A importância da dúvida em Sócrates

Nossa cultura tende a exaltar a inteligência, a memória, a certeza e a convicção como qualidades humanas, características importantes para nosso tempo, o tempo da informação e da comunicação, onde aquele que se destaca não é o mais curioso, mas o que se mostra mais seguro de si, mesmo que não tenha certeza dessa segurança.

Pretendo aqui propor o inverso, exaltar a dúvida e a ignorância. Mas por que exaltar a dúvida, se o que importa em nosso tempo é a certeza? Para que a ignorância, se o mundo nos "bombardeia" de certezas? Há um bom motivo, se defender desse "bombardeio". Somos metralhados por palavras de ordem, modelos de vida, exigências de certeza, e creio que precisamos nos defender disso tudo.

A melhor defesa nem sempre é o ataque, mas pode ser uma revisão do que temos por certeza, para um caminho menos seguro e certo, mas potencialmente mais envolvente, que possibilite outras maneiras de existir. Para isso, precisamos deixar um pouco de lado nossas convicções e o que acreditamos, para podermos abraçar as incertezas, a insegurança, os descaminhos e, especialmente, o risco.

Sócrates, famoso filósofo da Grécia Antiga, foi considerado o mais sábio de seu tempo, tendo influenciado grandes figuras, como PlatãoAristóteles, entre outros. No século V a.C. ele dizia "só sei que nada sei". Mas, por que se declarava ignorante? Pois percebeu que a sabedoria só nos leva a lugares comuns, enquanto a ignorância possibilita transitar por novos e diferentes caminhos.

Aquele que supõe conhecer sobre algo, que demonstra uma grande segurança sobre o que diz, se fecha para novos conhecimentos, pois acredita que não tem nada mais a saber. Sua presunção de saber impede o contato com outros saberes. De maneira oposta, quem admite não saber se abre para a busca de saberes, assim novos entendimentos são possíveis, sendo muito mais potente e criativo.

Para Sócrates, aquele que supõe saber, não sabe que não sabe, pois sua suposição de saber o torna convicto de algo que provavelmente não saiba muito bem. Foi por meio desta "ironia" que o filósofo se colocou a questionar as pessoas sobre o que elas achavam que sabiam. Com suas perguntas ele deixava os interlocutores embaraçados e perdidos, pois colocava em evidência sua ignorância.

Seu objetivo não era ridicularizar as pessoas ou ofender elas. Bem contrário a isso, ele pretendia "salvar" a pessoa de suas supostas certezas. Sim, pois as certezas eram entendidas como algo perigoso para Sócrates, e a ignorância seria o primeiro passo no caminho do conhecimento. Aquele que não admite sua ignorância não poderá buscar o saber, pois se fecha em suas convicções.

Com isso, Sócrates nos ensinou que a dúvida tem um valor superior à certeza, pois ela possibilita o exercício de verificar o que realmente sabemos ou achamos que sabemos. Deste modo, nos abrimos a outros saberes, libertando de nossas falsas opiniões, ao invés de nos guiar por crenças que os outros nos dizem sem questionar.

Para isso, o filósofo grego nos sugeriu a prática do autoexame, para ser feito de tempos em tempos, de modo a rever aquilo que acreditamos, ao invés de apenas seguir o que os outros nos dizem. O autoexame, ou a autoanálise, seria uma prática contínua, um modo de utilizar a filosofia de maneira prática em nosso cotidiano, como um cuidado da alma.

Neste sentido, a dúvida torna-se uma possibilidade de tomarmos contato com algo novo, enquanto as certezas nos encerram, oferecendo apenas caminhos já traçados. É por meio da dúvida que podemos rever a vida que levamos, nos abrindo a novas possibilidades e modos de vida. A partir da dúvida podemos criar algo novo e diferente daquilo que está dado.


Por Bruno Carrasco, terapeuta, professor e pesquisador, graduado em Psicologia, licenciado em Filosofia e Pedagogia, pós-graduado em Ensino de Filosofia, Psicoterapia Fenomenológico Existencial e Aconselhamento Filosófico. Nos últimos anos se dedica a pesquisar sobre filosofia da diferença e psicologia crítica.

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