Manual de Epicteto - A arte de viver melhor

Epicteto (50-138 d.C.) foi um filósofo grego que viveu grande parte de sua vida como escravo em Roma e se tornou um dos principais representantes do Estoicismo, tendo escrito diversos ensinamentos éticos com preceitos práticos sobre a arte de viver melhor. Este "Manual", compilado por seu discípulo Arriano Xenofonte, contém aforismos que expressam sobre a conduta e o comportamento do ser humano em sociedade, e seu caminho para a felicidade.

Seus ensinamentos apresentam lições singelas e objetivas sobre como conduzirmos a nossa vida, praticando virtudes como a tolerância, a benevolência, a discrição, a simplicidade, a justiça, a moderação e a coragem, ambas em comunhão harmoniosa com a natureza, numa postura de aceitação tranquila para com tudo aquilo que acontece e nos atinge, buscando conviver pacificamente com os outros, mesmo em circunstâncias desafiadoras.

Fragmentos do livro:

Das coisas existentes, algumas são encargos nossos, outras não. São encargos nossos o juízo, o impulso, o desejo, a repulsa – em suma: tudo quanto seja ação nossa. Não são encargos nossos o corpo, as posses, a reputação, os cargos públicos – em suma: tudo quanto não seja ação nossa. Por natureza, as coisas que são encargos nossos são livres, desobstruídas, sem entraves. As que não são encargos nossos são débeis, escravas, obstruídas, de outrem.

As coisas não inquietam os homens, mas as opiniões sobre as coisas.

Não busques que os acontecimentos aconteçam como queres, mas quere que aconteçam como acontecem, e tua vida terá um curso sereno.

Pois é melhor morrer de fome, sem aflição e sem medo, que viver inquieto na opulência.

Se quiseres que teus filhos, tua mulher e teus amigos vivam para sempre, és tolo, pois queres que as coisas que não são teus encargos sejam encargos teus, como também que as coisas de outrem sejam tuas.

Mas se quiseres não falhar em teus desejos, isso tu podes. Então exercita o que tu podes.

Lembra que não é insolente quem ofende ou agride, mas sim a opinião segundo a qual ele é insolente. Então, quando alguém te provocar, sabe que é o teu juízo que te provocou. Portanto, em primeiro lugar, tenta não ser arrebatado pela representação: uma vez que ganhares tempo e prazo, mais facilmente serás senhor de ti mesmo.

Examina primeiro de que qualidade é a coisa, depois observa a tua própria natureza para saber se a podes suportar.

A respeito de cada ação, examina o que a antecede e o que a sucede e então a empreende. Senão, primeiro te entusiasmarás e, por não teres ponderado sobre as consequências, depois, quando estas se mostrarem vergonhosas, desistirás. Queres vencer os Jogos Olímpicos? Também eu, pelos deuses, pois é uma coisa bela. Mas examina o que antecede e o que segue <tal vitória> e então empreende a ação. É preciso ser disciplinado, submeter-se a regime alimentar, abster-se de guloseimas, exercitar-se obrigatoriamente na hora determinada (tanto no calor como no frio), não beber água gelada nem vinho, mesmo que ocasionalmente.

Pois é natural a todo vivente evitar e afastar-se das coisas que se afiguram nocivas e de suas causas, como também buscar e admirar as coisas benéficas e suas causas.

Acolhe as coisas relativas ao corpo na medida da simples necessidade: alimentos, bebidas, vestimenta, serviçais – mas exclui por completo a ostentação ou o luxo.

Se te disserem que alguém, maldosamente, falou coisas terríveis de ti, não te defendas das coisas ditas, mas responde que “Ele desconhece meus outros defeitos, ou não mencionaria somente esses”.

Porém, caso a ocasião propícia para empreender a ação se apresente, toma cuidado! Que não te vençam sua doçura e sua sedução. Compara isso ao quão melhor será para ti teres a ciência da obtenção da vitória.

Quando discernires que deves fazer alguma coisa, faz. Jamais evites ser visto fazendo-a, mesmo que a maioria suponha algo diferente sobre <a ação>. Pois se não fores agir corretamente, evita a própria ação. Mas se <fores agir> corretamente, por que temer os que te repreenderão incorretamente?

Se aceitares um papel além de tua capacidade, tanto perderás a compostura quanto deixarás de lado aquele que é possível que bem desempenhes.

Toda coisa tem dois lados: um suportável e outro não suportável.

Alguém se banha de modo apressado: não digas que ele <se banha> de modo ruim, mas de modo apressado. Alguém bebe muito vinho: não digas que ele <bebe> de modo ruim, mas que <bebe> muito. Pois, antes de discernir a opinião dele, como sabes que ele <age> de modo ruim? Assim, não ocorrerá que apreendas as representações compreensivas de umas coisas e dês assentimento a outras.

Jamais te declares filósofo. Nem, entre os homens comuns, fales frequentemente sobre princípios filosóficos, mas age de acordo com os princípios filosóficos. Por exemplo: em um banquete, não discorras sobre como se deve comer, mas come como se deve.

Postura e caráter do homem comum: jamais espera benefício ou dano de si mesmo, mas das coisas exteriores. Postura e caráter do filósofo: espera todo benefício e todo dano de si mesmo.

Sinais de quem progride: não recrimina ninguém, não elogia ninguém, não acusa ninguém, não reclama de ninguém. Nada diz sobre si mesmo – como quem é ou o que sabe. Quando, em relação a algo, é entravado ou impedido, recrimina a si mesmo. Se alguém o elogia, se ri de quem o elogia. Se alguém o recrimina, não se defende. Vive como os convalescentes, precavendo-se de mover algum membro que esteja se restabelecendo, antes que se recupere. Retira de si todo o desejo e transfere a repulsa unicamente para as coisas que, entre as que são encargos nossos, são contrárias à natureza. Para tudo, faz uso do impulso amenizado. Se parecer insensato ou ignorante, não se importa. Em suma: guarda-se atentamente como <se fosse> um inimigo traiçoeiro.

E se alguém falar algo de ti, não dês atenção, pois isso não é mais <ação> tua.

Então, a partir de agora, como um homem feito e que progride, considera a tua vida merecedora de valor. E que seja lei inviolável para ti tudo o que se afigurar como o melhor.


Fonte:
EPICTETO. Manual de Epicteto: a arte de viver melhor. Trad.: Edson Bini. 1 ed. São Paulo: Edipro, 2021.

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