A esquizoanálise, enquanto uma clínica da diferença que rompe com o modelo arbóreo, unitário e identitário presente nas filosofias e nas ciências modernas, possibilita novas formas de vida, partindo de uma perspectiva rizomática, onde não há um centro nem a busca de uma identidade, mas uma multiplicidade de conexões em fluxo.
Trata-se de uma análise que não segue modelos ou padrões previamente estabelecidos, tomando contato com cada pessoa a partir de suas expressões singulares, captando suas diferenças, e estimulando a possibilidade de criar outros modos de vida, entendendo a pessoa como um devir, em constante movimento e transformação, e não como algo pronto e estático.
"A esquizoanálise, no bojo de um movimento mais amplo de descentralização do cogito e recuperação da dignidade do corpo enquanto fonte de sentidos que a consciência desconhece, opera a crítica dessa noção clássica de sujeito, afirmando, inicialmente, seu processo de constituição. Isto é, ao invés de se afirmar a centralidade da consciência, identificada com o próprio pensamento, trata-se de deslocá-la para a margem de um processo do qual ela é antes o sinal, e não a causa, e afirmar que o pensamento tem razões que a consciência desconhece."
(Cassiano e Furlan, 2013)
Por conceber a vida enquanto um devir, compreende que este acontece numa constante destruição e recriação de formas de vida, que acontece a partir de movimentos e encontros. O método cartográfico é utilizado para se tomar contato com os mapas de trajetos e conexões que a pessoa estabelece com distintos lugares, coisas e outras pessoas, bem como seus afetos e o uso que faz de suas forças ativas e reativas.
A cartografia traça os afetos e as forças em relação, nunca com o intuito de interpretar uma pessoa, mas para tomar contato com as experiências vivenciadas pelo corpo, constatando os movimentos que dificultam ou bloqueiam fluxos de vida, bem como aqueles que possibilitam seu fluxo, buscando encontrar meios para se movimentar livremente, experimentando outras formas de afetar e ser afetado, novos modos de existência.
Assim, pretende-se olhar para as linhas e os meios, aquelas que refletem desejos, as que se prolongam, as que são indesejadas e aquelas que são interrompidas. Como um mapa não tem começo nem fim, é possível iniciar o trajeto por qualquer ponto, e assim seguimos compondo novos mapas e conexões, seguindo as linhas, os afetos e as forças que fluem em nosso corpo.
O corpo é entendido como um complexo de intensidades que não pode ser definido nem determinado, mas atravessado por saberes instituídos, moralidades e normas que fixam e delimitam. Portanto, torna-se interessante tomar contato com tudo aquilo que se inscreve no corpo, de modo a retomar sua fluidez e flexibilidade.
"Para Deleuze não há sentido algum pensar em um sujeito identitário. Não importa o meio ou o modo como uma pessoa se apresenta: é apenas uma das infinidades de modos de existência possíveis. Pois, para Deleuze, um corpo é um domínio no qual coexistem duas grandezas díspares: o virtual e o atual, sendo que cada um deles já possui realidade em si mesma, sua realidade virtual e sua realidade atual."
(Barros, Munari & Abramowicz, 2017)
Os processos de subjetivação possibilitam um movimento de desterritorialização, uma espécie de desvinculação do corpo com suas amarras, com suas identidades já estabelecidas, seus costumes de como agir e se colocar, seus modos habituais de trânsito, possibilitando a criação de novos processos de territorialização, para novos percursos, no sentido de caminhos que potencializam as experiências.
Na perspectiva rizomática, entende-se o corpo sempre em correlação e coexistência com outros corpos e espaços que habita e transita. Portanto, novos movimentos e conexões possibilitam a estruturação de novos modos de ser a partir dos encontros, agindo sobre a realidade, onde se desterritorializa e se reterritorializa, experimentando assim outras formas de vida.
Por Bruno Carrasco, terapeuta, professor e pesquisador, graduado em Psicologia, licenciado em Filosofia e Pedagogia, pós-graduado em Ensino de Filosofia, Psicoterapia Fenomenológico Existencial e Aconselhamento Filosófico. Nos últimos anos se dedica a pesquisar sobre filosofia da diferença e psicologia crítica.
Referências:
BARROS, G.; MUNARI, S.; ABRAMOWICZ, A. Educação, cultura e subjetividade: Deleuze e a Diferença. Revista Eletrônica de Educação, v.11, n.1, p.108-124, jan./maio, 2017
CASSIANO, M. & FURLAN, R.. O processo de subjetivação segundo a esquizoanálise. Psicologia & Sociedade, 25(2), 372-378, 2013.