.
"Tudo aquilo que faz parte da experiência subjetiva individualizada deixa de ter lugar na ciência, seja porque não tem importância, seja porque não é acessível aos métodos objetivos da ciência. (...) o 'sujeito' do comportamento não é um sujeito que sente, pensa, decide, deseja e é responsável por seus atos: é apenas um organismo. Enquanto organismo, o ser humano se assemelha a qualquer outro animal, e é por isto que essa forma de conceber a psicologia científica dedica uma grande atenção aos estudos com seres não humanos, como ratos, pombos e macacos, entre outros. (...) toda a rica experiência subjetiva dos indivíduos é deixada de lado na ciência, a ideia de sermos seres livres, autoconscientes, responsáveis e únicos são ridicularizadas; os seres humanos passaram a ser tidos como meros organismos sujeitos às leis gerais do comportamento na sua interação com o ambiente."
(Figueiredo & Santi, 'Psicologia: uma (nova) introdução')
Os principais intuitos das pequisas de Watson não visavam a "vivência" do sujeito, em sua experiência interna. Seu foco estava exclusivamente voltado para os comportamentos observáveis, com o objetivo muito prático de prever e controlar os comportamentos dos indivíduos de maneira mais eficaz possível.
Por Bruno Carrasco, terapeuta, professor e pesquisador, graduado em Psicologia, licenciado em Filosofia e Pedagogia, pós-graduado em Ensino de Filosofia, Psicoterapia Fenomenológico Existencial e Aconselhamento Filosófico. Nos últimos anos se dedica a pesquisar sobre filosofia da diferença e psicologia crítica.
BOCK, GONÇALVES, FURTADO (orgs.). Psicologia Sócio-Histórica: uma perspectiva crítica em psicologia. São Paulo, Cortez, 2015.
CASTRO, Edgardo. Introdução a Foucault. Trad.: Beatriz de Almeida Magalhães. Belo Horizonte: Autentica Editora, 2014.