O filósofo e fenomenólogo francês Maurice Merleau-Ponty (1908-1961) tomou a percepção como ponto de partida de seus estudos, desenvolvendo uma análise do existente em sua relação com o mundo anterior ao conhecimento.
Merleau-Ponty colocou em questão nossa condição de ser no mundo a partir do corpo e da experiência perceptiva por este mediada, engendrando um projeto filosófico existencial de reabilitação do sensível na filosofia, que havia se enveredado pela tendência racionalista, tomando como inspiração a fenomenologia de Edmund Husserl (1859-1938) como método para compreender as distintas qualidades da existência humana.
Segundo ele, nosso corpo nos possibilita estar no mundo antes de qualquer ideia preconcebida, entendendo a percepção enquanto um contato originário com o mundo, que acontece por meio do corpo. Tomando o corpo como ponto de partida, o sentido de sermos no mundo se constitui a partir de nossa condição existencial de um corpo que percebe.
Antes da reflexão da mente sobre o corpo, há uma reflexão do corpo sobre si próprio. A abertura para o mundo acontece via percepção a partir do corpo, onde se entrelaçam diversos movimentos que estabelecem uma relação com o mundo, um conjunto de correspondências vividas. Nosso campo perceptivo é um campo existencial, que constituiu da presença daquilo que aparece.
"Toda percepção é realização de um corpo situado radicalmente no mundo. Quando se lança o olhar para ver alguma coisa, a visão que nasce desse olhar é sempre a partir de um lugar em que o corpo está situado."
(Iraquitan Caminha, em '10 lições sobre Merleau-Ponty')
Deste modo, a experiência perceptiva é uma aproximação, um contato com as coisas mesmas, do modo como se dão. Não se trata de um conteúdo objetivo nem científico, mas o modo como as coisas aparecem a partir das experiências vividas por um corpo no mundo-da-vida no ato de perceber, que acontece anterior à qualquer reflexão filosófica ou científica.
A experiência perceptiva é, ao mesmo tempo, uma maneira de acessar a presença concreta de algo e uma experiência sensível, própria do sujeito que a vivencia. A percepção se faz no mundo e na pessoa que percebe, a partir da experiência do perceber. Portanto, sua fenomenologia visa retomar a experiência do perceber as coisas sem que estejam separadas do contato com o mundo, mediada pelo corpo.
Essa experiência perceptiva envolve a motricidade, a espacialidade, a expressividade, a alteridade, o sentir, o comportamento, a subjetividade, a linguagem e o pensamento, ambos vivenciados pelo corpo próprio que forma com o mundo um sistema. O corpo é entendido como uma unidade dinâmica que se abre ao mundo por meio da percepção, uma inserção do existente nas paisagens do mundo.
A fenomenologia, enquanto atitude, ou disposição, é contrária a qualquer verdade pronta ou estabelecida, nos habilitando a descrever o fenômeno imediatamente percebido, do modo como aparece. Para Merleau-Ponty, a filosofia se caracteriza pelo inacabamento, sendo sempre uma nova mirada, evitando cristalizar o pensamento num sistema acabado e fechado.
“A verdadeira filosofia consiste em reaprender a ver o mundo.”
(Merleau-Ponty, em 'Fenomenologia da Percepção')
Por Bruno Carrasco, terapeuta, professor e pesquisador, graduado em Psicologia, licenciado em Filosofia e Pedagogia, pós-graduado em Ensino de Filosofia, Psicoterapia Fenomenológico Existencial e Aconselhamento Filosófico. Nos últimos anos se dedica a pesquisar sobre filosofia da diferença e psicologia crítica.
ARANHA, M.L.; MARTINS, M.H. Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 2009.
CAMINHA, Iraquitan de Oliveira. 10 lições sobre Merleau-Ponty. Petrópolis, RJ: Vozes, 2019.
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2002.
MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da Percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1999.