Atitude filosófica e suas características

A atitude filosófica consiste num posicionamento crítico, reflexivo e questionador diante da realidade. Se difere de uma aceitação passiva dos fatos e dos discursos, buscando investigar os fundamentos do conhecimento, as questões existenciais e os valores que norteiam a vida humana.

De acordo com Karl Jaspers (1989), a filosofia não é uma posse, mas uma busca incessante pelo saber. Essa disposição de constante investigação e questionamento permeia grande parte da tradição filosófica, se mantendo presente até os tempos atuais.

"As perguntas em filosofia são mais essenciais que as respostas e cada resposta transforma-se numa nova pergunta."
(Karl Jaspers)

A atitude filosófica se inicia com o questionamento e problematização da realidade. Platão, em sua obra "A República", já dizia que a filosofia nasce da admiração e da perplexidade diante do mundo. De maneira semelhante, Immanuel Kant ressaltou que o pensamento filosófico como aquele que não se contenta com respostas prontas, mas investiga suas condições e implicações.

A filosofia não se utiliza de crenças ou opiniões, mas busca sustentar suas posições com base em argumentos sólidos e coerentes. Aristóteles enfatizava que a essência da filosofia está na argumentação rigorosa e na busca por fundamentos racionais. Essa característica distingue a filosofia de outras formas de conhecimento, como a mitologia, a religião e o senso comum.

"Foi por conta do espanto e do assombro que os homens começaram a filosofar e, pelo mesmo motivo, filosofam até hoje."
(Aristóteles)

A atitude filosófica frequentemente desafia crenças estabelecidas e desconstrói conceitos que parecem evidentes, criticando aquilo que parece certo, seguro e estável. Friedrich Nietzsche destacou essa postura ao questionar os valores morais tradicionais, realizando uma genealogia da moralidade, propondo uma filosofia que se faz por marteladas contra os ídolos e os valores da tradição.

Outra característica da filosofia é incentivar a autonomia intelectual. René Descartes  propõs a dúvida metódica como um exercício de emancipação do pensamento, argumentando que para alcançar o conhecimento é necessário colocar em questão as crenças que recebemos, reforçando a importância da liberdade intelectual e da reflexão sobre o que pensamos que sabemos.

Desde os pré-socráticos, a filosofia tem como intuito compreender a realidade, a vida, e seus fundamentos Martin Heidegger entendia que o pensamento filosófico era um constante caminhar em direção ao sentido do ser. Assim, a busca pela sentido e a compreensão do ser e do mundo, mesmo que sempre inacabada, se apresentou como uma característica da atitude filosófica.

A atitude filosófica é crucial para o pensamento crítico e questionador, bem como para a ampliação da compreensão de mundo de nós mesmos. Questionar, argumentar, desconstruir conceitos e buscar a distintas perspectivas de entendimentos são características fundamentais da filosofia desde a antiguidade até os dias atuais.

Essa atitude filosófica não é uma simples opinião ou crítica apressada. Mas, antes de tudo, uma disposição de abertura e curiosidade, uma vontade de compreender mais profundamente aquilo que parece óbvio, comum ou estabelecido. Diferente da crítica leiga, que costuma surgir de juízos rápidos, muitas vezes carregados de intolerância e desinformação, a atitude filosófica pressupõe um exercício contínuo de escuta, investigação e reflexão.

No senso comum, muitas pessoas julgam ideias ou comportamentos a partir de suas próprias convicções, sem considerar a complexidade do que é dito Essa reação imediata tende a reafirmar um modo de pensar já pronto, fechado à possibilidade de diálogo. O filósofo, ao contrário daquele que já "sabe", é aquele que se abre para o que não sabe, buscando saber e conhecer algo distinto.

Suas perguntas não são um sinal de ignorância, mas de disposição e sensibilidade. A pergunta filosófica nasce de uma inquietação diante daquilo que se apresenta como certo e pronto. Ela não procura defender suas "verdades", mas justamente questionar as certezas. Quando alguém pergunta, está suspendendo o óbvio para abrir uma investigação mais profunda sobre o que pergunta.

A atitude filosófica implica em voltar-se para o pensamento, a pensar sobre o que se pensa, para refletir — no sentido etimológico do termo, que envolve "curvar-se sobre si mesmo". Trata-se de um movimento de retorno, onde o pensamento observa a si mesmo, questionando as próprias bases, premissas e valores. Isso exige não só estudo e dedicação, mas sobretudo uma postura ética de humildade e escuta.

"Quando alguém pergunta para que serve a filosofia, a resposta deve ser agressiva, visto que a pergunta pretende-se irônica e mordaz. A filosofia não serve nem ao Estado, nem à Igreja, que têm outras preocupações. Não serve a nenhum poder estabelecido. A filosofia serve para entristecer. Uma filosofia que não entristece a ninguém e não contraria ninguém, não é uma filosofia. A filosofia serve para prejudicar a tolice, faz da tolice algo de vergonhoso. Não tem outra serventia a não ser a seguinte: denunciar a baixeza do pensamento sob todas as suas formas. (...) Fazer, enfim, do pensamento algo agressivo, ativo, afirmativo. Fazer homens livres"
(Deleuze, em 'Nietzsche e a filosofia')

Assumir essa postura é também reconhecer que nossas crenças não são verdades absolutas, mas formas possíveis de ver o mundo. Num mundo marcado por discursos prontos e certezas acabadas, cultivar a atitude filosófica é um ato de resistência — e também de criação. Criação de espaços de escuta, de pontes entre modos de pensar, de caminhos para novas compreensões.

Não se trata de uma técnica do saber, mas um modo de ser: curioso, atento e aberto. É, sobretudo, um compromisso com a possibilidade de pensar diferente do que se pensa sobre algo, se abrir a outras perspectivas possíveis.



Referências:
ARISTÓTELES. Metafísica. São Paulo: Editora UNESP, 2009.
DESCARTES, René. Meditações Metafísicas. São Paulo: Edições Loyola, 2008.
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Vozes, 2005.
JASPERS, Karl. Introdução à Filosofia. São Paulo: Cultrix, 1989.
KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. São Paulo: Abril Cultural, 1997.
NIETZSCHE, Friedrich. Além do Bem e do Mal. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
PLATÃO. A República. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2006.

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