Atualmente vivemos o tempo de um capitalismo que transcende as condições materiais e se apropria dos pensamentos, das emoções, dos discursos e da psiquê. O filósofo sul-coreano Byung Chul-Han, chama de "capitalismo da emoção", que captura nossos afetos e sentimentos.
Este modelo de capitalismo que nos atravessa é caracterizado por seu dinamismo e efemeridade, se apropriando dos instantes, onde as atividades se tornam, em sua maioria, meramente performáticas, realizadas não apenas pela atividade em si, mas simplesmente para serem vistas e reconhecidas.
"A emoção é dinâmica, situacional e performativa. O capitalismo da emoção explora exatamente essas características."
(Han, em 'Psicopolítica', p.61)
Esta prática transforma as emoções em capital, deixando para trás a antiga ideia de valor de uso. Agora, o valor emotivo e de culto tornam-se fundamentais para a economia do consumo. A alienação, disciplinarização e o psicopoder são ferramentas usadas para manipular as emoções, transformando estas em recursos para aumentar a produtividade, a otimização e o desempenho das pessoas.
O neoliberalismo atual se apresenta como o estágio mais avançado desse capitalismo da emoção, onde os sentimentos são associados a noção de liberdade. Ser livre, nesse contexto, é entendido como deixar que as emoções fluam livremente, mas essa liberdade é paradoxal, pois sua prática está associada à exploração de si e ao consumo excessivo, sem avaliar suas consequências.
"O regime neoliberal emprega as emoções como recursos para alcançar mais produtividade e desempenho."
(Han, em 'Psicopolítica', p.65)
A flexibilidade e a adaptabilidade às necessidades do mercado são valores imperativos de nosso tempo. Isso se converte, de certo modo, a uma ditadura da emoção, que substitui o consumo de coisas e objetos pelo consumo de emoções. Não consumimos mais objetos e serviços, mas consumimos as emoções associadas a esses objetos e serviços, inaugurando um novo mercado amplo para consumo.
O ambiente de trabalho não se exige apenas as competências cognitiva, ou uma quantidade de conhecimentos específicos, mas prioritariamente as competências emocionais. O gerenciamento das emoções torna-se uma necessidade, substituindo o gerenciamento de comportamentos. Treinadores motivacionais visam gerar emoções positivas, transformando as emoções em ferramentas de controle.
Vivemos sob o tempo de trabalhar sob pressão interna, somos constantemente estimulados a sermos resilientes, superar obstáculos, alcançar metas, ter proatividade e não perder o foco. O treinador emocional é aquele que gerencia as emoções em favor das "emoções positivas", entendidas como aquelas que servem ao mercado e ao sistema vigente. Neste contexto, todas as emoções que não são consideradas positivas devem ser descartadas.
"O capitalismo do consumo, além disso, introduz emoções para criar necessidades e estimular a compra. O emotional design molda emoções e padrões para maximizar o consumo. Hoje, em última análise, não consumimos coisas, mas emoções. Coisas não podem ser consumidas infinitamente, mas emoções sim. Emoções se desdobram para além do seu valor de uso. Assim, inaugura-se um novo e infinito campo de consumo."
(Han, em 'Psicopolítica', p.66)
Ocupar das emoções se tornou um mecanismo muito mais eficiente de controle psicopolítico do que se ocupar meramente dos comportamentos. A "gamificação do trabalho" é uma estratégia adotada pelo capitalismo da emoção para aumentar a produtividade, que transforma o ambiente de trabalho num jogo, com sistemas de recompensas para estimular o desempenho e aumentar o rendimento.
Assim, o capitalismo busca envolver os trabalhadores de maneira mais psíquica do que apenas suas funcionalidade ou cognição. O tempo livre também é explorado, passa a ser considerado um momento para o aprimoramento do indivíduo, que deve se ocupar da alimentação adequada, exercícios físicos regulares, arrumar a casa, ter um hobby. Enfim, tudo é capturado pelo capitalismo da emoção.
"O jogador com suas emoções está muito mais envolvido do que um trabalhador meramente funcional ou que atua apenas no nível racional."
(Han, em 'Psicopolítica', p.69)
O consumo excessivo se torna uma falta de liberdade, pois não há tempo para atividades que não estejam atreladas a lógica de produção, desenvolvimento e aprimoramento de si. Todas as outras atividades que não estejam no rol daquelas necessárias para o aprimoramento do indivíduo são associadas a algo sem sentido e supérfluas, que não possuem finalidade e devem ser evitadas.
"O consumo excessivo é uma falta de liberdade."
(Han, em 'Psicopolítica', p.73)
Uma liberdade mais genuína talvez seja aquela que permita fazer uso do que é considerado inutilizável, habilitar o que é sem sentido, que não vise um desempenho, deixando de lado essa vigilância contra nós mesmos, nos libertando dessas formas de subjetivação já engessadas, criando espaço para rupturas e imprevisibilidades, possibilitando novas configurações e outros modos de vida possíveis.
Por Bruno Carrasco, terapeuta e professor, graduado em psicologia, licenciado em filosofia e pedagogia, pós-graduado em ensino de filosofia, psicoterapia fenomenológico-existencial e aconselhamento filosófico. Busca pensar questões psicológicas a partir de um viés filosófico, histórico e social. Nos últimos anos se dedica a pesquisar sobre filosofia da diferença e psicologia crítica.
Referência:
HAN, Byung-Chul. Psicopolítica: o neoliberalismo e as novas técnicas de poder. Tradução: Maurício Liesen. Belo Horizonte: Âyné, 2020.