Diógenes e o Cinismo

Diógenes em seu barril, Jean-Léon Gérôme, 1860

Diógenes de Sinope (412-323 a.C.) foi um destacado filósofo que viveu na Grécia Antiga e ficou conhecido como "Cínico" ou "Cão". Este apelido representava bem seu estilo de vida, tendo permanecido como mendigo pelas ruas de Atenas, onde transformou a pobreza em sua virtude.

Ele foi exilado de sua cidade natal e se estabeleceu em Atenas, onde seguiu as ideias de Antístenes (445-365 a.C.), antigo discípulo de Sócrates (470-399 a.C.). Há relatos que indicam que ele vivia num barril e ocasionalmente perambulava pelas ruas carregando uma lamparina durante o dia, alegando estar em busca de um homem honesto.

Seu modo de vida foi marcado pela irreverência, tendo criticado a sociedade e seus costumes, demonstrando total apatia e indiferença com relação a todos os bens materiais. Em sua vida ele radicalizou o ideal da autossuficiência interior e da autarquia, chegando ao ponto de exaltar a fadiga como uma forma de virtude.

Cinismo foi uma filosofia de vida proposta por Diógenes, que defendia a autossuficiência, que consistia em viver a vida independente dos luxos e normas da civilização. Tratava-se de uma vida simples evitando qualquer tipo de hipocrisia que era comum entre aqueles que possuem bens ou desfrutavam de uma certa posição social.

Segundo Diógenes, a virtude era melhor revelada na ação do que na teoria, e este teria vivido sua filosofia, fazendo de sua vida um movimento para desbancar as instituições e os valores sociais, que para ele representavam uma sociedade corrupta. Os cínicos entendiam que ser livre significava não depender de nada nem de ninguém. Nesse sentido, o segredo da felicidade está unicamente na autarquia de si, em "não depender" das coisas ou dos outros para seu bem-estar pessoal.

"Os cínicos afirmam que se deve viver frugalmente, comendo apenas os alimentos necessários à nutrição e vestindo um simples manto, e desprezando a riqueza, a fama e a nobreza de nascimento. Alguns deles, de fato, eram vegetarianos, e bebiam apenas água fria, contentando-se com qualquer espécie de abrigo – até um tonel, como Diógenes, que costumava dizer que era privilégio dos deuses não sentir necessidade de coisa alguma."
(Diógenes Laércio)

Os cínicos da Antiguidade não tinham nada de dissimulados, mas se caracterizavam justamente por dizer o que lhes passava pela cabeça sem receio algum. A irreverência era uma de suas características, sendo aquele que ia direto ao ponto em suas críticas e opiniões sobre os modos de ser das pessoas, sendo frequentemente desaforados e atrevidos em suas críticas.

Essa irreverência era para eles um princípio educacional, um modo de fazer com que aquele que os escutava entendesse realmente a crítica e se colocasse a refletir sobre ela, algo que poucas vezes acontece quando nos limitamos a conversar de modo "civilizado" e meramente "racional".

Há diversas histórias sobre Diógenes, uma delas menciona que ele foi beber água de uma fonte usando uma caneca para colocar a água, ao olhar ao seu lado ele viu uma criança bebendo água direto na mão. Conta-se que ele disse algo como “Que tolice a minha, todo esse tempo estive carregando uma bagagem supérflua”, e dispensou sua caneca, passando a tomar água apenas com as mãos.

Em outro relato, conta-se que Diógenes estava sentado numa montanha tomando sol, quando passou pela cidade Alexandre, o Grande (356-323 a.C.), que por saber que ali vivia Diógenes teria pedido para que seus guardas o levassem até o famoso filósofo. Quando chegou até ele, Alexandre perguntou "-o que posso fazer por você?", supondo poder oferecer algo de grandioso para Diógenes, e eis que este responde "-não me tire o que não podes me oferecer", sugerindo que ele saísse da frente do sol. 

"Enquanto em certa ocasião o filósofo tomava sol no Cranêion, Alexandre, o Grande, chegou, pôs-se à sua frente e falou: ‘Pede-me o que quiseres!’. Diógenes respondeu: ‘Deixa-me o meu sol!’"
(Diógenes Laércio)
A palavra cinismo vem do grego kynos, que significa “cão”. Cínico quer dizer “como um cão”. Os filósofos cínicos foram aqueles que pregaram um estilo de vida simples, tal como vivem os cães, entendendo que para viver a plenitude de seu ser deveriam renunciar qualquer propriedade ou conforto.

Enquanto a grande maioria das pessoas na sociedade buscavam dinheiro, reconhecimento social e bens materiais, eles viviam como cães, afirmando essa ser sua natureza e essência. Diógenes foi o principal filósofo desta vertente, que levou ao extremo sua filosofia, ele abandonou sua residência e foi morar num barril em Atenas, ele entendia que se ele apegasse às coisas materiais ele perderia o que tinha de mais essencial e original.
"(...) certa vez Diógenes foi à casa de um homem rico que insistentemente lhe mostrava seus ricos objetos e dizia a Diógenes que esse não cuspisse em sua casa por serem caríssimos os objetos que lá estavam. Em determinado momento, Diógenes junta uma boa quantidade de saliva em sua boca e dá uma bela escarrada na cara do grego rico, e este, estupefato, após perguntar a Diógenes porque esse lhe fizera tal ultraje, obteve como resposta que sua cara foi o lugar mais sujo que o Cão encontrara naquela residência."
(Aldo Dinucci)
Para Diógenes, não havia diferença entre o cidadão grego e um estrangeiro. Sua concepção de homem era com base em uma visão “cosmopolita”, que significa “cidadão do mundo”. Entendendo que toda pessoa é um ser do mundo, e o importante era ter contato com o mundo e liberdade para uma vida simples, sem precisar de muitas coisas.

Este filósofo viveu uma vida conforme os princípios que ele próprio considerava corretos e virtuosos, e não aqueles que a sociedade de seu tempo defendia e exaltava. Segundo ele, as convenções humanas são tolices sem sentido, e o ser humano deveria conhecer a si mesmo e desprezar bens materiais.


Por Bruno Carrasco, terapeuta, professor e pesquisador, graduado em Psicologia, licenciado em Filosofia e Pedagogia, pós-graduado em Ensino de Filosofia, Psicoterapia Fenomenológico Existencial e Aconselhamento Filosófico. Nos últimos anos se dedica a pesquisar sobre filosofia da diferença e psicologia crítica.

Referências:
COTRIM, Gilberto; FERNANDES, Mirna. Fundamentos da Filosofia. São Paulo: Saraiva, 2013.
DINUCCI, Aldo. Diógenes, o cão: imagens, ditos célebres, comentários, epigramas. Prometeus - Filosofia em Revista. DFL - Universidade Federal de Sergipe. Ano 3, no. 5, Janeiro-Junho, 2010.
LAÊRTIOS, Diôgenes. Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2008.
MARCONDES, Danilo. Iniciação à História da Filosofia. 12 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
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