O livro 'A Teoria Crítica', escrito por Marcos Nobre, apresenta alguns dos princípios fundamentais da Teoria Crítica e da Escola de Frankfurt, elaborados por Horkheimer e colaboradores. Destaca as diferenças entre a teoria tradicional e crítica, apontando a matriz teórica do materialismo de Karl Marx como referência, bem como sua atualização e uso interdisciplinar. Acrescenta ainda a perspectiva comunicativa de Habermas.
Alguns fragmentos do livro:
Teoria Crítica tem sempre como uma de suas mais importantes tarefas a produção de um determinado diagnóstico do tempo presente, baseado em tendências estruturais do modelo de organização social vigente, bem como em situações históricas concretas, em que se mostram tanto as oportunidades e potencialidades para a emancipação quanto os obstáculos reais a ela. Com isso, tem-se um diagnóstico do tempo presente que permite então, também, produção de prognósticos sobre o rumo do desenvolvimento histórico. Esses prognósticos, por sua vez, apontam não apenas para a natureza dos obstáculos a serem superados e seu provável desenvolvimento no tempo, mas para ações capazes de superá-los. Sendo assim, a teoria crítica não pode se confirmar senão na prática transformadora das relações sociais vigentes. As ações a serem empreendidas para a superação dos obstáculos à emancipação constituem-se em um momento da própria teoria.
A Teoria Crítica. Essa expressão, tal como é conhecida hoje, surgiu pela primeira vez como conceito em um texto de Max Horkheimer (1895-1973) de nome “Teoria Tradicional e Teoria Crítica”, de 1937.
havia que se tentar compreender a forma do capitalismo sob o arranjo social que se convencionou chamar de “Estado de bem-estar social”, as novas formas de produção industrial da cultura e da arte, a natureza das novas formas de controle social e dos novos métodos quantitativos de pesquisa social, o papel da ciência e da técnica, além do trabalho em torno de temas clássicos da filosofia e da teoria social. Esses são alguns dos principais temas do que se convencionou chamar de “Escola de Frankfurt”.
Escola de Frankfurt designa antes de mais nada uma forma de intervenção político-intelectual (mas não partidária) no debate público alemão do pós-guerra, tanto no âmbito acadêmico como no da esfera pública entendida mais amplamente.
Como se pode ver, é característica fundamental da Teoria Crítica (tanto em sentido amplo como em sentido restrito) ser permanentemente renovada e exercitada, não podendo ser fixada em um conjunto de teses imutáveis.
O capitalismo é uma forma histórica que se caracteriza por organizar toda a vida social em torno do mercado. Em contraste com todas as formas históricas anteriores, o mercado capitalista não é simplesmente um elemento social entre muitos outros, mas é o centro para o qual convergem todas as atividades de produção e de reprodução da sociedade. Por isso, a tarefa primordial da Teoria Crítica desde sua primeira formulação na obra de Marx é a de compreender a natureza do mercado capitalista. Compreender como se estrutura o mercado e de que maneira o conjunto da sociedade se organiza a partir dessa estrutura significa, simultaneamente, compreender como se distribui o poder político e a riqueza, qual a forma do Estado, que papéis desempenham a família e a religião, e muitas outras coisas mais.
É com base nas tendências estruturais da lógica social do capitalismo e no exame dos arranjos históricos concretos em que essa lógica se expressa - com base no diagnóstico do presente, portanto - que se desenham as perspectivas do sentido do desenvolvimento histórico - os prognósticos, em suma - que orientam o sentido das ações transformadoras por empreender.
a teoria é tão importante para o campo crítico que o seu sentido se altera por inteiro: não cabe a ela limitar-se a dizer como as coisas funcionam, mas sim analisar o funcionamento concreto delas à luz de uma emancipação ao mesmo tempo concretamente possível e bloqueada pelas relações sociais vigentes.
A orientação para a emancipação é o primeiro princípio fundamental da Teoria Crítica.
a orientação para a emancipação exige que a teoria seja expressão de um comportamento crítico relativamente ao conhecimento produzido sob condições sociais capitalistas e à própria realidade social que esse conhecimento pretende apreender. Esse comportamento crítico é o segundo princípio fundamental da Teoria Crítica.
Esse ponto de vista permite identificar as tendências estruturais do desenvolvimento histórico e seus arranjos concretos da perspectiva das potencialidades e dos obstáculos à emancipação.
Segundo Horkheimer, a perspectiva tradicional de teoria, pretendendo simplesmente explicar o funcionamento da sociedade, termina por adaptar o pensamento à realidade. Em nome de uma pretensa neutralidade da descrição, a Teoria Tradicional resigna-se à forma histórica presente da dominação. Em uma sociedade dividida em classes, a concepção tradicional acaba por justificar essa divisão como necessária.
Se a realidade social é o resultado da ação humana, esta se dá, por sua vez, no contexto de estruturas históricas determinadas, de uma dada forma de organização social. Desse modo, o primeiro passo é o de investigar essas estruturas, de maneira a descobrir quais são as condições históricas em que se dá a ação. Ao fixar a separação entre conhecer e agir, entre teoria e prática, segundo um método estabelecido a partir de parâmetros da ciência natural moderna, a teoria tradicional expulsa do seu campo de reflexão as condicionantes históricas do seu próprio método. Se todo conhecimento produzido é, entretanto, historicamente determinado (mutável no tempo, portanto), não é possível ignorar essas condicionantes senão ao preço de permanecer na su-perfície dos fenômenos, sem ser capaz, portanto, de conhecer por inteiro suas reais conexões na realidade social.
na concepção tradicional de teoria, o método é transformado em uma instância atemporal, de maneira a tentar eliminar o cerne histórico que lhe é, entretanto, constitutivo. Contra isso insurge-se o comportamento crítico, que pretende conhecer sem abdicar da reflexão sobre o caráter histórico do conhecimento produzido.
a Teoria Crítica irá interpretar todas as rígidas distinções em que se baseia a Teoria Tradicional (como “conhecer”, “agir”, “ciência”, “valor” e tantas outras) como indícios da incapacidade da concepção tradicional de compreender a realidade social em seu todo. O método tradicional, ao tomar essas cisões como dadas e não como produtos históricos de uma formação social, não é capaz de explicar satisfatoriamente por que elas seriam, afinal, necessárias. A Teoria Crítica, ao contrário, mostra que tais divisões rígidas são características de uma sociedade dividida, ainda não emancipada.
Como já visto, é característica da Teoria Crítica a permanente renovação, o debruçar-se sobre um conjunto de problemas e perguntas que cabe atualizar a cada vez, segundo cada situação histórica particular.
Historicamente, entretanto, o grande projeto de emancipação da razão humana esteve sempre colocado na determinação racional dos fins, ou seja, no debate e na efetivação daqueles valores jul-gados belos, justos e verdadeiros. No capitalismo administrado, a razão se vê reduzida a uma capacidade de adaptação a fins previamente dados de calcular os melhores meios para alcançar fins que lhe são estranhos. Essa racionalidade é dominante na sociedade não apenas por moldar a economia, o sistema político ou a burocracia estatal, ela também faz parte da socialização, do processo de aprendizado e da formação da personalidade.
Horkheimer e Adorno empreenderam, na Dialética do Esclarecimento, uma investigação sobre a razão humana de amplo espectro. Seu objetivo foi o de buscar compreender por que a racionalidade das relações sociais humanas, ao invés de levar à instauração de uma sociedade de mulheres e homens livres e iguais, acabou por produzir um sistema social que bloqueou estruturalmente qualquer possibilidade emancipatória e transformou os indivíduos em engrenagens de um mecanismo que não compreendem e não dominam e ao qual se submetem e se adaptam, impotentes. Esse problema mais geral se traduz na tarefa de compreender como a razão humana acabou por restringir-se historicamente à sua função instrumental, cuja forma social concreta é a do mundo administrado.
Sendo assim, a racionalidade como um todo reduz-se a uma função de adaptação à realidade, à produção do conformismo diante da dominação vigente.
Cada exame de cada modelo crítico vem carregado também de novos problemas e perguntas, exatamente no espírito de permanente renovação e atualização que caracteriza essa teoria.
Fonte:
NOBRE, Marcos. A Teoria Crítica. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.