Críticas de Foucault sobre a Psicologia

Michel Foucault foi um filósofo francês que teceu críticas muito pertinentes sobre a psicologia hegemônica e institucionalizada. Segundo ele, a psicologia não é uma ciência objetiva e neutra, mas uma prática utilizada para um controle social e individual, por meio da disciplinarização da subjetividade, normalizando comportamentos e pensamentos considerados desviantes ou "anormais".

A psicologia, de modo geral, se apresenta por meio de teorias com legitimidade de algo verdadeiro e universal, como se sempre fosse assim, porém quando estudamos a história percebemos que todas as teorias psicológicas surgiram num dado momento, sob certas condições, configurações e interesses. Foucault colocou em questão aquilo que parecia pronto e acabado na psicologia.

Por meio de suas análises históricas, Foucault problematizou a psicologia, questionando tudo aquilo que parece pronto, óbvio e verdadeiro, e dando visibilidade às condições de existência dos saberes, das práticas e das disposições em psicologia, entendendo que eles surgiram num certo momento, diante de condições específicas, questionando como se constituíram e se transformaram.

Em suas pesquisas, constatou que a psicologia não visa apenas o tratamento de transtornos mentais, como se supõe, mas serve a disposições sociais, políticas, econômicas e interesses específicos, compactuando com tais condições, que de certo modo mantém a sociedade como ela está, o "status quo". Além disso, o saber que ela profere possui valor de verdade, tendo inclusive validade jurídica.

"(...) a psicologia se tornou, na cultura ocidental, a verdade do homem."
(Michel Foucault, em 'História da Loucura')

De acordo com Foucault, a psicologia científica não faz descobertas sobre o ser humano, os comportamentos ou as emoções, mas cria discursos com pretensão de verdade. Nesta perspectiva, a verdade não é uma progressiva descoberta, mas uma produção, uma criação discursiva com intuitos morais e disciplinares, assim a psicologia é usada para controlar e normalizar as pessoas.

Ao invés de colaborar para que as pessoas possam entender suas próprias experiências e emoções, a psicologia configura modos de vida e subjetividades, conformando as pessoas aos padrões de vida, de moralidade e relações estabelecidos socialmente. O saber psicológico elabora um discurso sobre os sujeitos, assujeitando estes às interpretações psicológicas.

Deste modo, a psicologia exerce um controle sutil e penetrante sobre a vida das pessoas, em suas experiências mais subjetivas: como lida consigo mesma, com suas dores, angústias, sofrimentos e crises. O psicólogo ou a psicóloga acompanham as pessoas individualmente, monitorando suas condutas ao nível pessoal, de acordo com uma normativa do que se tem por "comportamento adequado" ou "saúde mental".

Foucault entendia a psicologia como uma forma de poder sobre as pessoas individualizante, especialmente sobre aquelas consideradas desviantes ou anormais. O saber psicológico, com sua pretensão de verdade, é usado para enquadrar as pessoas em categorias diagnósticas, usadas para justificar um tratamento, um ajustamento ou até mesmo uma punição.

Assim, a psicologia controla e monitora a vida privada das pessoas, configurando e moldando suas emoções e pensamentos, e justificando a violência institucionalizada. Em vez de conceber as pessoas como seres livres e autônomos, faz diagnósticos que as determinam como produtos do ambiente e da biologia, reduzindo suas capacidades de escolha e ação.

“Desde o século XVIII até o presente, as técnicas de verbalização têm sido reinsertadas em um contexto diferente pelas chamadas ciências humanas para ser utilizadas sem que haja renúncia ao eu, mas para construir positivamente um novo eu.”
(Michel Foucault, em ‘Tecnologias de si’)

A psicologia propõe um modelo de vida a partir da noção de normal, propondo uma maneira específica de lidar consigo mesmo, com as relações e os afetos. Sua prática parece oferecer um bem para as pessoas, mas o psicólogo ou a psicóloga atuam como agentes disciplinares de controle subjetivo, autorizados pelo governo e legitimados pela sociedade. Praticam uma ortopedia da subjetividade e anunciam uma "verdade" sobre a pessoa e seu sofrimento.

Partindo de suas pesquisas históricas, Foucault constatou que a noção de normalidade e de loucura foram construídas histórica e culturalmente, não são categorias universais e objetivas, mas construções sociais, estabelecidas num certo tempo, diante de condições específicas. Além disso, o entendimento e as disposições para com a loucura se transformaram ao longo do tempo, conforme as necessidades e valores da sociedade, em cada momento histórico.

As práticas da psicologia institucionalizada constituem um conjunto de tecnologias que produzem um certo tipo de sujeito, produzindo normas que visam prevenir o indesejado, curar o anormal e corrigir o inadequado. Os especialistas se tornam administradores da ordem social, diagnosticando e intervindo na desordem dos indivíduos, visando a manutenção e a regulação do social. Os diagnósticos produzem discursos com legitimidade de verdades sobre os sujeitos, são discursos normativos e normalizadores, que produzem subjetivação, fabricando sujeitos e modos de vida.

"Num sistema de disciplina, a criança é mais individualizada que o adulto, o doente o é antes do homem são, o louco e delinqüente mais que o normal e o não-delinqüente. É em direção aos primeiros, em todo caso, que se voltam em nossa civilização todos os mecanismos individualizantes; e quando se quer individualizar o adulto são, normal e legalista, agora é sempre perguntando-lhe o que ainda há nele de criança, que loucura secreta o habita, que crime fundamental ele quis cometer. Todas as ciências, análises ou práticas com radical “psico”, têm seu lugar nessa troca histórica dos processos de individualização. O momento em que passamos de mecanismos histórico-rituais de formação da individualidade a mecanismos científico-disciplinares, em que o normal tomou o lugar do ancestral, e a medida o lugar do status, substituindo assim a individualidade do homem memorável pela do homem calculável, esse momento em que as ciências do homem se tornaram possíveis, é aquele em que foram postas em funcionamento uma nova tecnologia do poder e uma outra anatomia política do corpo."
(Michel Foucault, em 'Vigiar e punir')

As noções de loucura e normalidade são utilizadas para reforçar o poder dos "especialistas" sobre os "loucos", os médicos, psicólogos, psiquiatras e outras autoridades, que atuam sobre aqueles diagnosticados com transtornos mentais. A definição de loucura é inclusive muitas vezes configurada pela cultura e pelas normas sociais de uma época, os considerados "loucos" são frequentemente marginalizados e controlados.

O entendimento da loucura enquanto transtorno mental é recente, e utilizado para justificar a violência institucionalizada, tanto a internação involuntária quanto o tratamento em hospitais psiquiátricos. A sociedade ocidental historicamente criou espaços para alocar aqueles diagnosticados como divergentes, utilizando tais diagnósticos para excluir e punir aqueles que não se conformam com as normas sociais estabelecidas.

"Nunca a psicologia poderá dizer a verdade sobre a loucura, já que é esta que detém a verdade da psicologia."
(Michel Foucault, em 'Doença Mental e Psicologia')

Para Foucault, a psicologia não se aproximou da experiência da loucura, mas silenciou esta, criando discursos sobre a loucura enquanto transtorno mental e propondo um tratamento, que visa geralmente uma adaptação do indivíduo ao meio. Por isso, necessitamos cada vez mais uma abordagem mais crítica, questionadora e contextualizada para o entendimento do sofrimento emocional e seus cuidados.


Por Bruno Carrasco, terapeuta, professor e questionador, graduado em psicologia, licenciado em filosofia e pedagogia, pós-graduado em ensino de filosofia, psicoterapia fenomenológico existencial e aconselhamento filosófico. Nos últimos anos se dedica a filosofia da diferença e psicologia crítica.

Referências:
FOUCAULT, Michel. Doença Mental e Psicologia. Rio de Janeiro: Tempo Universitário, 2000.
FOUCAULT, Michel. História da Loucura: na Idade Clássica. São Paulo: Perspectiva, 2017.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1985.
FOUCAULT, Michel. Tecnologias de si. Em: Martin et al. (orgs.). Technologies of the self – a seminar with Michel Foucault. Amherst, University of Massachusetts Press, 1988.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.
GUARESCHI; HÜNING; FERREIRA [et al.]. Foucault e a Psicologia. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2014.
MACHADO, Roberto. Foucault, a Ciência e o Saber. Rio de Janeiro: Zahar, 2006.

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