Consciência e emoções em Sartre

Segundo o filósofo francês Jean-Paul Sartre, as emoções são uma forma de relação intencional com o mundo, não são estados passivos que simplesmente nos acontecem, mas uma disposição ativa de responder e lidar com situações que atravessamos.

A consciência, em sua estrutura intencional, é sempre "consciência de algo", voltada para o mundo, num constante direcionamento para fora. Porém, antes de uma consciência reflexiva de mundo, há uma apreensão da experiência, entendida como uma consciência pré-reflexiva, que depois será interpretada e irá gerar uma emoção como modo de lidar com a situação que se apresenta.

De acordo com Sartre, as emoções são estratégias que a consciência adota para transformar a realidade quando se depara com situações que parecem difíceis ou insuportáveis. Por exemplo, o medo pode transformar o mundo de uma pessoa em algo ameaçador, e a alegria pode aparecer como uma reação a algo muito desejado e alcançado.

"(...) a emoção não é uma modificação acidental de um sujeito que, por sua vez, estaria mergulhado num mundo inalterado. É fácil ver que toda apreensão emocional de um objeto amedrontador, irritante, entristecedor, etc. só pode ocorrer sobre o fundo de uma alteração total do mundo."
(Sartre, em 'Esboço para uma teoria das emoções')

A consciência pré-reflexiva é antepredicativa, ela precede qualquer atribuição de juízo ou conceito, sendo anterior a qualquer interpretação ou categorização. Antes de estabelecermos juízos, conceitos ou considerações sobre o mundo, há uma consciência que capta o fenômeno, anterior às atividades reflexivas, que corresponde à experiência vivida, anterior a qualquer descrição ou nomeação.

Conceber a consciência como antepredicativa significa entender que ela é anterior a qualquer atribuição de qualidades. Antes de qualificar ou descrever algo, a consciência acontece como uma disposição à experiência, um direcionamento que se volta para o mundo sem estar, a princípio, determinada por conceitos ou categorias. A consciência acontece sempre numa relação intencional com o mundo, não sendo uma coisa em si mesma.

Em primeiro momento, a consciência se direciona ao mundo de maneira pré-reflexiva, antes de qualquer interpretação ou categorização. Ela não surge com juízos sobre a realidade, mas os constitui após se relacionar com ela. Como a consciência não está determinada por essências ou predicados prévios, ela é radicalmente livre para atribuir significados ao mundo.

Para Sartre, a experiência vivida pré-reflexiva é a experiência imediata e direta da consciência antes de qualquer análise ou reflexão, em que estamos conscientes do mundo sem necessariamente refletirmos sobre nós mesmos como sujeitos dessa consciência. Essa dimensão pré-reflexiva da consciência nos atenta que não precisamos refletir sobre nós mesmos para existir como consciência, sendo uma consciência que acontece na própria relação com o mundo, anterior a reflexão.

Imagine que você está envolvido numa conversa, nesse momento, sua atenção está totalmente voltada para a outra pessoa e ao que está sendo dito. Você está consciente da conversa, mas não está pensando em si mesmo como alguém que está conversando, trata-se do estado pré-reflexivo. Quando você se pergunta “O que estou fazendo agora?” ou “Como estou me sentindo nessa conversa?”, há um deslocamento para a consciência reflexiva, onde você analisa sua própria experiência.

"A consciência que se emociona assemelha-se muito à consciência que adormece. Esta, como aquela, lança-se no mundo novo e transforma seu corpo, como totalidade sintética, de modo que ela possa viver e aprender esse novo mundo através dele. Em outras palavras, a consciência muda de corpo (...)."
(Sartre, em 'Esboço para uma teoria das emoções')

A consciência pré-reflexiva, para Sartre, acontece como uma experiência imediata e unitária da existência, envolvendo emoções, sentimentos e pensamentos. Trata-se da maneira como estamos imersos no mundo, sem nos separarmos dele por meio da reflexão. Se você sente alegria ao ouvir uma música ou receio ao caminhar num lugar desconhecido, essas emoções fazem parte da sua relação com o mundo antes que você as analise ou nomeie.

Portanto, a consciência pré-reflexiva não é um pensamento estruturado sobre algo, pois isso exigiria reflexão, mas envolve emoções e sentimentos, antes que sejam nomeados ou analisados. Trata-se de um estado de consciência que simplesmente vive a experiência de mundo e as relações em sua fluidez, sem analisar ou separar em categorias. O pensamento reflexivo surge apenas quando você para e interpreta, julga ou atribui sentido à sua experiência.

"A consciência emocional é primeiramente irrefletida e, neste plano, ela só pode ser consciência dela mesma no modo não-posicional. A consciência emocional é, em primeiro lugar, consciência do mundo. (...) Em uma palavra, o sujeito emocionado e o objeto emocionante estão unidos numa síntese indissolúvel. A emoção é uma certa maneira de apreender o mundo."
(Sartre, em 'Esboço para uma teoria das emoções')

A consciência se dirige ao mundo, consequente a ela as emoções aparecem como uma maneira de dar sentido ou de modificar esse mundo em resposta às situações vividas. Sartre entende que as emoções não são estados passivos ou automáticos, mas modos que a consciência encontra para lidar com o mundo. Quando experienciamos uma emoção, transformamos nosso mundo para torná-lo mais suportável ou compreensível.

Antes de nomearmos ou interpretarmos a emoção (predicativo), há um contato direto da consciência com a situação (antepredicativo). Por exemplo, sentir medo não é apenas perceber um perigo, mas uma maneira ativa de transformar o mundo em algo ameaçador. A consciência pré-reflexiva acontece antes da reflexão. As emoções são modos de relação com o mundo que a consciência produz em resposta a determinadas situações.

"Em suma, na emoção é o corpo que, dirigido pela consciência, muda suas relações com o mundo para que o mundo mude suas qualidades. Se a emoção é um jogo, é um jogo no qual acreditamos."
(Sartre, em 'Esboço para uma teoria das emoções')

Primeiramente temos uma consciência antepredicativa, um contato imediato com o mundo, anterior a qualquer julgamento ou classificação, seguido de um direcionamento intencional, onde a consciência se volta ao mundo e o apreende de maneira direta. Ao perceber uma situação como insuportável ou desafiadora, a emoção emerge como uma estratégia para lidar com a experiência vivenciada.


Referências:
MACIEL, Luiz Carlos. Sartre: Vida e Obra. São Paulo: Paz e Terra, 1980.
SARTRE, Jean-Paul. Esboço para uma teoria das emoções. Porto Alegre: L&PM, 2010.
SARTRE, Jean-Paul. O Existencialismo é um Humanismo. Petrópolis: Vozes, 2014.

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