Indústria cultural e sociedade - Theodor Adorno

O livro 'Indústria cultural e sociedade', é composto por três ensaios escritos pelo filósofo e sociólogo Theodor Adorno: "A indústria cultural: o Iluminismo como mistificação das massas", escrito em 1947 em parceria com Max Horkheimer; "Crítica cultural e sociedade", de 1949; e "Tempo livre", de 1969.

Estes textos trazem algumas de suas principais perspectivas sobre a indústria cultural, o empobrecimento da experiência e a desvalorização do ócio, relacionando com os principais meios de difusão da época (rádio e cinema), buscando compreender as características do entretenimento numa economia capitalista do início do século XX.

Theodor W. Adorno (1903-1969) foi um dos principais teóricos da Escola de Frankfurt, elaborou diversos ensaios de leituras sociais e filosóficas com embasamento crítico. Analisou extensamente a organização e as manifestações culturais no capitalismo, que acontecem num ritmo industrial rápido e pasteurizado.

O termo "indústria cultural" aparece inicialmente na obra 'Dialética do Esclarecimento', publicada em 1947, escrita em parceria com Max Horkheimer. Contrariando a noção de que a cultura emergisse das massas, eles entendem que há uma nova forma de produzir cultura na economia captalista, com ares de dominação, difusão e velocidade, que utiliza o entretenimento e a diversão como anestésicos da vida.


Fragmentos do livro:

A indústria cultural: o Iluminismo como mistificação das massas
Theodor W. Adorno e Max Horkheimer (1947)

A cultura contemporânea a tudo confere um ar de semelhança. Filmes, rádio e semanários constituem um sistema.

O cinema e o rádio não têm mais necessidade de serem empacotados como arte. A verdade de que nada são além de negócios lhes serve de ideologia. Esta deverá legitimar o lixo que produzem de propósito.

O que não se diz é que o ambiente em que a técnica adquire tanto poder sobre a sociedade encarna o próprio poder dos economicamente mais fortes sobre a mesma sociedade. A racionalidade técnica hoje é a racionalidade da própria dominação, é o caráter repressivo da sociedade que se autoaliena.

Distinções enfáticas, como entre filmes de classe A e B, ou entre histórias em revistas de diferentes preços, não são tão fundadas na realidade, quanto, antes, servem para classificar e organizar os consumidores a fim de padronizá-los.

A indústria cultural finalmente absolutiza a imitação.

Quem não se adapta é massacrado pela impotência econômica que se prolonga na impotência espiritual do isolado.

Nada deve permanecer como era, tudo deve continuamente fluir, estar em movimento. Pois só o triunfo universal do ritmo de produção e de reprodução mecânica garante que nada mude, que nada surja que não possa ser enquadrado.

Não obstante, a indústria cultural permanece a indústria do divertimento.

A diversão é o prolongamento do trabalho sob o capitalismo tardio. Ela é procurada pelos que querem se subtrair aos processos de trabalho mecanizado, para que estejam de novo em condições de enfrentá-lo.

Toda conexão lógica que exija alento intelectual é escrupulosamente evitada.

Divertir-se significa estar de acordo. (...) Divertir-se significa que não devemos pensar, que devemos esquecer a dor, mesmo onde ela se mostra. Na base do divertimento planta-se a impotência.

A indústria cultural perfidamente realizou o homem como ser genérico. Cada um é apenas aquilo que qualquer outro pode substituir: coisa fungível, um exemplar.

Ela vive do ciclo, da maravilha justificada que as mães, apesar de tudo, continuem a parir, que as rodas continuem a girar. Isso serve para reforçar a imutabilidade das relações.

A liberdade formal de cada um é garantida. Ninguém deve dar conta oficialmente do que pensa. Em troca, todos são encerrados, do começo ao fim, em um sistema de instituições e relações que formam um instrumento hipersensível de controle social.

A cultura sempre contribuiu para domar os instintos revolucionários bem como os costumes bárbaros. A cultura industrializada dá algo mais. Ela ensina e infunde a condição em que a vida desumana pode ser tolerada.

A vida no capitalismo tardio é um rito permanente de iniciação. Todos devem mostrar que se identificam sem a mínima resistência com os poderes aos quais estão submetidos.

A passividade do indivíduo o qualifica como elemento seguro.

Na indústria cultural o indivíduo é ilusório não só pela estandardização das técnicas de produção. Ele só é tolerado à medida que sua identidade sem reservas com o universal permanece fora de contestação.


Crítica cultural e sociedade
Theodor W. Adorno (1949)

a tolice e a mentira que florescem sob a proteção da liberdade de imprensa não são, seguramente, algo de acidental na marcha histórica do espírito; são os estigmas da escravidão na qual se encena sua libertação, os estigmas da falsa emancipação.

A crítica não é injusta quando destrói — esta ainda seria sua melhor qualidade —, mas quando, ao desobedecer, obedece.

A cultura burguesa só permanece fiel aos homens quando subtrai a si própria, e assim aos homens, da práxis que se converteu em seu oposto, da sempre renovada produção da mesmice, da prestação de serviços ao cliente como serviço ao manipulador.

O crítico da cultura não é capaz de compreender que a reificação da própria vida repousa não em um excesso, mas em uma escassez de esclarecimento, e que as mutilações infligidas à humanidade pela racionalidade particularista contemporânea são estigmas da irracionalidade total.

Seja como entretenimento ou como edificação, eles colaboram imediatamente para a manutenção da ordem e são consumidos exatamente como expoentes dessa ordem, ou seja, justamente em virtude de sua pré-formatação social.

Justamente porque a cultura, para a glorificação da sociedade, afirma como válido o princípio de harmonia na sociedade antagônica, não pode evitar o confronto da sociedade com o seu próprio conceito de harmonia, o que leva a cultura a tropeçar em desarmonias.

A crítica dialética posiciona-se de modo dinâmico ao compreender a posição da cultura no interior do todo.

A cultura tornou-se ideológica não só como a quintessência das manifestações subjetivamente elaboradas pelo espírito objetivo, mas, em maior medida, também como esfera da vida privada.

Dialética significa intransigência contra toda e qualquer reificação.

A ideologia, ou seja, a aparência socialmente necessária, é hoje a própria sociedade real, na medida em que o seu poder integral e sua inexorabilidade, a sua irresistível existência em si, substitui o sentido por ela própria exterminado.

O crítico dialético da cultura deve participar e não participar da cultura. Só assim fará justiça à coisa e a si mesmo.

Todos os fenômenos enrijecem-se em insígnias da dominação absoluta do que existe. Não há mais ideologia no sentido próprio de falsa consciência, mas somente propaganda a favor do mundo, mediante a sua duplicação e a mentira provocadora, que não pretende ser acreditada, mas que pede o silêncio.

Quanto mais totalitária for a sociedade, tanto mais reificado será também o espírito, e tanto mais paradoxal será o seu intento de escapar por si mesmo da reificação.


Tempo livre
Theodor W. Adorno (1969)

A expressão, de origem recente, aliás — antes se dizia ócio, e este era um privilégio de uma vida folgada e, portanto, algo qualitativamente distinto e muito mais grato, mesmo desde o ponto de vista do conteúdo —, aponta a uma diferença específica que o distingue do tempo não livre, aquele que é preenchido pelo trabalho e, poderíamos acrescentar, na verdade, determinado desde fora. O tempo livre é acorrentado ao seu oposto.

o tempo livre tende em direção contrária à de seu próprio conceito, tornando-se paródia; deste. Nele se prolonga a não-liberdade, tão desconhecida da maioria das pessoas não-livres como a sua não-liberdade  em si mesma.

os fenômenos específicos do tempo livre como o turismo e o camping são acionados e organizados em função do lucro. Simultaneamente, a distinção entre trabalho e tempo livre foi incutida como norma a consciência e inconsciência das pessoas. Como, segundo a moral do trabalho vigente, o tempo em que se está livre do trabalho tem por função restaurar a força de trabalho, o tempo livre do trabalho — precisamente porque é um mero apêndice do trabalho — vem a ser separado deste com zelo puritano. Aqui nos deparamos com um esquema de conduta do caráter burguês. Por um lado, deve-se estar concentrado no trabalho, não se distrair, não cometer disparates; sobre essa base, repousou outrora o trabalho assalariado, e suas normas foram interiorizadas. Por outro lado, deve o tempo livre, provavelmente para que depois se possa trabalhar melhor, não lembrar em nada o trabalho. Esta é a razão da imbecilidade de muitas ocupações do tempo livre

No estado de letargia culmina um momento decisivo do tempo livre nas condições atuais: o tédio. Insaciáveis são também as sátiras sobre as maravilhas que as pessoas esperam das viagens de férias ou de qualquer situação excepcional do tempo livre, enquanto tampouco aqui conseguem escapar do sempre-igual.

A pergunta descarada sobre o que o povo fará com todo o tempo livre de que hoje dispõe — como se este fosse uma esmola e não um direito humano — baseia-se nisso. Que efetivamente as pessoas só consigam fazer tão pouco de seu tempo livre se deve a que, de antemão, já lhes foi amputado o que poderia tornar prazeroso o tempo livre. Tanto ele lhes foi recusado e difamado que já nem o querem mais.

Fonte:
ADORNO, Theodor W. Indústria cultural e sociedade. Seleção de textos: Jorge M. B. de Almeida. 14 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2021.

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