O controle sutil da liberdade

Quando pensamos sobre a liberdade, logo nos vem a ideia de algo que nos habilita a escolher, a fazer algo, a tomar uma decisão ou exercer a nossa vontade. Parece-nos que ela nos permite decidir por conta própria, de maneira autônoma, aparenta ares de uma coisa boa, positiva e alegre. Porém, no contexto atual do capitalismo neoliberal, a liberdade se torna uma nova forma de controle e de exploração de si, segundo o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han.

A aparente autonomia de escolha está sendo cada vez mais restringida e capturada pelos mecanismos de controle que atuam sobre a mente e as emoções. Em nossa sociedade neoliberal acreditamos que somos sujeitos livres, que fazemos escolhas por conta própria, de acordo com nossos desejos, interesses e necessidades, porém esse sentimento de liberdade encobre uma forma mais sutil de submissão, atrelada à própria ideia de liberdade.

Vivemos num momento onde não necessitamos mais de um chefe, um patrão ou um pai para dizer o que devemos ou não fazer, pois de certo modo já internalizamos essa figura de controle e dizemos a nós mesmos o que pode e o que não pode ser feito a cada momento. Até mesmo nosso entendimento de liberdade se associou a um conjunto de obrigações de desempenho e otimização de si, que nos levam a explorar a nós mesmos de maneira voluntária, a exploração da liberdade é característica de nosso tempo.

“Hoje, acreditamos que não somos sujeitos submissos, mas projetos livres, que se esboçam e se reinventam incessantemente (...). O «eu» como projeto, que acreditava ter se libertado das coerções externas e das restrições impostas por outros, submete-se agora a coações internas, na forma de obrigações de desempenho e otimização.”
(Byung-Chul Han, em 'Psicopolítica')

As novas técnicas perceberam que explorar uma pessoa contra a sua vontade não é um procedimento muito eficiente, constataram que explorar a vontade da pessoa possibilitaria um melhor aproveitamento de seus "recursos humanos". Com isso, se tornou uma prática cada vez mais comum as técnicas motivacionais, os mimos de rendimento, o quadro do funcionário do mês, e as premiações para aqueles que superam as metas.

O neoliberalismo passou a explorar tudo aquilo que se relaciona com a expressão da liberdade, transformando o trabalhador num empreendedor de si mesmo. Hoje, cada um de nós se explora para sua própria "empresa". Somos, ao mesmo tempo, senhores e servos numa única pessoa, a luta de classes agora possui uma dimensão interna e individual. Supondo-se livre, o sujeito do desempenho é um submisso constante das obrigações que estabelece sobre si.

“O sujeito do desempenho, que se julga livre, é na realidade um servo: é um servo absoluto, na medida em que, sem um senhor, explora voluntariamente a si mesmo.”
(Byung-Chul Han, em 'Psicopolítica')

A grande ilusão difundida na sociedade neoliberal é que qualquer pessoa, enquanto projeto de si, que se esboça livremente, é capaz de uma autoprodução ilimitada. Acreditamos sermos os únicos responsáveis de nosso sucesso ou fracasso nessa busca constante por otimização, desempenho e sucesso pessoal. Porém, essa autoprodução tem seus limites, e nem todos conseguem atingir as metas impostas pela cultura do desempenho, muitos são os que não alcançam as metas e acabam sucumbindo.

Quando a pessoa não alcança os resultados esperados, não cumpre com suas metas e objetivos, ela não vê a cultura organizacional ou as exigências de desempenho como um problema, mas percebe a si mesma como um problema, como uma "peça com defeito", que precisa ser corrigida e ajustada para voltar a produzir mais e melhor. Essa pessoa se deprime por não se sentir adequada numa sociedade que cobra uma produção incessante e exaustiva de si.

“Quem fracassa na sociedade neoliberal de desempenho, em vez de questionar a sociedade ou o sistema, considera a si mesmo como responsável e se envergonha por isso.”
(Byung-Chul Han, em 'Psicopolítica')

O mais curioso é que o regime neoliberal não tolera resistências, as formas de controle operam internamente, de maneira mais sutil e pouco perceptível. Nesse cenário, multiplicam os terapeutas, psicólogos e coaches, dispostos a "curar" aqueles que se sentem depressivos e incapazes. Essa "cura" não propõe uma transformação social, mas o ajustamento do indivíduo ao sistema. Discursos motivacionais são utilizados como soluções para a ansiedade e o burnout nessa era de autoexploração.

“(...) no regime neoliberal de autoexploração, a agressão é dirigida contra nós mesmos. Ela não transforma os explorados em revolucionários, mas sim em depressivos.”
(Byung-Chul Han, em 'Psicopolítica')

Como um aprimoramento da sociedade disciplinar, apresentada por Foucault, vivemos diante de um pan-óptico digital, onde nos expomos voluntariamente nas redes sociais. Essa sociedade digital de controle usa intensivamente a nossa liberdade, nos incentivando a uma autoexposição voluntária. Ninguém nos obriga a compartilhar detalhes sobre nossas vidas nas redes sociais, mas fazemos isso diariamente, alimentando os bancos de dados com informações sobre nossos interesses e preferências.

O alvo dessa forma de controle é a nossa vontade própria, constantemente capturada pelos anúncios que saltam em nossos aplicativos de celulares, computadores e tablets, de acordo com nossos interesses ou sobre algo que estamos em vias de escolher. Esses dispositivos utilizam as informações que enviamos para mostrar propagandas e gerar desejo de consumo. Assim seguimos para um futuro onde nos tornamos peças quantificáveis, mensuráveis e controláveis num quebra-cabeças mais amplo.

Tudo isso nos faz colocar questões sobre esse ideal de busca pelo controle, segurança e estabilidade, que surge inicialmente no início da modernidade, se ampliando no período iluminista, mas que, diferente do esperado, não alcançou a autonomia e a emancipação dos seres humanos. Pelo contrário, estamos nos encaminhando para uma era em que nos tornamos "autômatos" digitais, controlados por algoritmos que configuram nossas escolhas e comportamentos.

A exploração da liberdade no contexto neoliberal levanta questões sobre as relações sociais e de trabalho na atualidade. Será que nossa busca incessante pela autossuperação e pelo bem-estar está nos tornando mais livres ou submissos? Estamos caminhando para uma vida mais saudável ou mais controlados sem perceber a sutileza dos mecanismos de controle, supondo que somos livres? O neoliberalismo nos oferece uma ilusão de liberdade, enquanto nos tornamos, de fato, cada vez mais submissos.


Por Bruno Carrasco, terapeuta, professor e questionador, graduado em psicologia, licenciado em filosofia e pedagogia, pós-graduado em ensino de filosofia, psicoterapia fenomenológico existencial e aconselhamento filosófico. Nos últimos anos se dedica a filosofia da diferença e psicologia crítica.

Referência:
HAN, Byung-Chul. Psicopolítica: o neoliberalismo e as novas técnicas de poder. Tradução: Maurício Liesen. Belo Horizonte: Âyné, 2020.

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