O filósofo francês Michel Foucault se ocupou de diversos temas em sua produção filosófica, entre eles três se destacam: o saber, que envolve seus estudos sobre a psiquiatria, a psicologia, a medicina e as ciências humanas de modo geral; o poder, se dedicando às instituições sociais, as relações de poder, os micropoderes, o poder disciplinar, o biopoder; e o sujeito, investigando sobre as questões éticas, as práticas de si, a sexualidade e a subjetivação.
A cada tema de estudo Foucault utilizou um método específico, entre eles a arqueologia, que busca escavar as camadas discursivas e as disposições de uma época para a emergência de saberes e práticas específicas, que tratou sobretudo no período dedicado ao saber; e a genealogia, derivada do método utilizado por Nietzsche em sua obra 'Genealogia da Moral', que busca encontrar a origem da emergência das disposições a partir das relações de poder.
Por analisar as condições históricas e contingentes dos saberes e das práticas, questionando o que parecia absoluto e universal, entendendo que as ideias e disposições são apenas fenômenos históricos, Foucault ficou conhecido como um filósofo destruidor das evidências. Neste sentido, ele não elaborou uma teoria sobre o poder, mas uma análise de como o poder acontece nas relações, não é algo que alguns possuem e outros não, nem está apartado das pessoas, mas acontece em todas as relações.
Sua pergunta não é sobre o que é o poder, enquanto um objeto estanque, que exige uma definição única e estruturada, mas como funciona o poder, como o poder acontece, entendendo que o poder não é algo que se possui, mas algo que acontece nas relações, envolvendo não apenas um poder central e grandioso, mas uma multiplicidade de micropoderes. Deste modo, o filósofo se coloca a analisar criticamente as relações de poder, identificando elas e pensando resistências.
Contrariando a perspectiva de um poder soberano centralizado, Foucault considera que na modernidade somos atravessados pelo que chamou de "poder disciplinar", que é um poder que se distribui nas instituições sociais, se capilarizando em toda a sociedade. Essa nova técnica de poder se multiplica nas relações, onde o poder emerge nas diversas relações, se sobrepondo e se interligando, ele não tem um centro e não se conecta apenas a um sujeito ou a uma ideia.
Suas análises do poder constatam uma mudança nas relações de poder na modernidade, ele enumera novas técnicas de poder, onde este não se apresenta mais como uma interdição (de cima para baixo), onde o poder não vem apenas do Estado ou da Igreja, mas de todos os lados. O poder acontece em todas as relações sociais, que influenciam o que pode ou não ser dito e feito, inclusive como devemos nos vestir, o que comer, quando ir ao médico, de que modo cuidamos de nosso corpo, etc.
"Compreender o poder: 1 múltiplas correlações de força; 2 processo em que são transformadas, reforçadas e invertidas, operando num certo domínio ou discurso; 3 apoios que tais correlações de força encontram umas nas outras, formando cadeias ou sistemas; 4 estratégias em que se originam e cujo esboço geral ou cristalização institucional toma corpo nos aparelhos estatais, na formulação da lei, nas hegemonias sociais."
(Michel Foucault, em 'A vontade de saber' - História da Sexualidade 1)
O poder acontece de maneira intencional, é exercido com metas e objetivos. Foucault analisou as relações micro (microfísica do poder, disciplinar, corpo) e macro (biopoder, populações), entendendo o poder como uma multiplicidade de relações de força que operam e constituem uma disposição ou prática, num arranjo amplo, complexo e interligado.
Foucault recusa a ideia negativa de poder, enquanto algo que retira, que se impõe por uma regra ou lei, que proíbe e impede. Segundo ele, o poder na modernidade é produtivo, ele não retira, mas positiva, constrói, produz sujeitos, saberes, disposições e práticas. De modo geral, o poder produz a realidade, o mundo que vivemos e o modo como vivemos e nos relacionamos, o poder produz os modos de vida, os saberes e atividades.
"Temos que deixar de descrever sempre os efeitos de poder em termos negativos: ele ‘exclui’, ‘reprime’, ‘recalca’, ‘censura’, ‘abstrai’, ‘mascara’, ‘esconde’. Na verdade o poder produz; ele produz realidade; produz campos de objetos e rituais da verdade. O indivíduo e o conhecimento que dele se pode ter se originam nessa produção."
(Michel Foucault, em 'Vigiar e punir’)
Neste sentido, as ideias e os sujeitos são resultantes das relações de poder. A subjetividade não é algo dado ou essencial, mas uma produção cultural e histórica. O poder moderno ele se constitui numa rede de relações entre indivíduos, grupos e instituições, relações estas que são constantemente transformadas. Foucault observa o poder em seus efeitos locais e periféricos.
Essas práticas de poder reverberam nos saberes. A psicologia e a psiquiatria estabelecem relações de poder com a diferenciação entre normal e anormal. A escola e a fábrica estabelecem relações de poder sobre como o indivíduo deve se vestir, que horas chegar, qual lugar ocupar. O conhecimento estabelece uma relação do poder, estabelecendo o que é verdadeiro e o que é falso, o que pode ser dito e o que não pode, o que temos de crer e o que devemos rejeitar.
Por Bruno Carrasco, terapeuta, professor e questionador, graduado em psicologia, licenciado em filosofia e pedagogia, pós-graduado em ensino de filosofia, psicoterapia fenomenológico existencial e aconselhamento filosófico. Nos últimos anos se dedica a filosofia da diferença e psicologia crítica.