Melancolia, Edvard Munch, 1894 |
A terapia existencial não tem como intuito explicar ou ajustar modos de vida de uma pessoa, mas compreender a existência em sua singularidade, captando suas maneiras de sentir, perceber e se expressar, sem reduzir estas em classificações diagnósticas. O sofrimento emocional, nesta perspectiva, costuma ser entendido como resultante de dificuldades da pessoa em fazer escolhas autênticas. Por isso, essa terapêutica prioriza a tomada de contato com as angústias e desejos, possibilitando uma maior liberdade sobre sua existência.
O terapeuta existencial não classifica a pessoa a partir de uma noção de "doença" ou "transtorno", pois entende que tal classificação reduz e limita sua aproximação com a pessoa atendida, mas se esforça para compreender esta de uma maneira mais ampla, enquanto um ser em relação com outras pessoas, espaços e contextos, com uma história e valores específicos. A tomada de contato com a pessoa acontece por meio de sua própria existência, em sua totalidade, ao invés de seu funcionamento mental ou comportamental.
Tendo como prerrogativas a liberdade, a angústia e a responsabilidade como características da condição humana, o terapeuta existencial entende que as inseguranças, incertezas, frustrações e perdas fazem parte do existir humano. Nem sempre podemos escolher o que nos acontece, mas podemos sempre optar sobre como reagir e lidar com as situações que nos acontecem. Porém, muitas vezes não nos percebemos responsáveis por nossa existência, acabamos deixando esta a encargo de outros, negando assim nossa liberdade de escolha.
"O mais importante não é o que fizeram de mim, mas o que eu faço com o que fizeram de mim."
(Jean-Paul Sartre)
Como a existência não possui uma predeterminação, há sempre a possibilidade de fazer algo dela, essa possibilidade nos gera angústia, pois nunca saberemos qual o melhor caminho a seguir, ou qual a melhor escolha a ser feita. Nos sentimos angustiados de uma maneira mais intensa em momentos de perdas, rompimentos, mudanças de trabalho ou cidade e períodos de transição. Entende-se que a angústia pode se tornar algo muito doloroso e intenso se não houver um confronto com a própria existência.
A angústia nos coloca na posição de confrontar a nós mesmos, diante do que estamos fazendo de nossa existência, e do que pretendemos fazer com ela. Assim, possibilita rever nossas escolhas e fazer novas. Quando negamos essa possibilidade de fazer escolhas, ou minimizamos a responsabilidade por nossas escolhas, acabamos nos conformando com a vida, e não nos percebemos co-autores de nossa existência. É justo esta capacidade de fazer algo de sua existência que o terapeuta existencial busca resgatar.
A terapia existencial não toma a "perturbação" como foco de sua intervenção, mas visa a compreensão dos distintos modos de existir de uma pessoa, se opondo às classificações psiquiátricas, pois estas fragmentam a totalidade da existência. Entende que a intervenção baseada nas classificações da existência em "perturbações mentais" reduzem a complexidade da existência em categorias generalistas, deixando de lado sua singularidade e peculiaridades.
Portanto, a pessoa nunca é entendida como "ansiosa", "depressiva" ou "fóbica", mas a partir do conjunto de experiências que compõem seus modos de ser, em seu aspecto singular de se colocar e se expressar no mundo, sempre em relação com contextos, lugares e outras pessoas. Não há como determinar o que é saudável ou doentio para uma pessoa antes do contato com esta, pois o que é saudável para uma pessoa pode não ser para outra. Pode-se tomar contato com as experiências de uma pessoa e buscar algo novo e distinto ao nível singular.
O sofrimento emocional pode ser entendido, na perspectiva existencial, como uma dificuldade da pessoa em fazer escolhas por si mesma, ou de se responsabilizar por suas escolhas, se guiando por regras externas e culpabilizando os outros por escolhas mal sucedidas. Também pode ser resultante de quanto não lida com suas frustrações, se colocando dependente de outra pessoa para guiar ou orientar sua vida, atribuindo maior importância ao que os outros pensam e dizem sobre si ao invés de se importar com o modo como se sente.
A saúde existencial envolve uma disposição para fazer escolhas mais coerentes, se responsabilizando por elas, experimentando a vida com maior flexibilidade e não como algo pronto e fixado, entendendo que as coisas podem não ocorrer da maneira como esperávamos que fosse, apreciando o desenrolar das coisas ao invés de buscar uma rigidez, entendendo os valores externos como possibilidades e não como regras a serem seguidas, exercitando e percebendo melhor o que lhe faz bem e o que não faz, se colocando aberto a novas e distintas experiências.
Por Bruno Carrasco, terapeuta, professor e pesquisador, graduado em Psicologia, licenciado em Filosofia e Pedagogia, pós-graduado em Ensino de Filosofia, Psicoterapia Fenomenológico Existencial e Aconselhamento Filosófico. Nos últimos anos se dedica a pesquisar sobre filosofia da diferença e psicologia crítica.
ANGERAMI, Valdemar. Psicoterapia Existencial. São Paulo: Pioneira. 1993.
SARTRE, Jean-Paul. O Existencialismo é um Humanismo. Petrópolis: Vozes, 2014.