Autoterapia trata-se de um conjunto de atividades que uma pessoa realiza para lidar com suas emoções e dificuldades, se tornando seu próprio terapeuta, de modo a fazer algo com suas questões e cuidar de sua existência.
"A autoterapia é um processo de tratamento em que o interessado aprende a criar para si mesmo novos hábitos de pensar e de viver."
(Durval Guelfi, em 'Autoterapia')
Por ser uma terapia praticada pela própria pessoa, o resultado depende muito do interesse, disponibilidade e empenho de cada um. Enquanto um processo, demanda algumas atividades específicas: atividades de autopercepção e atividades terapêuticas.
As atividades de autopercepção possuem como intuito tornar a pessoa mais consciente de suas emoções, desejos, dificuldades e modos de vida. As atividades terapêuticas acontecem a partir da escolha dos meios e procedimentos para lidar com suas angústias e dificuldades, bem como ir de encontro a outros modos de vida, mais salutares para si.
Não temos por hábito olhar para nós mesmos, para o que estamos fazendo ou para o modo como nos sentimos fazendo algo, encontrando pessoas, ou frequentando um lugar. Na maior parte do tempo não nos damos conta do que estamos fazendo de nós mesmos, seguimos a vida como algo a ser cumprido, desempenhando papéis, onde acabamos pensando e agindo conforme o modo como aprendemos a fazer, sem muito nos questionar.
Acabamos assim confundindo aquilo que fazemos com aquilo que somos, e assim construímos uma noção de identidade a partir dos lugares que frequentamos e dos papéis que os outros nos atribuem. Essa identidade compõe um modo de atuar consigo e com os outros, um tanto fixa. Porém, a autopercepção depende de um exercício de olhar para nossa existência para além dos papéis que nos são atribuídos, e dos olhares e julgamentos que os outros fazem sobre nós.
Trata-se de olhar a partir de si mesmo, e não pelos olhares de outra pessoa, de uma moral ou de uma religião. Consiste em dar atenção aos nossos sentimentos, emoções e sofrimentos, bem como nossas possibilidades e potências. Precisamos dar voz às emoções e sensações que por vezes não deixamos manifestar, que permanecem como que uma voz presa dentro de nós, que necessita ser dita, que nos possibilita tomar um contato mais profundo com nossos desejos e interesses.
Parece redundante falar em "percepção consciente", ou "ação consciente", como se não tivéssemos consciência do que percebemos ou fazemos, mas há muitos momentos que não percebemos que percebemos e que não nos damos conta do que fazemos ou do que escolhemos, apesar disso, estamos a cada momento traçando os rumos de nossa existência, constituindo a pessoa que estamos sendo.
Quantas vezes olhamos para algo ou alguém e não nos damos conta do que estamos vendo? Quantas vezes tocamos algo sem sentir o toque? Quantas vezes respiramos sem sentir o odor? Bebemos ou comemos algo sem sentir o sabor? Lemos sem pensar? Ouvimos sem escutar? Nos perdemos no dia-a-dia, nas relações com os outros, nas atividades rotineiras que repetimos cotidianamente.
Constatando isso, podemos supor que os hábitos que repetimos de maneira "automática" sejam um problema, mas não são necessariamente. O problema pode surgir quando nossos hábitos cotidianos passam a tomar conta de nós, e nos levam sempre aos mesmos lugares que não gostaríamos mais estar, a nos encontrar com pessoas que não queremos mais conviver, a fazer atividades que não mais desejamos fazer.
O costume pode ser bom e útil, mas quando se torna algo rígido e calcificado passa a carregar algo de nós e impedir o processo de mudança, especificamente nossa condição de "poder-ser", de poder ser sempre algo diferente do que somos, e passamos apenas a repetir e reproduzir as atividades tal como num momento definimos, sem reavaliar se ainda nos são benéficas.
"Está sempre em sua companhia, quer esteja com homens, livros ou paisagens."
(Friedrich Nietzsche, em 'Ecce Homo')
As práticas de autoterapia seriam, portanto, atividades resultantes de uma percepção mais aprofundada sobre suas emoções, pensamentos, interesses e desinteresses. Trata-se de perceber e escolher novas atividades a partir de uma percepção mais ampliada sobre si, buscando assim fazer algo de si, experimentando outras maneiras de lidar com suas questões e dificuldades. A autoterapia consiste justamente em escolher outros modos de vida, mais saudáveis para si.
Referências:
GUELFI, Durval. Autoterapia: você é seu terapeuta. Autopublicação, 2000.
NIETZSCHE, Friedrich. Ecce homo: como alguém se torna o que é. Tradução: Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.