Psicopatologia é um campo de estudos que se ocupa do sofrimento psíquico, buscando compreender o sofrimento mental e emocional a partir da observação da fala, dos comportamentos, da cognição e dos fenômenos psíquicos. Trata-se do estudo científico sobre as alterações psicológicas da mente e das emoções. Podemos dividir a psicopatologia didaticamente em três grandes tendências: descritivas, explicativas e dinâmicas.
As descritivas visam descrever e categorizar as experiências patológicas, detalhando a forma das alterações psíquicas e a estrutura dos sintomas. As explicativas se utilizam de teorias e pesquisas experimentais para entender às causas e origens das enfermidades. Já as dinâmicas se interessam pela experiência singular da pessoa em sofrimento, seus afetos, desejos e receios, que não são necessariamente classificáveis em sintomas previamente descritos.
Apesar da perspectiva biomédica ser hegemônica, ela não é a única, pois não há apenas uma maneira de entender os fenômenos psíquicos, mas distintas perspectivas. O psiquiatra, psicólogo e professor Serban Ionescu (1938-), escreveu um livro onde apresentou quatorze perspectivas de psicopatologia, que correspondem a diferentes maneiras possíveis de compreender e lidar com o sofrimento mental e emocional, veremos um breve apontamento de algumas delas.
Psicopatologia biológica: entende os distúrbios mentais enquanto enfermidades cerebrais, causados por alterações no sistema nervoso, seja por um agente externo, um mau funcionamento de algum órgão ou um trauma. Enfatiza os aspectos cerebrais, neuroquímicos ou neurofisiológicos, entendendo que o transtorno mental é resultante de alterações nos mecanismos neurais e determinadas áreas de circuitos cerebrais. Também chamada de perspectiva médico-naturalista, entende o adoecimento mental como uma desregulação e disfunção do aparelho biológico.
Psicopatologia experimental: abordagem que se dedica ao estudo experimental do comportamento patológico, termo utilizado inicialmente pelo fisiologista russo Ivan Pavlov, que trata apenas dos comportamentos observáveis, passíveis de serem registrados e quantificados, se dedicando a aspectos específicos da experiência humana, como a percepção, a memória, a sensação, a aprendizagem, a decisão e as reações emocionais.
Psicopatologia comportamental: entende que os comportamentos são adquiridos e mantidos por meio da aprendizagem, resultante do ambiente que o sujeito vive, rejeitando as causas internas. A partir da análise, busca-se encontrar as condições ambientais que precedem, acompanham ou mantêm os comportamentos. A pessoa é entendida como um conjunto de comportamentos que são observáveis e verificáveis, são regulados por estímulos específicos e gerais.
Psicopatologia cognitivista: entende que os comportamentos são determinados pelos modos de entender e pensar, os transtornos mentais são entendidos como resultantes do modo como a pessoa percebe a si mesma e seu entorno. Entende a mente como um sistema de processamento de informações que recebe, seleciona, transforma, armazena e recupera informações, onde os sintomas são vistos como resultantes de um mau funcionamento desse sistema ou de representações cognitivas disfuncionais, que são aprendidos e reforçados por meio da experiência social e familiar.
Psicopatologia existencialista: busca compreender a pessoa a partir de sua existência, suas emoções e afetos, ao invés de utilizar teorias explicativas. Entende que cada pessoa se constitui na relação com o mundo, com as outras pessoas e consigo mesma, fazendo escolhas a todo momento. Coloca em questão as distinções entre normalidade e patologia, onde a "patologia" pode ser um modo de existir singular. A doença mental não é compreendida como uma disfunção biológica ou psicológica, mas como um modo particular de existência, que pode ser avaliada pela própria pessoa, atuando sobre sua existência.
Psicopatologia fenomenológica: compreende uma atitude que se coloca a descrever aquilo que aparece na relação entre o terapeuta e a pessoa em atendimento, sem qualquer teorização sobre a pessoa, deixando de lado quaisquer entendimentos prévios sobre a pessoa e seu funcionamento, de modo a acessar seus modos de ser e se colocar no mundo. Utiliza como referência as filosofias de Edmund Husserl, Martin Heidegger, Jean-Paul Sartre e Merleau-Ponty.
Psicopatologia psicanalítica: parte da premissa de que o inconsciente é o lugar onde a pessoa armazena seus traumas e desejos proibidos que se constituíram durante a infância, e que retornam na vida adulta. A pessoa é entendida enquanto determinada pelas forças, desejos e traumas inconscientes, onde os sintomas e o sofrimento emocional são considerados expressões de seus conflitos internos. A terapia consiste em tomar contato com os conteúdos inconscientes a da associação livre, de modo a elaborar tais sofrimentos, possibilitando uma amenização nas dores por eles causadas.
Psicopatologia social: entende que os fatores sociais e culturais podem gerar condições psicopatológicas, dando importância para as relações da pessoa com seu meio. Os transtornos mentais se originam em determinadas condições socioculturais, como a discriminação, a pobreza, a migração, o estresse ocupacional, a desmoralização sociofamiliar, entre outros. Os sintomas são estudados em seu contexto sociocultural, simbólico e histórico. A cultura, nessa perspectiva, é fundamental na determinação do normal e do patológico, conforme os repertórios de cada sociedade.
Psicopatologia crítica: essa perspectiva não pretende ser um enfoque, mas uma avaliação crítica sobre as manifestações psicopatológicas, colocando em questão os fundamentos filosóficos, morais e ideológicos que sustentam as tendências hegemônicas em psicopatologia, buscando ir além dessas perspectivas.
Perspectiva ateórica: perspectiva que se desvincula das tendências teóricas, desconsiderando as manifestações subjetivas em favor apenas do observável e quantificado.
Perspectiva evolucionista: entende a patologia a partir do ponto de vista da biologia evolucionista, buscando identificar e compreender os distúrbios psiquiátricos a partir das funções adaptativas da pessoa.
Perspectiva desenvolvimentista: procura compreender os desvios do desenvolvimento da pessoa a partir do desenvolvimento típico.
Perspectiva estruturalista: procura compreender as estruturas da constituição psicopatológica.
Além dessas, há muitas outras, como a psicopatologia categorial, que entende ser possível compreender os transtornos mentais enquanto entidades individualizáveis, com contornos e fronteiras bem demarcadas, visando a identificação precisa delas. Contrapondo esta, a perspectiva dimensional visa compreender as distintas dimensões do sofrimento mental e emocional, considerando que variam desde sintomas leves, medianos até graves.
Apesar das distintas perspectivas em psicopatologia, o modelo utilizado pelas modernas classificações de transtornos mentais, como o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) e a Classificação Internacional de Doenças (CID), são meramente operacionais, onde as definições dos transtornos mentais e dos sintomas são formuladas de modo arbitrário, a partir de sua utilidade pragmática, clínica ou de pesquisa, deixando de lado o questionamento sobre a origem dos sintomas.
O DSM é um manual para profissionais da área da saúde mental que lista categorias de transtornos mentais, surgiu em 1952, nos Estados Unidos, visando à universalidade, ampliando seu domínio para o mundo. De tempos em tempos surgem novas versões: DSM-II (1968), DSM-III (1979), DSM-III-R (1986), DSM-IV (1994), DSM-IV-TR (2000) e o DSM-V (2013). Este manual oferece uma classificação categórica, um paciente com maior aproximação a uma das classificações é entendido portador de um transtorno.
Diante de tantas possibilidades de entendimento da psicopatologia, fica a cargo de cada profissional estabelecer os critérios e as circunstâncias para escolher a melhor perspectiva em psicopatologia. É importante deixar claro que não há como reduzir por completo a experiência complexa de cada ser humano em conceitos psicopatológicos, inclusive o entendimento da psicopatologia é apenas uma das possibilidades de se compreender uma pessoa em sofrimento mental ou emocional, não a única.
Por Bruno Carrasco, terapeuta, professor e pesquisador, graduado em Psicologia, licenciado em Filosofia e Pedagogia, pós-graduado em Ensino de Filosofia, Psicoterapia Fenomenológico Existencial e Aconselhamento Filosófico. Nos últimos anos se dedica a pesquisar sobre filosofia da diferença e psicologia crítica.
IONESCU, Serban. Quatorze abordagens de psicopatologia. 2ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.