O que é Psicologia Crítica?

Psicologia Crítica é uma perspectiva que emerge a partir de uma análise aprofundada sobre a psicologia, refletindo sobre suas teorias e práticas, percebendo suas implicações no indivíduo e na sociedade. Se propõe a problematizar a psicologia, refletindo sobre seus saberes e sua atuação prática a partir de um olhar mais amplo e reflexivo, repensando suas teorias e sua intervenção.

A perspectiva crítica se inicia por uma análise da própria psicologia, colocando em questão seus saberes e práticas, percebendo seus interesses escusos e anacronismos. Nesta crítica, a psicologia se distancia de si mesma para refletir sobre seus saberes e atuação, se percebendo inserida num sistema mais amplo moral, social, econômico e político.

Por meio de uma atitude crítica, analisamos a psicologia em sua atuação na sociedade, reconhecendo suas interseções, suas cumplicidades ideológicas e intenções não declaradas. Para se fazer crítica em psicologia, é preciso se distanciar da psicologia, de suas teorias e "verdades" estabelecidas, problematizando e refletindo as implicações da psicologia sobre as pessoas e a sociedade como um todo, reconhecendo seus atravessamentos.

Uma análise crítica entende que a psicologia não é uma disciplina neutra e objetiva, mas que compactua com uma ideologia dominante e uma moralidade específica, se posicionando a favor de um modelo de vida e de relações, servindo a uma economia capitalista neoliberal e uma visão eurocêntrica, onde suas intervenções servem a um sistema moral e normativo.

"A psicologia crítica é uma forma de dar um passo atrás e olhar para a disciplina da psicologia. Em vez de tomar como certo o que os psicólogos dizem, a psicologia crítica vira o olhar e analisa reflexivamente o que os psicólogos estão a fazer – como determinam o nosso comportamento, a forma como pensamos e as formas como especificam diferentes tipos de perturbações para nós."
(Ian Parker)

Essa reflexão crítica demanda um questionamento da psicologia sobre ela mesma, com questões como: Para quem serve a Psicologia? O que fundamenta as noções de "normal" e "patológico"? Quem determina o que é uma personalidade "adequada" ou "saudável"? Quem são entendidos como "divergentes" ou "inadequados"? Quais os sistemas morais e ideológicos a psicologia sustenta? Esses questionamentos servem para não seguir compactuando com uma prática normativa e tecnicista.

Inclusive, coloca-se em questão o modo como a psicologia, enquanto ciência independente, se constituiu e se desenvolveu, visando a manutenção de um modo de vida "saudável", muitas vezes adaptado a um sistema, gerando um controle penetrante e sutil sobre os indivíduos em suas peculiaridades, evitando os comportamentos "desviantes" e "anormais".

A perspectiva crítica entende que é urgente nos questionar sobre o que estamos fazendo, porque estamos fazendo, para que estamos fazendo e para quem estamos fazendo. Tal crítica desconfia as "verdades" produzidas e as teorias prontas, buscando entender o intuito em que esses saberes foram criados e são mantidos. Entende que as "verdades" são produzidas sempre num contexto, com intuitos específicos.

"É  interessante notar que nossas construções ideais de saúde e de normalidade em geral abrigam valores morais da cultura dominante da sociedade; por serem dominantes, instalaram-se na ciência e na profissão como referência para o comportamento e as formas de ser dos sujeitos. O problema maior está em que não temos assumido essa adesão. Temos apontado esses valores e referências como naturais do homem; como universais. Desta forma, trabalhamos para manter os valores dominantes e para justificá-los como a única possibilidade de estar no mundo. O diferente passa a ser combatido; visto como crise, como desajuste ou desequilíbrio; passa a ser "tratado", com a finalidade do retorno à condição saudável e natural do homem. A Psicologia torna-se assim uma profissão conservadora que trabalha para impedir o surgimento do novo."
(Ana Bock, em 'Psicologia Sócio-Histórica')

Despertar uma consciência política na psicologia nos habilita a pensar outras maneiras de compreender a existência e o sofrimento emocional, habilitando outros modos de vida, rompendo com a lógica dominante e com a perspectiva hegemônica, dando lugar à diferença, aos divergentes, e a todos os que não compactuam com a moral dominante e o modo de vida mantido pelo capitalismo neoliberal.

Seu intuito principal é libertar os indivíduos de serem objetificados, capacitando-os a se libertarem dos fardos impostos pelas normas morais estabelecidas. Para isso, analisa e questiona as estruturas sociais, políticas e culturais que influenciam a psicologia hegemônica, abrindo caminho para a descolonização da psicologia, despsicologizando a vida dando voz às perspectivas de grupos historicamente marginalizados ou oprimidos.

“A arte de viver é matar a psicologia, criar consigo e com outras individualidades, seres, relações, qualidades que sejam inomináveis.”
(Michel Foucault)

Com a crítica à psicologia, podemos habilitar modos divergentes de vida, dando voz aos excluídos e marginalizados, diferentes e excêntricos, habilitando outros modos de ser, viver, pensar, se relacionar, se perceber e lidar consigo mesmo e com a vida. Isso possibilita modos de vida que escapam a lógica neoliberal e eurocêntrica, retirando da psicologia suas cumplicidades ideológicas, vislumbrando outras perspectivas e atuações possíveis.

Por Bruno Carrasco, terapeuta, professor e pesquisador, graduado em Psicologia, licenciado em Filosofia e Pedagogia, pós-graduado em Ensino de Filosofia, Psicoterapia Fenomenológico Existencial e Aconselhamento Filosófico. Nos últimos anos se dedica a pesquisar sobre filosofia da diferença e psicologia crítica.

Referências:
BOCK, Ana M.; GONÇALVES, Maria da G.; FURTADO, Odair. (orgs). Psicologia Sócio-Histórica: uma perspectiva crítica em psicologia. 6 ed. São Paulo: Cortez, 2015.
FOUCAULT, Michel. Entre o amor e os estados de paixão: Conversa com Werner Schroeder (pp. 39-47, W. Flor, trad.). Paris: Goethe Institute, 1982.
PARKER, Ian. Revolução na psicologia: da alienação à emancipação. Campinas, SP: Alínea, 2014.

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