Fragmento de "A Escola de Atenas", Rafael Sanzio, ~1.510 |
Parece curioso o quão é comum a questão a respeito da importância ou utilidade da filosofia, questão essa não é direcionada geralmente para outras áreas do conhecimento como a física, a psicologia, a antropologia, a medicina ou a matemática. Como a filosofia não apresenta atividades tangíveis ou resultados objetivos, a impressão que passa é que ela não tenha importância, principalmente para uma sociedade voltada para a técnica e o imediatismo, como a atual.
A filosofia tem uma importância muito ampla e aprofundada, quando comparada a outras áreas do saber, pois se dispõe a questionar, refletir, criticar e problematizar a respeito da vida, do mundo e do ser humano, inclusive a sobre o modo como os saberes são estabelecidos e utilizados, quais as suas finalidades e implicações, como afetam as pessoas, as relações e o mundo. A filosofia possibilita uma revisão e uma perspectiva mais ampla do todo, não apenas de uma área em específico.
{inAds}
Segundo a escritora e filósofa brasileira Marilena Chauí, não há uma única definição para o termo "filosofia", mas várias. Entre elas, podemos entender como uma visão de mundo de um povo ou de uma cultura, uma sabedoria de vida, um esforço racional para entender o universo como uma totalidade ordenada e dotada de sentido, como uma forma questionamento ou reflexão crítica, como uma possibilidade de criar conceitos, como um saber complexo, entre outras.
No século VI a.C., na Grécia antiga, Pitágoras de Samos foi o primeiro a se intitular "filósofo", entendendo como um amigo da sabedoria, não como aquele que possui a sabedoria, mas que a procura. O termo filosofia vem do grego "philos" e "logos", que seria um amigo ou o amor pela sabedoria. Pitágoras não queria ser chamado de sábio, pois este seria quem possui a sabedoria. O filósofo é amigo da sabedoria, gosta da sabedoria, a procura, mas não a possui.
Neste sentido, a filosofia corresponde à busca da sabedoria e do conhecimento, não a obtenção dela como algo acabado. Trata-se de uma busca que parte de um espanto e de uma curiosidade sobre algo, que faz com que o filósofo trace hipóteses, observando os fatos e refletindo a respeito deles. Para Platão, filósofo grego que viveu no século IV a.C., a primeira virtude do filósofo é admirar-se, assim seria possível problematizar um tema específico.
O que marca a filosofia desde seu início, não é a posse da verdade, mas sua busca. O filósofo grego Aristóteles de Estagira, que foi discípulo de Platão, entendia que era a partir do espanto que passamos a filosofar. Segundo ele, o ato de filosofar consistia em admirar-se com relação à algo de maneira reflexiva, com uma inquietação que nos incita a buscar compreender melhor um fenômeno ou um objeto estudado.
A filosofia pressupõe fazer questionamentos, não encontrar respostas definitivas, pois não procura verdades estáticas e absolutas, mas refletir sobre temas e questões de modo a ampliar entendimentos possíveis sobre um tema. Não se trata de qualquer tipo de reflexão, mas uma reflexão rigorosa, fundamentada e muito bem enraizada, que reflete sobre o todo e sobre tudo. A importância da filosofia está justamente no ato de questionar o que parece pronto e acabado, de maneira rigorosa.
"Se abandonar a ingenuidade e os preconceitos do senso comum for útil; Se não se deixar guiar pela submissão às idéias dominantes e aos poderes estabelecidos for útil; Se buscar compreender a significação do mundo, da cultura, da história for útil; Se conhecer o sentido das criações humanas nas artes, nas ciências e na política for útil; Se dar a cada um de nós e à nossa sociedade os meios para serem conscientes de si e de suas ações numa prática que deseja a liberdade e a felicidade para todos for útil, então podemos dizer que a filosofia é o mais útil de todos os saberes de que os seres humanos são capazes."
(Marilena Chaui, em 'Convite à Filosofia')
Num olhar histórico, os filósofos sempre foram contestadores e instigadores de reflexão crítica e do questionamento sobre as verdades estabelecidas e impostas, consideradas antes incontestáveis. Os argumentos filosóficos se caracterizam por desmascarar as estruturas estabelecidas, e os discursos que mantém uma dominação social ou ideológica. Ser filósofo e fazer filosofia é questionar saberes e criar novas concepções e diretrizes de pensamento.
O filósofo desperta um olhar crítico, aprofundado e tenaz sobre as coisas e o mundo, atento aos movimentos do sujeito, da sociedade e das ciências, refletindo sobre as transformações sociais e históricas. Este tem o dever de conduzir seres humanos do senso comum e das ideias prontas para uma consciência crítica sobre questões da vida e práticas do cotidiano, que afetam sua vida, seja a respeito do trabalho como das relações e do consumo.
A filosofia nos possibilita não aceitar como óbvias e evidentes as coisas, as ideias, os fatos, as situações, os valores e os comportamentos, sem antes ter investigado, problematizado, analisado, refletido e compreendido. A filosofia oferece um questionamento rigoroso e fundamentado acerca de qualquer tema, visando um aprimoramento acerca daquilo que se estuda, entendendo que os saberes sempre podem ser refutados.
"A filosofia serve para prejudicar a tolice, faz da tolice algo de vergonhoso. Não tem outra serventia a não ser a seguinte: denunciar a baixeza do pensamento sob todas as suas formas. Existe alguma disciplina, além da filosofia, que se proponha a criticar todas as mistificações, quaisquer que sejam sua fonte e seu objetivo? Denunciar todas as ficções sem as quais as forças reativas não prevaleceriam. Denunciar, na mistificação, essa mistura de baixeza e tolice que forma tão bem a espantosa cumplicidade das vítimas e dos algozes. Fazer, enfim, do pensamento algo agressivo, ativo, afirmativo."
(Gilles Deleuze, em 'Nietzsche e a Filosofia')
O ato de filosofar é um processo que acontece de maneira crescente, indo de ideias simples a outras mais complexas, envolvendo duas atitudes - uma negativa e uma positiva. A atitude negativa inicia problematizando e contrariando as noções estabelecidas pelo senso comum, os pré-juízos, o estabelecido e as convenções. Após essa, vem a atitude positiva, ou propositiva, que opera uma investigação sobre as ideias, fatos e situações, colocando questões como: O quê? Por quê? Como?
Assim, os saberes vão sendo aperfeiçoados a partir de suas contradições, promovendo uma mudança na qualidade desses saberes, tornando estes cada vez mais complexos. As características do processo de filosofar são a radicalidade, a crítica, o argumento e a rigorosidade. A filosofia é uma forma de reflexão ampla abrangente, pois investiga os problemas ao relacionar atentamente os diferentes aspectos entre si.
Numa sociedade onde a política é corrupta e a mídia favorece a alienação, transformando a população em massa de manobra em favor dos que estão no poder, reduzindo o trabalhador a um mero consumidor de entretenimento fraco e de produtos desnecessários, a filosofia se faz cada vez mais necessária. O filósofo colabora para o pensamento crítico sobre a sociedade, possibilitando às pessoas traçarem seus próprios horizontes reflexivos, de maneira mais libertária.
Por Bruno Carrasco, terapeuta, professor e pesquisador, graduado em Psicologia, licenciado em Filosofia e Pedagogia, pós-graduado em Ensino de Filosofia, Psicoterapia Fenomenológico Existencial e Aconselhamento Filosófico. Nos últimos anos se dedica a pesquisar sobre filosofia da diferença e psicologia crítica.
Referências:
ARANHA; MARTINS. Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 2009.
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2002.
SILVA, Roseane Almeida da. Caminhos da Filosofia. Curitiba: Intersaberes, 2017.