Alternativas à psiquiatria tradicional

Casas em Murnau, Wassily Kandinsky, 1909

Existem diversas perspectivas em psiquiatria e psicopatologia, algumas delas são mais frequentemente utilizadas, como a biológica e a psicodinâmica, sendo as tendências mais hegemônicas, o que faz parecer que são as únicas maneiras possíveis de se entender e lidar com o sofrimento mental ou emocional. Porém, há muitas outras possibilidades de atuações possíveis, que compõem as alternativas à psiquiatria tradicional.

Uma delas é a Psicoterapia Institucional, que se iniciou na França, na década de 1950, com François Tosquelles (1912-1994), Jean Oury (1924-2014) e Félix Guattari (1930-1992), colocada em prática nos hospitais de Saint-Alban e La Borde. Essa perspectiva partia de algumas referências da psicanálise de Sigmund Freud (1856-1939) para analisar o campo político e social. Guattari entendia que as questões individuais remetiam a relações micropolíticas influenciadas pelo capitalismo.

Alguns anos depois, Guattari se associou com o destacado filósofo francês Gilles Deleuze (1925-1995), juntos eles publicaram diversas obras, onde as mais destacadas são o Anti-Édipo (1972) e Mil Platôs (1980). Nestas obras, os autores entendem que o inconsciente comporta estruturas repressivas sociais e políticas, desenvolvendo temas, questões e delírios que não são somente da família, mas da empresa, da escola e do bairro, contrariando a perspectiva edipiana original.

Ainda na década de 1950, Gerald Caplan (1938-) elaborou e colocou em prática a Psiquiatria Comunitária e Preventiva, nos Estados Unidos, por volta dos anos 1950, fazendo um mapeamento das pessoas mais suscetíveis aos transtornos mentais, visando reduzir o número de distúrbios, a duração e a deterioração que o distúrbio poderia causar. A prevenção primária foi incluída em sua prática, concebendo o sofrimento mental e emocional como um problema da comunidade, não apenas do indivíduo.

Caplan entendia que o comportamento perturbado era uma resposta do indivíduo ao ambiente hostil onde este vivia, seja na família, no bairro ou no trabalho. Segundo ele, um ambiente violento faria com que a agressividade externa se internalizasse na pessoa, gerando transtornos psíquicos futuros. Neste período, muitos dos psiquiatras entendiam que a sociedade industrial e todo um novo modo de vida com a industrialização poderia estar enlouquecendo muitas pessoas.

No Brasil, a médica psiquiatra brasileira Nise da Silveira (1905-1999) decidiu utilizar a arte como recurso terapêutico, praticando uma forma de arteterapia. Segundo ela, por meio da arte o paciente pode expressar suas dores e delírios, se integrando com o mundo e os outros. Ela foi responsável pela criação do Museu de Imagens do Inconsciente, em 1952, no Centro Psiquiátrico Nacional do Rio de Janeiro, para expor as obras de pacientes com transtornos mentais.

Na década de 1970, os psiquiatras Ronald Laing (1927-1989), David Cooper (1931-1986) e Aaron Esterson (1923-1999) foram responsáveis pelo movimento da Antipsiquiatria, criticando as perspectivas tradicionais em psiquiatria e buscando novas perspectivas sobre a esquizofrenia, utilizando como fundamentos a fenomenologia existencial. Muitos deles entendiam a psicose como um dispositivo para suportar uma situação social pesada e difícil.

Ronald Laing criou uma comunidade terapêutica em Kingsley Hall, em Londres, utilizando referências teóricas da filosofia de Jean-Paul Sartre (1905-1980). Segundo ele, o esquizofrênico cria um "falso eu" para encontrar aprovação social, se iniciando na família, onde seu "eu" da pessoa permanece dividido ou reprimido, por não ter se desenvolvido. O surto esquizofrênico seria uma viagem da pessoa para seu interior, buscando refúgio para romper com uma vida que está insuportável há muito tempo.

Em sua perspectiva, a loucura não precisa ser entendida como um colapso total, mas como uma possibilidade de transformação. Deste modo, a crise pode ser positiva, fazendo com que a pessoa aprenda e construa outras maneiras de se relacionar consigo mesma e com os outros, mais salutares e interessantes. Porém, nem todas as pessoas conseguem se apropriar dessa situação e acabam sofrendo em seu delírio.

Segundo Laing, a psiquiatria tradicional costuma se posicionar de maneira intolerante para com o delírio, operando geralmente sua repressão, suprimindo a possibilidade da pessoa aprender sobre si mesma e buscar novos caminhos para a sua vida, fazendo com que esta se perca cada vez mais. Por isso, o tratamento oferecer um ambiente acolhedor ao sofrimento, com respeito à diferença do paciente e seu direito de viver de seu modo.

O sofrimento emocional era entendido por Laing como uma maneira da pessoa tentar lidar com os dilemas de sua vida, suas angústias e questões, buscando encontrar outras maneiras para reagir ao sofrimento. Para ele, a terapia teria a função de possibilitar esse processo, sem encaixar a pessoa em modelos convencionais, aceitando a pessoa em sua singularidade.

David Cooper (1931-1986), autor do livro Psiquiatria e Antipsiquiatria (1967), também proporcionou uma experiência diferenciada de psiquiatria na clínica Villa 21, em Londres, abolindo a distinção entre médicos, enfermeiras e pacientes, deixando de lado o paternalismo, permitindo que os pacientes se organizassem de seu modo, estimulando para que se tornassem agentes de suas vidas.

O psiquiatra belga Mony Elkaïm (1941-2020)se aproximou do movimento da antipsiquiatria, entendendo que a terapia deveria envolver uma relação familiar e social, e o tratamento seguir a tendência de uma democracia participativa, criando redes alternativas à psiquiatria tradicional, para que as pessoas pudessem exercitar a autogestão de seus problemas psíquicos.

Segundo ele, a sociedade deveria encontrar alternativas para modificar os mecanismos que aumentam sofrimento, levando a pessoa ao especialista somente em último caso, sendo este com papel de auxiliar no processo de encontrar alternativas ao sofrimento, tornando esta acessível a qualquer pessoa que queira fazer parte e colaborar. 

Talvez um dos mais radicais foi o psiquiatra húngaro Thomas Szasz (1920-2012), autor de obras como O Mito da Doença Mental (1961) e Fabricação da Loucura (1970), se tornou o maior crítico da psiquiatria nos Estados Unidos, se colocando totalmente contra ao abuso da psiquiatria sobre as pessoas e contrário à medicalização da vida, entendendo que a noção de "doença mental" é utilizada como forma de controle social.

Segundo Szasz, o internamento do paciente não é feito para seu benefício, mas para o benefício das pessoas que se sentem amedrontadas e ameaçadas por seu comportamento diferenciado. Assim, a internação tem a função de proteger os "normais" dos "não-normais", e a psiquiatria opera um controle social disfarçado pelo rótulo de “tratamento”, sustentando uma violência contra os diferentes, e chamando isso de "tratamento".

O sociólogo estadunidense Thomas Scheff (1929-) realizou diversos estudos sobre a sociologia da doença mental, incluindo estudos sobre o mundo emocional e relacional da doença mental e da violência coletiva. Com influências de Thomas Szasz, ele criou uma escola de Terapia Radical, com uma forte crítica aos modos de vida na sociedade capitalista e às práticas da psiquiatria tradicional.

O cientista social canadense Erving Goffman (1922-1982) se dedicou ao estudo do que chamou de Instituições Totais, onde a pessoa é internada e permanece por dias, meses e até mesmo anos, como acontece em prisões, conventos, internatos e hospitais psiquiátricos. Segundo ele, a instituição exerce um controle total sobre a pessoa, sobre seus horários, sua vestimenta, sua alimentação e lazer.

De acordo com Goffman, nas instituições psiquiátricas, o rótulo de "doente" atribuído a pessoa diagnosticada acaba fazendo parte da vivência e da personalidade da pessoa, modificando sua experiência e relações consigo mesma e com os outros. O paciente internado passa a ajustar sua vida e suas atividades aos modelos da instituição, perdendo sua identidade para se acoplar aos modos de ser que a instituição espera dele.

O psiquiatra italiano Franco Basaglia (1924-1980) criou uma proposta de Psiquiatria Democrática, pretendendo fazer do hospital uma comunidade humana e democrática. Ele também colaborou intensamente para a reforma psiquiátrica italiana, defendendo maior liberdade aos pacientes, afrouxando os horários, diminuindo os remédios, permitindo a visitação livre e abolindo as camisas de forças e contenção.

Segundo Basaglia, os hospitais psiquiátricos não eram lugares de tratamento e não estavam curando as pessoas, eram apenas asilos e depósitos de pessoas rejeitadas. Em seu trabalho propôs uma intensa comunicação entre paciente e terapeuta, numa relação de maior envolvimento entre ambos, possibilitando uma assistência às pessoas nos momentos de crise.

Além disso, também realizou ma intensa atuação com a comunidade, para que se familiarizassem com os pacientes e seus distúrbios, entendendo que não eram necessariamente perigosos, mas apenas diferentes. Um de seus intuitos era soltar os loucos e acabar com os hospícios, para isso a população deveria ser mais receptiva com os diferentes, o tratamento teria de acontecer também no meio social, não apenas na clínica psiquiátrica.


Por Bruno Carrasco, terapeuta, professor e pesquisador, graduado em Psicologia, licenciado em Filosofia e Pedagogia, pós-graduado em Ensino de Filosofia, Psicoterapia Fenomenológico Existencial e Aconselhamento Filosófico. Nos últimos anos se dedica a pesquisar sobre filosofia da diferença e psicologia crítica.

Referências:
HEATHER, Nick. Perspectivas Radicais em Psicologia. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1977.
OBIOLS, Juan. Psiquiatria e Antipsiquiatria. Trad.: José Antonio Barata. Rio de Janeiro: Salvat, 1981.
SERRANO, Alan Indio. O que é Psiquiatria Alternativa. São Paulo: Brasiliense, 1992.

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