Positivismo e Psicologia

Positivismo é uma perspectiva filosófica que defende o uso dos métodos e princípios das ciências naturais sobre os problemas e questões humanas, exercendo forte influência sobre a psicologia e as ciências humanas. O termo foi criado pelo filósofo francês Augusto Comte (1798-1857), que tinha o desejo de ver a sociedade organizada de maneira sistemática e racional.

A ciência e a filosofia moderna, que despontam no século XVII em diante tinham o intuito de conhecer e classificar a natureza e os fenômenos naturais para melhor controlar e obter vantagens sobre ela. A partir do século XIX, esse conhecimento sobre a natureza se direciona para o ser humano, visando entender seu funcionamento para melhor controlar e tirar vantagens sobre ele.

Segundo Comte, a psicologia deveria seguir os métodos das ciências naturais (física, química e biologia), para ser reconhecida como ciência. Essa atitude de classificação e controle acabou direcionando o modo como pensamos o ser humano, fazendo da ciência uma autoridade atua diretamente sobre a vida, acreditando-se capaz de solucionar os problemas e dificuldades dos seres humanos.

Na Idade Moderna, a religião e os sacerdotes perdem a importância que tinham na Idade Média, passando a ter mais importância a ciência e os cientistas, se tornando aqueles que detêm a "verdade" sobre o mundo e sobre o ser humano. Assim, passamos a entender que todas as características dos seres humanos podem ser explicadas segundo um olhar científico e supostamente "neutro".

"A ciência não pode ser encarada nem como um fenômeno natural nem mesmo como um fenômeno cultural como os outros. Ela não é um objeto natural, um objeto dado; é uma produção cultural, um objeto construído, produzido."
(Roberto Machado, em "Foucault, a ciência e o saber")

Os saberes científicos que vão sendo produzidos no final do século XIX em diante foram financiados por pessoas que detinham poder político e econômico, com o intuito de manter seus próprios interesses e valores sobre as outras pessoas. A ciência que se supõe "neutra", é na realidade patrocinada por pessoas com interesses e valores específicos, para manter a sociedade funcionando em seu favor.

As questões sobre a ética, temas morais e reflexões metafísicas foram deixadas de lado das pesquisas e produção de saberes científicos, consideradas não-científicas pela perspectiva positivista. Os únicos enunciados aceitáveis passaram a ser os enunciados científicos, que poderiam ser objetivamente verificados em condições específicas de laboratório ou em ambientes controlados.

Esse processo em que a psicologia se tornou uma disciplina científica acompanhou uma separação entre o mundo da ciência e o mundo da vida, onde os cientistas passaram a se ater prioritariamente aos fatos e comportamentos observáveis, visando encontrar suas regularidades e estabelecer uma norma. Assim a ciência passou a medir o mundo e os seres humanos a partir de seus critérios e classificações.

Com base nesses paradigmas foram criadas as avaliações de conhecimento e os testes psicométricos, a partir das regularidades da normatividade, entendida como um padrão científico, que desconsidera as diferenças e as singularidades, pois o método positivista prioriza as constâncias e as repetições, entendendo o comportamento humano como algo analisável e passível de explicação científica.

"Sob a influência do positivismo, os psicólogos tentaram espremer o estudo da vida humana reduzindo-o a uma situação de laboratório, onde ela se torna irreconhecivelmente diferente de sua forma natural."
(Nick Heather, em 'Perspectivas Radicais em Psicologia')

A psicologia científica que emergiu no final do século XIX tem como bases uma concepção mecanicista sobre o ser humano, como uma máquina acionada por forças internas ou externas, e o entendimento que o comportamento pode ser totalmente explicável por meio das causas e consequências, capacitando o cientista a supor um prognóstico sobre o comportamento futuro das pessoas.

Esse entendimento está ainda presente no discurso de muitos psicólogos, que procuram os eventos antecedentes, que precedem uma situação específica ou um problema, visando a previsão da conduta numa próxima situação. A psicologia científica se ocupa em coletar as regularidades observadas, partindo de um modelo de ser humano e sociedade específico, com o intuito de "ajustar" as irregularidades.

"Outras características marcam a ciência no século XIX: positivista, porque se constituiu como sistem a baseado no observável; racionalista, pela ênfase na razão como possibilidade de desven­dar as leis naturais; mecanicista, porque se pautou na idéia do funcionamento regular do mundo, guiado por leis que poderiam ser conhecidas; associacionista, porque se baseou na concepção de que as idéias se organizam na mente de forma a permitir associações que resultam em conhecimento; atomista, pela certeza de que o todo é sempre o resultado da organização de partes; e determinista, porque pensou o mundo como um conjunto de fenômenos que são sempre causados e que essa relação de causa-efeito pode ser descoberta pela razão humana."
(Bock, em ‘Psicologia Sócio-Histórica’)

Os seres humanos são então vistos como fantoches impotentes, que só se movem quando algo lhes acontece. Porém, o ser humano não é um mero seguidor de regras. Ele se impõe em seu ambiente, faz escolhas sobre sua vida, experimenta outros caminhos, o ser humano é imprevisível, por isso não é possível uma ciência nos moldes "naturais" sobre os seres humanos.

A psicologia positivista entende o ser humano como algo calculável, descartando tudo o que há de humano no ser humano, sua inconstância, seu inacabamento e sua impermanência. A psicologia não pode ser reduzida a uma mera leitura biológica e matemática sobre o ser humano, É, portanto, necessário que a psicologia considere sua condição social e histórica, que seja uma ciência reflexiva e crítica, para que possa atuar em favor das pessoas e não contra elas.

Cada pessoa possui uma consciência de si, desenvolve uma linguagem, tem história, portanto representa o mundo de diferentes formas para si. Por isso os comportamentos não podem ser reduzidos a um nível meramente neuro fisiológico, ou a qualquer explicação individualista, visto que as pessoas estão a todo momento interagindo entre si e construindo novos valores e significados mutuamente.

Podemos pensar a fenomenologia como uma alternativa aos métodos positivistas, pois a fenomenologia não trabalha com fatos ou comportamentos observáveis, mas com experiências, sensações e sentidos. Seu método visa investigar a experiência da pessoa em seu modo de ser, deixando de lado qualquer pressuposto teóricos sobre ela, nos aproximando da experiência do outro a partir dos significados do outro e não de nossas teorias sobre ele.


Por Bruno Carrasco, terapeuta, professor e pesquisador, graduado em Psicologia, licenciado em Filosofia e Pedagogia, pós-graduado em Ensino de Filosofia, Psicoterapia Fenomenológico Existencial e Aconselhamento Filosófico. Nos últimos anos se dedica a pesquisar sobre filosofia da diferença e psicologia crítica.

Referências:
BOCK, Ana M. Bahia; GONÇALVES, M. Graça M.; FURTADO, Odair (orgs.). Psicologia Sócio-Histórica: uma perspectiva crítica em psicologia. São Paulo: Cortez, 2001.
HEATHER, Nick. Perspectivas Radicais em Psicologia. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1977.
MACHADO, Roberto. Foucault, a Ciência e o Saber. Rio de Janeiro: Zahar, 2006.

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