Elogio da Loucura em Erasmo

Bobo da corte rindo, Autor desconhecido, 1540~

Erasmo de Rotterdam foi um dos maiores pensadores do Renascimento, que nos presenteou o "Elogio da Loucura", cujas reflexões reverberam até nosso tempo. Nascido em 1466, filho de um padre em Rotterdam, na Holanda, Erasmo viveu até 1536, tendo estabelecido amizades influentes, destacando-se a figura de Thomas Morus. Nesse contexto intelectual, permeado por filósofos como Maquiavel, Copérnico e Lutero, Erasmo emergiu como um defensor do Humanismo, exercendo profunda influência na Reforma Protestante.

Em suas críticas à instituição da Igreja, Erasmo não poupou palavras ao questionar o papel dos padres e bispos. Interrogou por que arrecadam dinheiro quando Cristo, segundo suas palavras, não os solicitava. Denunciou a hipocrisia ao atacar não-cristãos enquanto muitos líderes religiosos negligenciavam o amor ao próximo, a venda de indulgências e "partes do céu", propondo a restauração do cristianismo originário.

Vivendo de seu trabalho, especialmente por meio de seus livros, Erasmo cultivou uma autonomia intelectual que lhe permitiu expressar suas ideias de maneira independente. Elogio da Loucura foi publicado em 1511, durante seu apogeu, evidenciando o reconhecimento alcançado por seu papel intelectual na época. O livro anuncia tanto um interesse e importância da loucura, como também uma denúncia e crítica, entendendo que precisamos da loucura para manter as relações com a família, os amigos e o trabalho.

"Longe de mim qualquer truque; não simulo no rosto uma coisa, tendo outra no coração. Sob todos os aspectos, sou sempre semelhante a mim mesma."
(Erasmo de Rotterdam, em 'Elogio da Loucura')

Em sua obra, a Loucura faz um elogio a si mesma, narrando-se como condutora das ações humanas. A amizade, a guerra, o casamento e as artes são retratados como manifestações da insanidade, Erasmo destaca: "É a Loucura que forma as cidades; graças a ela temos os governos, a religião, os conselhos, os tribunais; a vida humana não passa de um divertimento da Loucura". Ele argumenta que é preciso a loucura para lidar com os desafios da vida cotidiana, desde a amizade até as relações conjugais.

"O que são a amizade e o amor, o casamento, a guerra ou as artes se não insanidades?”
(Erasmo de Rotterdan, em 'Elogio da Loucura')

A loucura, para Erasmo, não é apenas negativa, mas uma força propulsora que possibilita a criação, a diferença, a inovação e o pensamento original. Ela está presente tanto nas coisas boas quanto nas ruins, nas realizações nobres quanto nas atitudes mais questionáveis da humanidade. Erasmo distingue entre a "loucura louca" e a "loucura sábia", ressaltando que, por vezes, a linha que separa a loucura da razão é tênue.

"É por mérito meu que os jovens são tão carentes de juízo; por isso estão sempre de bom humor. Eu mentiria, porém, se não admitisse que, tão logo crescem um pouco e começam a adquirir certa maturidade com a experiência e a educação, a beleza logo murcha, diminui a alegria, esmorece a graça, decresce o vigor. Quanto mais se distanciam de mim, menos vivem."
(Erasmo de Rotterdam, em 'Elogio da Loucura')

Seu livro não apenas destaca a importância e o interesse pela loucura na vida humana, mas também serve como uma denúncia e crítica à sociedade de sua época. Erasmo utiliza a loucura como uma lente para revelar a ignorância, a burrice, o absurdo, o erro e a ingenuidade que permeavam as estruturas sociais e religiosas de seu tempo, suscitando reflexões sobre a complexidade e as contradições da natureza humana.


Por Bruno Carrasco, terapeuta e professor, graduado em psicologia, licenciado em filosofia e pedagogia, pós-graduado em ensino de filosofia, psicoterapia fenomenológico-existencial e aconselhamento filosófico. Pensa as questões psicológicas a partir de um viés filosófico, histórico e social, pesquisando sobre filosofia da diferença e psicologia crítica.

Referências:
ROTTERDAM, Erasmo de. Elogio da Loucura. Trad.: Paulo Sérgio Brandão. São Paulo: Martin Claret, 2012.

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