Arqueologia e Genealogia em Foucault

Arqueologia e genealogia são dois métodos de pesquisa utilizados por Michel Foucault, o primeiro em suas obras dos anos de 1960, como "A História da Loucura na Idade Clássica", "O Nascimento da Clínica" e "As palavras e as coisas", destacando uma pesquisa voltada para as condições de saber, e o segundo aparece em suas publicações dos anos 1970, como "Vigiar e punir", "Microfísica do poder" e "Nascimento da biopolítica", evidenciando uma análise das relações de poder.

Criada por Michel Foucault (1926-1984), a pesquisa arqueológica é uma metodologia que busca desenterrar os saberes e as práticas de uma determinada época, analisando-os em seu contexto histórico e cultural específico, destacando as condições de possibilidade dos saberes. Esta metodologia não buscava uma história linear e progressiva do conhecimento, mas identificar os "regimes de verdade" que configuraram o pensamento e as instituições de cada época.

Em resumo, a arqueologia foucaultiana propõe desvelar os saberes ocultos ou esquecidos de uma época, analisando e examinando os discursos, as instituições e as práticas que produziram os saberes, contextualizando os saberes, situando em seu contexto histórico e cultural específico. Deste modo é possível colocar os saberes em questão e desconstruir as verdades estabelecidas, revelando as condições de produção do saber exteriores que as sustentam.

"A arqueologia tem por objetivo descrever conceitualmente a formação dos saberes, sejam eles científicos ou não, para estabelecer suas condições de existência, e não de validade, considerando a verdade como uma produção histórica cuja análise remete a suas regras de aparecimento, organização e transformação no nível do saber."
(Roberto Machado, em 'Foucault, a ciência e o saber')

Para Foucault, a arqueologia é uma ferramenta para compreender o momento presente, que possibilita problematizar e libertar o pensamento. Ao analisar o passado, podemos entender melhor as condições que configuraram os saberes que nos atravessam no presente. Quando questionamos os saberes estabelecidos, podemos pensar de outras maneiras, de forma mais crítica e criativa. Ao revelar as condições de saber que sustentam o conhecimento e como o conhecimento é produzido, podemos transformar os entendimentos e as práticas.

"Uma arqueologia não é uma 'história', na medida em que, em se tratando antes de reconstituir um campo histórico, Foucault, na verdade, trabalha diferentes dimensões (filosófica, econômica, científica, política, etc.) com o propósito de obter as condições de emergência dos discursos do saber em geral em uma dada época."
(Judith Revel, em 'Dicionário Foucault')

Diferente desta metodologia, a pesquisa genealógica, em Foucault, é uma ferramenta analítica que busca desconstruir as narrativas históricas tradicionais, especialmente aquelas que procuram estabelecer origens e essências imutáveis. Ao invés de buscar uma história linear e progressiva, Foucault propõe uma investigação que desvela as múltiplas e contingentes relações de poder que configuram os saberes e as práticas sociais.

A genealogia questiona as verdades estabelecidas, revelando as relações de poder que as sustentam e as contingências históricas que as tornaram possíveis. Ao invés de buscar uma origem única, a genealogia constata as múltiplas e dispersas origens de um conceito ou prática, mostrando como eles emergem de relações de força diversas e complexas. A genealogia enfatiza a contingência dos acontecimentos históricos, destacando que eles poderiam ter sido de outra forma, explorando a relação entre poder e saber.

"A história, genealogicamente dirigida, não tem por fim reencontrar as raízes de nossa identidade, mas ao contrário, se obstinar a dissipá-la; ela não pretende demarcar o território único de onde nós viemos, essa primeira pátria à qual os metafísicos prometem que nós retornaremos; ela pretende fazer aparecer todas as descontinuidades que nos atravessam."
(Michel Foucault, em 'Microfísica do Poder')

Enre os intuitos da genealogia estão quebrar a ilusão de continuidade e revelar as relações de poder. A genealogia entende que a história não é um processo linear e contínuo, mas marcada por rupturas, descontinuidades e transformações, desvelando as relações de poder que sustentam as instituições, os discursos e as práticas sociais. Quando questionamos as verdades estabelecidas, abrimos espaço para novas maneiras de pensar e agir. Ao desconstruir as narrativas históricas tradicionais, a genealogia nos convida a pensar de forma crítica e a questionar as verdades estabelecidas.

"(...) para a genealogia, um indispensável demorar-se: marcar a singularidade dos acontecimentos, longe de toda finalidade monótona; espreitá-los lá onde menos se os esperava e naquilo que é tido como não possuindo história - os sentimentos, o amor, a consciência, os instintos; apreender seu retorno não para traçar uma curva lenta de sua evolução, mas para reencontrar as diferentes cenas onde eles desempenharam papéis distintos; e até definir o ponto de sua lacuna, o momento em que eles não aconteceram."
(Foucault, em 'Microfísica do poder')

A arqueologia faz uma análise de um determinado período histórico, buscando identificar os "regimes de verdade" que o caracterizam. A genealogia vai além da análise de um período específico e das condições de saber, buscando rastrear as origens e as transformações de um conceito ou prática ao longo do tempo. Embora Foucault diferencie esses dois métodos, eles não são mutuamente exclusivos. Em muitos de seus trabalhos, ele utiliza elementos de ambos para realizar suas análises.

A arqueologia descreve os sistemas de pensamento num determinado período, mostrando como o conhecimento foi produzido num contexto histórico específico, por meio de uma análise detalhada de textos, documentos e discursos para identificar as regras e padrões que os organizam. A genealogia investiga a origem e as transformações de ideias, práticas e instituições, destacando suas relações de poder, mostrando como o poder opera através do conhecimento e como as ideias são utilizadas para legitimar relações de poder.

"Foucault pretende analisar acontecimentos. Suas perguntas não se dirigem às totalidades abrangentes, mas à singularidade, às raridades. Suas problemáticas são do tipo: por que suscitaram em determinada época (e lugar) estes enunciados e não outros? Que condições de possibilidade colaboraram para que emergissem certos acontecimentos discursivos? Quais foram as condições de possibilidade históricas que produziram determinados saberes?"
(Esther Díaz, em 'A filosofia de Michel Foucault')

Ambos os métodos são utilizados por Foucault para desconstruir verdades estabelecidas e revelar as relações de poder e saber que as sustentam. Enquanto o foco da arqueologia está nas estruturas de pensamento e nas condições de possibilidade dos saberes, a genealogia se direciona para a origem e as transformações das ideias e práticas, destacando como o poder opera por meio do conhecimento.


Por Bruno Carrasco, terapeuta e professor, graduado em psicologia, licenciado em filosofia e pedagogia, pós-graduado em ensino de filosofia, psicoterapia fenomenológico-existencial e aconselhamento filosófico. Pensa as questões psicológicas a partir de um viés filosófico, histórico e social, pesquisando sobre filosofia da diferença e psicologia crítica.

Referências:
CASTRO, Edgardo. Introdução a Foucault. Belo Horizonte: Autentica Editora, 2014.
DÍAZ, Esther. A filosofia de Michel Foucault. São Paulo: Editora Unesp, 2012.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 1985.
MACHADO, Roberto. Foucault, a Ciência e o Saber. Rio de Janeiro: Zahar, 2006.
MARIGUELA, Márcio. Foucault e a destruição das evidências. Piracicaba: Unimep, 1995.
REVEL, Judith. Dicionário Foucault. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2011.
TAYLOR, Dianna (org.). Michel Foucault: conceitos fundamentais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2018.

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